sábado, 29 de abril de 2023

O Touro Azul

 O TOURO AZUL

 

JOÃO RODRIGUES

 

            Lá nas brenhas do sertão baiano, às margens do Rio Carinhanha, existia uma fazenda chamada Bebedouro. Ali vivia uma família muito feliz. Tinha o esposo, a esposa e seus três filhos. A neblina caia mansamente na fazenda, numa manhã de março. O fazendeiro e seus peões faziam a ferra dos bezerros. Aquele era um dia muito especial naquela fazenda. Era o dia que estaria decidido entre os bezerros, quais os que seriam bois de corte e o que seria separado para ser o touro. De maneira que a escolha era especial. Era uma escolha muito difícil. Pois o destino do rebanho estava na escolha do touro. E naquele momento de suspense o fazendeiro avistou no alpendre da casa, ali. Protegida da neblina fria pelo telhado estava a sua esposa. Ela observava o seu amor dentro do lamaçal do curral ferrando os bezerros com os seus empregados. E num instante mágico ele gritou:

            - Querida! Poderia escolher um desses bezerros para touro!

            Naquele momento aquela mulher magra lançou a sua mão e apontando com um dedo para um dos bezerros e esse era o mais raquítico que estava ali, e disse:

            - Esse querido!

            - Esse querida! É esse mesmo?

                        De modo que a mulher confirmou que era aquele que apontou com o seu dedo. Com isso os Peões entristecidos disseram ao mesmo tempo:

            - Logo essa porcaria! Esse bezerrinho enjeitado. Não! Não gostamos chefe.

            Contudo eles não tinham direito de decidir. Ela já tinha feito a escolha. Aquele seria o bezerro que iria ser o touro. Meio triste o fazendeiro mandou que laçasse o bezerrinho e o ferraram. Porém, dois dos seus empregados  falaram:

            -  Chefe?

            - Fala o que quer Eduardo.

            - Não concordei com a escolha da sua esposa. Portanto eu e Jorge vamos embora. Não queremos trabalhar em fazenda que mulher manda. Não. Aqui não vale nada para nós.

            O patrão então cabisbaixo disse aos seus empregados que estava tudo bem. E depois que terminaram o serviço. A ferra dos bezerros. Foram para a grande casa de a fazenda tomarem café. E depois disso cada  um foi cuidar  das  suas  tarefas,  enquanto  que  o  patrão   fez o pagamento dos dois que iam embora. E na hora que eles iam saindo, a mulher falou com o seu esposo:

            - Será que eu podia falar com esses dois senhores que estão indo embora querido?

            - Sim querida. Claro que sim.

            Com isso a esposa chegou até aqueles dois peões e disse:

            - Eduardo e Jorge, podem vir até o alpendre comigo? Sei que são dois homens trabalhadores, honestos, que prestaram serviços ao meu marido. Foi muito bom ter trabalhado com vocês. No entanto triste por não terem gostado da minha escolha.  E de irem embora.

            Os dois peões a acompanharam até o alpendre da grande casa onde dali dava para ver todo o pátio da fazenda. E com aquele corpo magro ela falou:

            - Era mês de setembro quando eu assistia todas as tardes a hora que o gado começava chegar, e que cada bezerro encontrava a sua mãe! Notei, no entanto que um certo dia a mãe daquele bezerrinho enjeitado não apareceu. Vi que ele tentava desesperado procurar se alimentar na teta de uma vaca qualquer. Elas o recusavam, mas a sua insistência era grande, em num dado momento ele conseguia mamar e como um ladrão apressado por não saber o seu tempo, ele mamava com tanta pressa que a espuma do leite caia no chão misturando com as suas lágrimas. Eu daqui deste alpendre também chorava. E assim passaram os meses, ele conseguiu sobreviver. Hoje quando eu olhava vocês fazendo a ferra, foi que mesmo sem pedir o meu marido mandou-me escolher um dos bezerros para touro. Eu não tinha como escolher outro. Tinha de ser ele. Acho que qualquer pessoa normal o escolheria. Sei que só assim eu poderia amenizar as suas lágrimas que caíram todo tempo. Até que hoje eu pude dar a ele o direito de ir para a invernada para que seja daqui poucos anos O Touro Azul. E ele será. E quanto a vocês! Estão indo embora. O que irão dizer aos seus filhos! Desempregados, o que irão dizer as suas mulheres? Gostaria que pensassem o que irão dizer a elas.

            Num momento de reflexão Eduardo disse ao Jorge:

            - Eu resolvi ficar. Não vou embora. Compreendi que tudo que essa senhora falou é fruto de grandeza e sabedoria. Ela observou o tempo todo o pobre bezerro enjeitado e ela o escolheu pelo amor. Serei eternamente servo dessa senhora. Eu não vou embora! Não vou. Eu vou ficar.

            Depois da declaração de Eduardo o Jorge relatou:

            - Não! Eu vou embora. Tinha tantos bezerros fortes, bonitos, sadio que poderiam ser um touro sangue puro. Ela foi escolher logo um sem nenhuma condição. Não me interessa trabalhar aqui com essa dona. A senhor me desculpa, mas não posso ficar. Adeus minha senhora.

            De modo que no alpendre da casa a mulher com os seus filhos, o esposo e Eduardo. Todos olhavam o Jorge que sumia na distância da estrada, levando consigo um coração cheio de coisas que jamais saberíamos. Pois que dor teria causado no coração daquele homem, a escolha daquele bezerro que a patroa fez... E o tempo passou, quatro anos depois, aquela fazenda era bem maior. Jorge nunca voltou ali. Ninguém sabia o que teria acontecido a ele. E num fim de ano o Fazendeiro resolveu dar uma grande festa. De modo que ele mandou convidar muitas pessoas na região. Um dos convidados foi o Jorge. E já no domingo, no final da tarde, os convidados contavam as suas alegrias lá no canto do terreiro. Tudo ali era alegria, e no meio de todos estava feliz também aquela mulher que escolheu o bezerro enjeitado. Pois a festa foi feita para comemorar o amor que habitava naquela fazenda. Aquela festa era para poder dividir com as pessoas que viviam ali por perto talvez que não tivesse tido na vida nenhuma oportunidade de conhecer alguma coisa sobre o amor. Portanto aquela festa não era para mostrar como fazem os hipócritas, os idiotas, os imbecis, mostrarem grandezas. Não! Aquela festa era para confraternizar o amor. Porque ali existia o amor. Jorge também veio à festa. Ele aceitou o convite, por ironia do destino talvez ou por uma fórmula  que Deus encontra para agraciar, para dizer a aqueles que o amam, que o amor existe, que Ele existe, que Ele é o amor. Pois a dureza do coração de Jorge foi quebrada, ele até trouxe a sua família. E num dado momento surgiu do lado norte uma enorme nuvem e junto com ela um vento frio e forte balançava as árvores que cercavam a enorme fazenda. E logo por entre os raios do sol a chuva caia como se fossem lágrimas que choravam, talvez por agradecimento de alguém. Lá do lado sul era onde ficava a invernada. E desse lado não chovia, só que todas as pessoas olhavam maravilhados ao ver que de lá vinha andando lentamente um grande touro em direção a casa. Uns assustados correram para o alpendre da casa. Outros, no entanto ficaram pasmados e diziam ao mesmo tempo:

            - O Touro Azul!

            E o touro seguiu rumo ao terreiro da casa quebrando as cercas e foi cheirando cada um dos convidados como se soubesse onde estava a dona da casa, ele lambeu as mãos dela como se estivesse dizendo que tinha chegado, ou meu muito obrigado. Ou quem sabe talvez você é a coisa mais importante da minha vida. Quando as pessoas viram aquele enorme touro lambendo as mãos de mulher, ficaram parados observando como se estivesse acontecendo um milagre. Um grande milagre. A mulher retribuía o cumprimento do touro passando a sua delicada mão naquela enorme venta, naquela enorme cabeça, e estampado no seu rosto a mais profunda satisfação de por ter escolhido aquele bezerro enjeitado que agora estava ali, vivo, forte, vitorioso, bom, e era o seu amigo, o grande Touro Azul. Ela disse para ele:

             - Seja bem vindo meu amigo.

            O Touro Azul acariciou mais uma vez a mulher, e continuou cheirando os convidados. Lá num canto estava Jorge, aquele homem do coração duro. E quando o Touro Azul chegou até ele, deu uma assoprada na sua cabeça, e Jorge morrendo de medo disse:

            - Não! Perdoa-me, se mereço o perdão...

            A patroa aproximou-se do Touro Azul, colocando a sua mão na cabeça dele e dizendo:

            - Pode perdoá-lo meu amigo. Os grandes são aqueles que perdoam, Deus ama o que tem um bom coração.

            De modo que o Touro Azul foi para o curral e se juntou ao rebanho. A festa parecia ter acabado. É como se fosse um julgamento. O veredicto já tinha acontecido. Cada um vinha até aquela mulher para poder tocar em suas mãos. Sentiam que o

poder que ela tinha, estava alem do poder dos simples mortais. Eduardo até falou com Jorge:

            - Viu Jorge! O que faz amor. Viu em que virou aquele bezerrinho enjeitado! Lá está o Touro Azul.

            - Jorge foi até aquela mulher e lhe disse:

            - Quero pedir perdão a senhora por minha ignorância. E peço para abençoar a mim e a minha família. Por que vejo que na tua benção está a benção de Deus.

            - Desde o dia que foste daqui, eu tenho pedido ao meu Senhor para te abençoar. E depois desta sena você poderá contar pelo resto da sua vida o que faz o amor. Só que para tanto Jorge. Tem que acreditar. Pois foi muitas e muitas vezes que vi aquele bezerrinho enjeitado correr em busca da sua sobrevivência.

            Vi ele correr em busco de uma gota de leite para matar a tua fome. E com isso herdar um dia o direito de ser O Touro Azul desta fazenda. E que tenha isso como exemplo Jorge, e que por onde andar não semear o ódio e sim o amor. Pois só o amor nos dá o direito de receber a recompensa do Senhor Eterno.

            Jorge então agradeceu aquela mulher e se foi. E aquela noite todos foram para suas casas. Lá no curral da fazenda na noite escura o Touro Azul, turrava como se estivesse dizendo que tinha vencido.

 

 

FIM

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