sábado, 29 de abril de 2023

O Menino Verde João Rodrigues

 O MENINO VERDE

 

JOÃO RODRIGUES

 

Sou criação divina

No dia três que o Senhor

Fez nascer toda relva

Para cobrir a terra

Debaixo do azul do céu

Nas margens de cada mar,

 

Para abrigar seres

Segundo as suas espécies

Na mais completa harmonia

Com respeito e gratidão

Todos com um coração

Instrumento do amor,

 

Fazendo correr nas veias

O vinho santo da vida

Para regar os lugares

Bem distante da nascente

Como um rio contente

Entre montanhas descendo

Tocando em suas cascatas

Canções da eternidade,

 

Ninando os filhos do mundo

Para depois do amanhecer

Nas suas águas cristalinas

Ver peixes nadando

Nos raios da luz do sol

Que se esconde nas nuvens

Assopradas pelos ventos,

 

Que como uma magia

Delas a água mansa

Rega o canteiro de Deus

Com tanta suavidade,

 

Faz nascer à semente

Que logo cresce contente

Sempre há mais um lugar

Para suas folhas bailarem

Agradecendo a flor

Com seu perfume sublime

Fazendo o fruto nascer,

 

Alimentando as aves

Ali perto do ninho

Preso no mesmo galho

Forte de gratidão

Que ainda agüenta o cipó

Transporte da alegria,

 

Onde muitos seres viventes

Seguem os seus destinos

Escolhendo onde morar,

 

Nas sombras frescas das árvores

Nas montanhas e no mar

Só se vê desolação

Transformando-me em carvão

Para alimentar a caldeira

Que de chaminés assassinas

Tufos de fumaças se perdem

Na imensidão do espaço,

 

Fazendo chover veneno

Sobre minhas folhas sem vida

Que se misturam na lama

Contaminando a terra,

 

Produzindo bactérias

Comendo minhas raízes

As quais me sustentavam

Por onde o broto nascia,

 

E segurava a terra

Que foi pro fundo do rio

Que hoje já é lagoa

Igual um tacho fervente,

 

De gases que alimentam

A peste assoladora

Que vem surgindo aos poucos

Num prognóstico sem fim

Abatendo sem piedade

O homem feito do pó

Por não suportar o gás

Dos fortes raios do sol

Na alta temperatura,

 

As cenas se repetiam

Onde os mais fracos temiam

Se escondendo nas tocas,

 

Do velho tronco caído

Pela sábia mão do Senhor

Sem ferro desbravador

Sem causar desequilibro,

 

De malabarismo decente

Assim como troca o dente

Na sábia boca da fome,

 

Espelhadas pela terra

Em cada filho do homem,

 

Este é o primeiro exemplo

Que muitas mães a chorar

Acolhe o filho no colo

Ao simples sinal de febre,

 

Retira de mim a folha

Com o sumo da medicina

Assiste o seu pequenino

Brincando com a areia

Espalhada pelo chão

Que dá sustento aos meus pés

Onde possa erguer

Para purificar o ar

Que nos permite viver,

 

Pois sem mim não terá vida

Sem a vida não sou ninguém

Adeus menino verde

Adeus rios adeus mares

Que morreram quanto a mim

Sem nada pode fazer

Contra o que vem nos matando,

 

Adeus seres viventes

Aos poucos o firmamento

Construindo os seus castelos

De sabedoria e poder

Se esquecendo de mim

Que nasci antes de ti

Que na verdade vivi

Sem a sua colaboração

Por sob o céu azulado

Em cada pedaço do chão,

 

Que se torna em deserto

Por falta da minha presença

Talvez por causa da crença

Do homem que Deus criou,

 

Que parece arrependido

Por tamanha crueldade

Pro bando de assassinos

Até o dilúvio mandou,

 

Mas por minha semente

Voltei a cobrir a terra

Fui ao fundo do mar

Tentando me esconder,

 

Mas o bando de covardes

Sempre a me castigar,

 

Não respeitam a Deus

Nem mesmo sabem orar,

 

Só fazem armas de guerra

Para brigar com o próprio irmão

O interessante é o poder

Se arrastando pelo chão,

 

Como galos de briga

Que conservam esporões

Num terreiro de galinhas

Que só servem para botar

Ovos envenenados,

 

Que chocam em maternidades

De cassinos e castelos

Cada qual parece mais belo

Onde reluz o cristal,

 

Pintam quadros bonitos

Recordando o que passou

Nas hipócritas batalhas

Das grandes destruições,

 

Até com paixão revelam

Nos choros das intenções,

 

Vejo o homem obcecado

Correndo em busca do nada

Trocando-me por estradas

Ao deserto sem fim,

 

De fronteiras em fronteiras

Ao encontro do ninguém

Que nem mesmo sabe quem

Vivem a procurar,

 

Ficando somente o deserto

Que algum dia foi habitado

Por mim menino verde

Pelo homem derrotado,

 

No meu lugar só o vento

Assopra a terra quente

Na expressão de terror

Nem mesmo comparo dor

No coração do Senhor,

 

Que se ao menos condoesse

Com a sua compaixão

Faria brotar no chão

O menino verde a sorrir,

 

Mas vejo no seu olhar

Que a ira do Mestre é tanta

Que nunca vai perdoar

A ignorância do homem,

Assim acabou o mundo

Nada restou

Acabou em ilusão

Dos castelos do poder

Da fúria da ambição,

 

Do desejo de querer

Ser maior a cada dia

Agora são grãos de areia

Tocados na ventania,

 

Nas tempestades de dor

Vendo o homem sofrer

Nem tem como conter

Na tristeza do Senhor

Pelo seu arrependimento

E o pacto que fez com o homem

De nunca vir acabar,

 

Mas o homem se esqueceu

Que o grande menino verde

Que cobria a terra

Era a razão da existência,

 

Que foi morto sem clemência

Restando só ilusão,

 

Agora o abismo se repete

Como lá no primeiro dia

Só existe escuridão

Na terra desabatida,

 

Sem o verde menino amigo

Que não foi compreendido

Pelo ser que foi criado

Lá pelo sexto dia,

 

A ele foi entregue sim

Só para ele o lindo jardim

Repleto de alegria

Onde andava nu

Na mais completa inocência,

 

Apenas na condição

Para ter o seu desfruto

Poupando o fruto proibido,

 

Mas a fraqueza do ser

Fez perder a confiança

No paladar sem sabor

E a voz trôpega da serpente

Fez sair pela janela

Para nunca mais voltar,

 

Se foi a alegria

De um éden imaginário

Soterrando no correr

Do vulcão do destino

No coração arrogante

Do pobre homem errante

Que então ficou perdido

Sem valor e sem moral,

 

Demonstrando inteligente

Defendendo suas teses

Se misturando as idéias

Nas mentes fracas de fé,

 

Seguindo ídolos maníacos

Que nem mesmo sabem falar

Se convergindo no nada

Se perdendo na estrada

Foi aonde todos chegaram,

 

Lá no infinito zero

De uma soma sem total

De um texto sem fim

De um rio sem margem,

 

De uma oração sem Deus

De uma igreja sem fiéis

De uma porteira sem cerca

De um livro sem páginas

De uma argola sem corda

De um olho sem visão

De uma boca sem língua

De uma mão sem dedos

De uma cesta sem verduras

De um travesseiro sem cama

De uma cama sem ninguém,

 

De uma camisa sem corpo

De um velório sem caixão

De um caixão sem morto

De um perfume sem olfato

De uma excursão sem ninguém,

 

De uma luz sem escuridão

De um braço sem mão

De um cantor sem canção,

 

De um instrumento sem som

De um sorriso sem dente,

 

De um coração sem peito

De uma mente sem sentido

De uma alma sem sina

 De um frio sem calor

De uma flor sem necta

De um fruto sem semente

De muita água sem sede,

 

De uma roda sem carro

De um carro sem motor,

 

De um doutor sem doente

De um remédio sem dor,

Como a mim menino verde

Só mesmo na sua lembrança,

 

Ou no espírito que vaga

Relembrando a matéria

Que lhe dava prazer

No viver de alegria,

 

No sexo que dava o gozo

Da conquista de alguém

Que se deitava sorrindo

Nos momentos de alegria

Mesmo sem se preocupar

Que tanta coisa bonita

Um dia ia acabar,

 

Se lhes tentasse tirar

Brigavam como leões

Nem mesmo o menino verde

Sequer pode contar,

 

Hoje o espírito chora

Aquela vontade sem fim

De voltar a usar

O seu corpo destruído

Pelo descaso fatal

De só viver o presente

No ciclo do vandalismo

Em toda sua existência

Sem respeitar a ciência

E os segredos do Senhor

Que se lembrasse da morte

Tal não seria a sorte

De chegar aonde chegou,

 

No peito a desconfiança

Nem em si de acreditar

Que o bom nunca tem fim

Esta é a eterna razão

Mesmo dando lugar

Ao seu próprio irmão,

 

Respeitando seu prazer

Enquanto na escuridão

No corpo de outro ser

Além da imaginação,

 

Poderia festejar

Lá nos bancos do jardim

Onde alguém a prosar

Junto do seu amor,

 

Faria-lhe companhia

Aliviando a dor,

Assistindo o céu repleto

De estrelas a cintilarem

Vendo o menino verde

Com toda sua elegância.

 

FIM

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