O MENINO VERDE
JOÃO RODRIGUES
Sou criação divina
No dia três que o Senhor
Fez nascer toda relva
Para cobrir a terra
Debaixo do azul do céu
Nas margens de cada mar,
Para abrigar seres
Segundo as suas espécies
Na mais completa harmonia
Com respeito e gratidão
Todos com um coração
Instrumento do amor,
Fazendo correr nas veias
O vinho santo da vida
Para regar os lugares
Bem distante da nascente
Como um rio contente
Entre montanhas descendo
Tocando em suas cascatas
Canções da eternidade,
Ninando os filhos do mundo
Para depois do amanhecer
Nas suas águas cristalinas
Ver peixes nadando
Nos raios da luz do sol
Que se esconde nas nuvens
Assopradas pelos ventos,
Que como uma magia
Delas a água mansa
Rega o canteiro de Deus
Com tanta suavidade,
Faz nascer à semente
Que logo cresce contente
Sempre há mais um lugar
Para suas folhas bailarem
Agradecendo a flor
Com seu perfume sublime
Fazendo o fruto nascer,
Alimentando as aves
Ali perto do ninho
Preso no mesmo galho
Forte de gratidão
Que ainda agüenta o cipó
Transporte da alegria,
Onde muitos seres viventes
Seguem os seus destinos
Escolhendo onde morar,
Nas sombras frescas das árvores
Nas montanhas e no mar
Só se vê desolação
Transformando-me em carvão
Para alimentar a caldeira
Que de chaminés assassinas
Tufos de fumaças se perdem
Na imensidão do espaço,
Fazendo chover veneno
Sobre minhas folhas sem vida
Que se misturam na lama
Contaminando a terra,
Produzindo bactérias
Comendo minhas raízes
As quais me sustentavam
Por onde o broto nascia,
E segurava a terra
Que foi pro fundo do rio
Que hoje já é lagoa
Igual um tacho fervente,
De gases que alimentam
A peste assoladora
Que vem surgindo aos poucos
Num prognóstico sem fim
Abatendo sem piedade
O homem feito do pó
Por não suportar o gás
Dos fortes raios do sol
Na alta temperatura,
As cenas se repetiam
Onde os mais fracos temiam
Se escondendo nas tocas,
Do velho tronco caído
Pela sábia mão do Senhor
Sem ferro desbravador
Sem causar desequilibro,
De malabarismo decente
Assim como troca o dente
Na sábia boca da fome,
Espelhadas pela terra
Em cada filho do homem,
Este é o primeiro exemplo
Que muitas mães a chorar
Acolhe o filho no colo
Ao simples sinal de febre,
Retira de mim a folha
Com o sumo da medicina
Assiste o seu pequenino
Brincando com a areia
Espalhada pelo chão
Que dá sustento aos meus pés
Onde possa erguer
Para purificar o ar
Que nos permite viver,
Pois sem mim não terá vida
Sem a vida não sou ninguém
Adeus menino verde
Adeus rios adeus mares
Que morreram quanto a mim
Sem nada pode fazer
Contra o que vem nos matando,
Adeus seres viventes
Aos poucos o firmamento
Construindo os seus castelos
De sabedoria e poder
Se esquecendo de mim
Que nasci antes de ti
Que na verdade vivi
Sem a sua colaboração
Por sob o céu azulado
Em cada pedaço do chão,
Que se torna em deserto
Por falta da minha presença
Talvez por causa da crença
Do homem que Deus criou,
Que parece arrependido
Por tamanha crueldade
Pro bando de assassinos
Até o dilúvio mandou,
Mas por minha semente
Voltei a cobrir a terra
Fui ao fundo do mar
Tentando me esconder,
Mas o bando de covardes
Sempre a me castigar,
Não respeitam a Deus
Nem mesmo sabem orar,
Só fazem armas de guerra
Para brigar com o próprio irmão
O interessante é o poder
Se arrastando pelo chão,
Como galos de briga
Que conservam esporões
Num terreiro de galinhas
Que só servem para botar
Ovos envenenados,
Que chocam em maternidades
De cassinos e castelos
Cada qual parece mais belo
Onde reluz o cristal,
Pintam quadros bonitos
Recordando o que passou
Nas hipócritas batalhas
Das grandes destruições,
Até com paixão revelam
Nos choros das intenções,
Vejo o homem obcecado
Correndo em busca do nada
Trocando-me por estradas
Ao deserto sem fim,
De fronteiras em fronteiras
Ao encontro do ninguém
Que nem mesmo sabe quem
Vivem a procurar,
Ficando somente o deserto
Que algum dia foi habitado
Por mim menino verde
Pelo homem derrotado,
No meu lugar só o vento
Assopra a terra quente
Na expressão de terror
Nem mesmo comparo dor
No coração do Senhor,
Que se ao menos condoesse
Com a sua compaixão
Faria brotar no chão
O menino verde a sorrir,
Mas vejo no seu olhar
Que a ira do Mestre é tanta
Que nunca vai perdoar
A ignorância do homem,
Assim acabou o mundo
Nada restou
Acabou em ilusão
Dos castelos do poder
Da fúria da ambição,
Do desejo de querer
Ser maior a cada dia
Agora são grãos de areia
Tocados na ventania,
Nas tempestades de dor
Vendo o homem sofrer
Nem tem como conter
Na tristeza do Senhor
Pelo seu arrependimento
E o pacto que fez com o homem
De nunca vir acabar,
Mas o homem se esqueceu
Que o grande menino verde
Que cobria a terra
Era a razão da existência,
Que foi morto sem clemência
Restando só ilusão,
Agora o abismo se repete
Como lá no primeiro dia
Só existe escuridão
Na terra desabatida,
Sem o verde menino amigo
Que não foi compreendido
Pelo ser que foi criado
Lá pelo sexto dia,
A ele foi entregue sim
Só para ele o lindo jardim
Repleto de alegria
Onde andava nu
Na mais completa inocência,
Apenas na condição
Para ter o seu desfruto
Poupando o fruto proibido,
Mas a fraqueza do ser
Fez perder a confiança
No paladar sem sabor
E a voz trôpega da serpente
Fez sair pela janela
Para nunca mais voltar,
Se foi a alegria
De um éden imaginário
Soterrando no correr
Do vulcão do destino
No coração arrogante
Do pobre homem errante
Que então ficou perdido
Sem valor e sem moral,
Demonstrando inteligente
Defendendo suas teses
Se misturando as idéias
Nas mentes fracas de fé,
Seguindo ídolos maníacos
Que nem mesmo sabem falar
Se convergindo no nada
Se perdendo na estrada
Foi aonde todos chegaram,
Lá no infinito zero
De uma soma sem total
De um texto sem fim
De um rio sem margem,
De uma oração sem Deus
De uma igreja sem fiéis
De uma porteira sem cerca
De um livro sem páginas
De uma argola sem corda
De um olho sem visão
De uma boca sem língua
De uma mão sem dedos
De uma cesta sem verduras
De um travesseiro sem cama
De uma cama sem ninguém,
De uma camisa sem corpo
De um velório sem caixão
De um caixão sem morto
De um perfume sem olfato
De uma excursão sem ninguém,
De uma luz sem escuridão
De um braço sem mão
De um cantor sem canção,
De um instrumento sem som
De um sorriso sem dente,
De um coração sem peito
De uma mente sem sentido
De uma alma sem sina
De um frio sem calor
De uma flor sem necta
De um fruto sem semente
De muita água sem sede,
De uma roda sem carro
De um carro sem motor,
De um doutor sem doente
De um remédio sem dor,
Como a mim menino verde
Só mesmo na sua lembrança,
Ou no espírito que vaga
Relembrando a matéria
Que lhe dava prazer
No viver de alegria,
No sexo que dava o gozo
Da conquista de alguém
Que se deitava sorrindo
Nos momentos de alegria
Mesmo sem se preocupar
Que tanta coisa bonita
Um dia ia acabar,
Se lhes tentasse tirar
Brigavam como leões
Nem mesmo o menino verde
Sequer pode contar,
Hoje o espírito chora
Aquela vontade sem fim
De voltar a usar
O seu corpo destruído
Pelo descaso fatal
De só viver o presente
No ciclo do vandalismo
Em toda sua existência
Sem respeitar a ciência
E os segredos do Senhor
Que se lembrasse da morte
Tal não seria a sorte
De chegar aonde chegou,
No peito a desconfiança
Nem em si de acreditar
Que o bom nunca tem fim
Esta é a eterna razão
Mesmo dando lugar
Ao seu próprio irmão,
Respeitando seu prazer
Enquanto na escuridão
No corpo de outro ser
Além da imaginação,
Poderia festejar
Lá nos bancos do jardim
Onde alguém a prosar
Junto do seu amor,
Faria-lhe companhia
Aliviando a dor,
Assistindo o céu repleto
De estrelas a cintilarem
Vendo o menino verde
Com toda sua elegância.
FIM
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