sábado, 29 de abril de 2023

Sede de Matar João Rodrigues

 SEDE DE MATAR

 

JOÃO RODRIGUES

 

            A lua cheia aparecia no oriente, Santos maravilhava-se com a beleza que apresentava. Pois com o seu brilho prateado, ela cobria a floresta do sertão. E lá no caminho que seguia pelo boqueirão, entre as tenebrosas sombras das tortuosas árvores, Santos seguia ouvindo o som misterioso do vento que lhe fazia arrepiar os seus cabelos. No entanto, esse vento lhe trazia o cheiro incomparável da floresta. Santos respirava com alegria e falava com a sua mula:

            - Vamos lancha-nova, nesse instante deve estar nascendo o meu querido filho...

            Santos falava com a sua mula como se fosse uma pessoa que estivesse ali em forma de um animal irracional. Melhor assim, pois entre os irracionais não se fazem presentes muitas coisas estranhas como a falsidade, a mentira, a traição, o ódio, o desprezo, a inveja, a safadeza, e sei que eu poderia agora enumerar quase que de uma forma infinita as coisas horríveis dos racionais chamados homens. Ali, no entanto. Santos falava com quem ouvia e não tinha como responder nenhuma pergunta e nem também dar alguma explicação ou satisfação como fazem os humanos. Ele continuava a falar com a sua mula:

            - Os lobos estão uivando lancha-nova...

            O tropel da mula na areia fofa do sertão fazia ouvir ao longe, quebrando assim o silêncio daquela noite de alegria, medo e mistérios que chegava para Santos.

            - Estamos chegando minha amiga, estamos chegando...

            Ainda parado na porteira do pátio da fazenda, Santos pôde ouvir uma criança chorar. Ele alegrou-se, pois os seus olhos viam lá dentro da sua casa uma opaca luz que se desfalecia num pequeno candeeiro, e feliz Santos exclamou:

             - Não te falei! Que ele nasceria hoje...

            Santos soltou a mula no pasto e em seguida entrou com muita alegria e curiosidade para sua casa.

            - Ediléia, é você? 

            - Sou eu querida...

            Relatou Santos entrando no quarto e encontrou ali Joana, que estava  na cama amamentando o seu filho...

             - Oi Santos! Venha ver o nosso filho.  Veja como ele é lindo, parece com você! Não acha?                  Santos olhou para o filho e depois ternamente para Joana e falou:

             - Ele é lindo querida! Parece com você...

Santos e Joana ficaram por algum tempo parados contemplando a beleza do fruto do grande amor que viviam e em seguida Santos disse:

            - Que nome daremos a ele querida?

            Joana olhou para o filho e depois para marido, pensou por alguns instantes e relatou:

            - Não acha melhor deixar que ele cresça e aí então, ele mesmo poderá escolher o seu nome! Existem tentas pessoas que são infelizes com os nomes que deram a elas? Podemos dar esta chance ao nosso filho...

            Santos olhou para a mulher e curioso com o que ela disse exclamou:

            - E como iremos chamá-lo até que ele cresça!

             Joana ficou por algum tempo em silêncio e naquele momento, a empregada Ediléia foi entrando no quarto e sem mesmo que lhe perguntassem  ela sugeriu:

            - Por quê não o chama de Miguel!

            Santos olhou para Joana falando:

            - Sim querida. Este é um lindo nome. Chamaremos-no de Miguel, até que ele cresça, para que ele possa escolher o nome que lhe for agradável.

            Ediléia saiu do quarto e deixou o casal com o Miguel que acabava de chegar ao mundo. Aquela noite era uma noite muito especial para aquele casal de humanos que no sertão, mesmo no sertão, podiam compartilhar as suas alegrias com o que ali acaba de chegar. Um filho,  um  maravilhoso filho. Saudável, sorridente, que fazia daquele lar, num pedacinho de, porque não dizer, um pedacinho do paraíso. E Santos dizia carinhosamente a Joana:

            - Lutarei para dar a você e ao nosso filho o que de melhor  existir. Que  juntos poderemos dar ao a ele,  o  que não tivemos, eu farei o possível e o impossível para que nada de mal virá acontecer a vocês.  

            E na madrugada, Santos, Joana, Ediléia e Miguel,  dormiam lá no incomparável silêncio do sertão. Tudo parecia bem, tudo estava bem, contudo, ali perto, mergulhado no silêncio escuro, a voz do mal dizia:

            - Aquela é a  casa  de  Santos.  Acendam  as  tochas,  pois  o  Coronel Augusto disse para matarmos todos sem piedade e em seguida queimarmos a casa.

            A maldita ordem do Coronel Augusto estava sendo executada sob o comando do perigoso e temido capaz chamado Jorge...

            - Ponham fogo em tudo...

            Os pistoleiros do Coronel Augusto começaram a atirar e a incendiar a casa de Santos. O clarão do  fogo  quebrou  a  barreira da escuridão, Ediléia se levantou e por entre as chamas foi até o quarto de  Santos e Joana, ver o que estava acontecendo por lá. E viu. Viu ali, Santos e Joana, dormindo como se já estivessem mortos ou arrebatados. Uma luz azulada cobria os seus corpos. Ediléia apanhou o menino Miguel e saiu correndo com ele em seus braços rumo a umas touceiras da banana que tinham nos fundos da casa. E aflita dizia ao menino Miguel:

            - Não chore querido, não chore, nada mal vai lhe acontecer, nada.

            Ediléia deixou o menino Miguel numa das touceiras de banana e saiu correndo. Naquele momento um dos pistoleiros do Coronel Augusto a agarrou e ali mesmo a violentou. Ediléia gritava ao ser estuprada por aquele maldito pistoleiro.

            - Não, não faça isso comigo...

            E aquele demônio sorria e dizia:

            - Calma gostosa, calma...

            Além de estupra-la ele cortava-lhe a sua garganta.

            - O que está fazendo cara.

            Relatou o capataz Jorge, atirando no pistoleiro e em Ediléia, falando em seguida:

            - Vamos amigos, está tudo acabado, vamos.

            E se foram. Foram rumo a fazenda do Coronel Augusto. Deixando ali em cinzas os sonhos de Santos, Joana e Ediléia, enterrados para sempre... Sonhos esses que eram o tudo para eles e que nada significava para um maldito Coronel...

             - Como foi lá Jorge?

             - Tudo bem Coronel, só perdemos um homem, ele foi se envolver com uma mulher que estava lá, e como não é permitido isso em nosso meio,  atirei nele e na mulher.

            - Fez bem, fez bem, pode ir dormir, antes me chame aqui, Marcelo e Eduardo.

            - Sim Coronel, com licença.

            O  capataz  Jorge  mandou os dois pistoleiros  apresentarem-se  ao Coronel Augusto...

            - Mandou nos chamar Coronel.

            - Sim Eduardo. Você e Marcelo vão à casa de Santos ver  que mulher era a que estava lá.

            Assim os pistoleiros seguiram o caminho com destino a casa de Santos, para cumprirem a ordem do Coronel Augusto.

            - Eduardo, vai seguindo alguém com destino a casa de Santos, quem será?

            - Deve ser algum viajante idiota.

            De modo que eles apertaram os seus cavalos e assim acompanharam  Luciano, o dedo de ouro, que ia montando em  seu  lindo  cavalo  por nome de campeão...

             - Bom dia amigos?

            - Bom dia Luciano, onde está indo assim, tão feliz?

            - Visitar a minha noiva, Ediléia. Ela está cuidando de Joana, que deve ter dado a luz a essas alturas. E vocês, trabalham para o Coronel Augusto? Como se chamam?

            - Por quê quer saber os nossos nomes?

            - Nada em especial, é que um dia eu matei um cara e não sabia o nome dele. Foi muito chato. Desse dia pra cá eu estou perguntando o nome das pessoas, porque vai que eu tenha que matar alguém. Já sabendo o seu nome, não ficarei triste. Pois já sei o nome do morto. Vocês devem saber que o meu apelido é dedo de ouro, tudo isso porque é muito difícil eu errar alguém.

             Luciano falava com aqueles malditos pistoleiros e ao sair numa reta que de lá já dava para avistar a casa de Santos, ele viu que uma fumaça branca avisava que alguma coisa errada estava acontecendo. Assim quando Luciano olhou novamente para os pistoleiros, teve que dar um salto mortal sobre o seu cavalo campeão, e ao mesmo tempo atirando nos dois malditos pistoleiros e dizendo:  

            - Mais uma vez, matando alguém sem saber como se chama, coisa chata, não queria fazer isso...

            Luciano deixou ali os malditos pistoleiros estendidos no chão. Depois foi para a casa de Santos, que nessa hora só restavam ali cinzas e os corpos carbonizados, e lá nos fundos da casa, o corpo de Ediléia estava próximo ao corpo de um pistoleiro.  Fazia  assim uma  cena  de algo muito triste para Luciano.

            - Ediléia! Eu vingarei a sua morte. A sua, a de Santos e Joana, eu vingarei...

             Luciano chorava apanhando o corpo da sua amada e levando-o para o pátio da fazenda. Lá o deixou. Buscou os corpos carbonizados de Santos e Joana e ali ele sepultou os três, um do lado do outro, regando assim as rasas covas com suas lágrimas. Depois disso, montou o seu cavalo e quando ia saindo, ouviu uma criança chorar...

            - Você está aí, então você nasceu? Como se chama?

            Luciano falava com Miguel, porém, ele não sabia que o seu nome provisório era Miguel, foi então que disse:

            - Vou te chamar de João Brito. Este é o seu nome. João  Brito.

            Luciano foi embora e quando chegou em sua casa, a sua mãe ao ver o João Brito, indagou:

            - Onde encontrou esta criança Luciano?

            - Estava na casa de Santos mãe, deve ser o filho dele.

            - Deve ser! O quê aconteceu a Santos?

            - Morto mãe, morto. Não só ele. Foram mortas também, Joana e Ediléia.

            - Ediléia! O quê ela fazia lá?

            - Estava ajudando no parto de Joana.

            - Meu Deus! O quê você irá dizer ao seu Aureliano, filho?

            - A verdade mãe, direi a verdade...

            - Vai ser muito difícil meu filho, isso vai!

            - Sei que vai minha mãe, sei que vai ser difícil. Não só para ele e como já está sendo para mim...

            - Eu vou cuidar de você João Brito, eu vou cuidar...

             - Ele não é filho de Ediléia, Luciano, e sim de Santos e Joana.

            - Eu sei mãe. Eu sei...

            A tristeza estava presente no coração de Luciano, pois ele tinha acabado de perder coisas muito valiosas para ele. Santos, Joana e o seu amor, Ediléia. Era muito duro para Luciano, muito duro. E com muito ódio dizia:

            - Desgraçado, eu vou acabar com você. Pode ter certeza disso. Eu vou acabar com você...

            - Acabar com quem Luciano?

            - Com o Coronel Augusto, mãe.

            - Então a coisa vai ficar feia.

            - Por quê vai ficar feia mãe?   

            - Você se lembra da luta do Coronel Augusto contra o Coronel Fonseca?

            - Sei mãe. E daí! Quê diferença faz?

            - Que diferença filho, você diz que diferença! Não se lembra que o seu pai morreu por causa das brigas dos Coronéis! Eles são assim Luciano, eles nunca param de matar, eles têm sede de matar.

            - Sei mãe, sei que nunca param de matar. Mas, a partir de hoje será diferente.  Eles  é que vão morrer.

            - Como filho, como você afirma isso! Você é um simples pistoleiro, como vai lutar contra um poderoso Coronel, pensa no que está dizendo.

            - Está certa mãe, eu sou apenas um pistoleiro, mas sou o melhor.

            - Seu pai também era filho, o melhor, o mais respeitado, no entanto, morreu, é muito difícil filho, é muito difícil lutar contra eles...

            - Ele morreu mãe, eu não, eu estou vivo, eu estou aqui, pronto para lutar. E é o que eu vou fazer, vou lutar, lutar até o fim...

             E a Dona Júlia, mãe de Luciano, aconselhava o seu filho a desistir. E com uma grande dose de pessimismo aportada em seu coração.

            - Coronel Augusto, Coronel Geraldo, e o Coronel Fonseca, forma um trio infernal, praticamente invencível.

            - Vamos mudar de assunto mãe. Porque eu não vou desistir da minha vingança, mesmo que chovesse canivete no sertão, eu jamais desistiria de minha vingança...

            - Tudo bem filho, vêm vindo Pedro e Maria. 

            Assim que Pedro e Maria chegaram e viram João Brito, Pedro foi logo dizendo:

            - Mais um inocente sem pai, mais uma obra dos malditos Coronéis, mais um túmulo cavado, mais lágrimas de dor, essas desgraças nunca vão parar de matar, essas desgraças parecem que  têm sede de matar. Quando será que vai  aparecer  alguém  para  dar um basta nisso, quando será, quando!

            A indignação de Pedro era grande, parecia que já vivia por fora do seu ser, parecia que era a roupa que ele vestia ou o ar que ele respirava.

            - Pode ficar com ele Pedro, quem sabe aí está o que irá dar o basta, cuide dele Pedro, pode ser o seu filho, adote-o. Faça que ele seja o seu desejo, o seu vingador...

            Luciano falou aquilo para Pedro e Maria, enquanto Júlia falava:

            - É filho de Santos, Maria...

            - E o quê aconteceu a Santos?

            - Foi morto pelos homens do Coronel Augusto - informou Luciano.

            - Monstros, quando será o fim desses monstros, quando será...

            Maria gritava pegando João Brito no colo e dizendo:

            - Vou cuidar de você, vou cuidar...

             - Eu vou acabar com eles Maria. Eu vou acabar com os Coronéis...

            Luciano parecia estar nas nuvens, pasmo no tempo e sem saber o que ia dizer ao seu Aureliano, quanto à morte de  Ediléia...

            - Mais alguma coisa Luciano?

            - Sim Maria, morreu todos na casa de Santos, e o pior é que morreu também Ediléia...

            Maria aproximou-se de Luciano relatando:

            - Vai ser muito difícil para o seu Aureliano, coitado, perder uma filha tão nova e bonita...

            - E o que ela estava fazendo lá? - Indagou Pedro.

            - Meu namoro com ela, Pedro.

            - Namoro Luciano, isso é que é namoro. Acabou levando a coitada pra morte. Grande esse namoro Luciano, grande...

            Pedro falava num tom de revolta...

            - Não posso ter namorada Pedro?

            - Pode Luciano, é claro que pode.

            Luciano olhou para João Brito e sentindo-se culpado de tudo relatou:

            - Pode deixar filho, eu vou vingar a morte  do seu pai e da sua mãe...

            - Que vingar que nada Luciano. Você nem mesmo vingou a morte do seu pai e vai vingar a morte de Santos, Joana e Ediléia, que nem são seus parentes, conta outra Luciano, conta outra...

            - Vou Pedro, eu prometo também a você, eu vou vingar...

            - Ele vai vingar Pedro, ele vai vingar - relatou Maria com ar de desconfiança.

            - Será quê não dá pra acreditar em Luciano?

            - Não Dona Júlia, não dá - afirmou Pedro.

            - Não entendo porque o Coronel Augusto mandou matar Santos...

            - Fácil Luciano, só para roubar as terras dele, não é assim que fazem os poderosos Coronéis! Matam os fracos e roubam o que eles têm e fica por isso mesmo, e depois sai por aí dizendo que são ricos. É assim que essas desgraças fazem, sempre foi assim, e deve continuar assim para sempre!  - exclamou Maria com muita revolta.

            - É Maria, é isso Maria - relatou Luciano olhando ternamente nos olhos de Maria.

            Luciano gostava muito de Maria, pois era a sua única irmã que tinha sobrevivido na tragédia do dia que o Coronel Geraldo matou o seu pai e as suas três irmãs. Pois naquele dia ele teve que levar a dor da derrota, e sua irmã desacordada em seus braços...

            - Não consigo esquecer, não consigo...

            - Calma Luciano, calma meu filho, você tem que ter calma - relatou à senhora Júlia olhando com muita tristeza nos olhos do filho e dizendo:

            - Você é um campeão filho, você vai vencer...

            - É fácil dizer mãe, mas vejo a estrada se fechando em minha   frente como se fosse chegada a  hora,  sei  lá que  hora,  que  hora  é essa.

            - Eu também quero entrar nessa briga Luciano - relatou Pedro.

            E Luciano exclamou dizendo:

            - Se  o   Coronel  Augusto  acha  que  ganhou  essa  ele  está muito enganando, vou mostrar aquele velho safado o quanto é rápido o meu dedo, eu sou o dedo de ouro.

            - Eles são muitos Luciano, eles são muitos - relatou Maria.

            - Isso não importa Maria, não importa em nada, ele vai morrer, pois vou vingar a morte da minha querida Ediléia e do meu amigo Santos com a sua esposa Joana. Ele vai morrer Maria, ele vai morrer...

            - Vejo que você Luciano, não vai lutar só por vingança e sim por amor.

            - Por quê diz isso Pedro? - indagou Maria

            - Sim Maria, ninguém lutaria com um Coronel tão perverso se não fosse  por amor, não, não lutaria.

            - O quê Pedro quer dizer com isso Luciano? - indagou Maria.

            - O que quero dizer Maria, é que Luciano vai lutar por amor a Ediléia.

            - Tudo bem Pedro, pode ser por amor a ela, mas na verdade eu quero vingar a morte de todos.

            Luciano olhou para um velho clavinote que estava na parede e apanhando-o em suas mãos falou:

            - Está enferrujado. Sei que meu pai morreu lutando. Eu vivo lutando. Será que quando eu tiver um filho e quando ele crescer vai ter quê lutar também?

            - Vai meu filho. Seu avô também lutou...

            - Pedro, você me ajuda?

            - Eu Luciano. Está pensando que sou um louco? Acha que vou lutar contra um Coronel! Um homem que carrega tamanha crueldade. Eu não posso. Não posso Luciano...

            - Está bem Pedro. A briga é minha.  O problema é meu. Só meu.

            Desta forma Luciano resolveu ir à casa do seu Aureliano, levar-lhe a terrível notícia...

            - Mãe, cuide bem de João Brito. Não deixe o coitado desamparado. Eu vou à casa do seu Aureliano. Nem sei o que irei dizer a ele.

            - Quando você chegar lá meu filho,  irá encontrar forças para contar o que aconteceu.

            - Espero que sim mãe. Eu espero...

            E Luciano chorava caminho afora por saudades da sua linda Ediléia. Até comentava com o seu cavalo campeão:

            - Como vai ser campeão. Como vai ser para viver sem ela!

            O sol já se escondia nos altos das montanhas. O véu de penumbra cobria a terra. As lagartas de fogo e os vaga-lumes brincavam pela floresta fazendo daquele lugar um passo de mágica.   E Luciano continuava a falar com o seu cavalo:

             - Parece que a noite vai ser muito escura campeão.

            O cavalo com o seu andado faceiro não perdia tempo pelo caminho. Até que logo Luciano chamou:

            - Oi de casa?

            E lá dentro da velha casa do seu Aureliano estava alguém  que logo ascendeu um candeeiro e a claridade se projetou na escuridão.

            - Quem será velho.

            - Não sei Naninha. Eu vou ver quem é!

             - Tome cuidado velho.

            O seu Aureliano  abriu a porta da casa e gritou:

            - Tem alguém aí?

             - Sou eu seu Aureliano!

            - Luciano. O que faz aqui há essa hora filho? Entre pra cá.

            Luciano entrou na casa do seu Aureliano e se assentou num velho tamborete e falou:

            - Está tudo bem aqui seu Aureliano?

            - Tudo bem Luciano. O que está acontecendo com você?

            - Aconteceu uma desgraça seu Aureliano...

             - Que tipo de desgraça.

            - Ediléia morreu. O bando do Coronel Augusto acabou  com  tudo.  Colocaram  fogo  na casa de Santos e matou todos que estavam lá.  Parece que Ediléia tentou fugir, no entanto foi violentada por um pistoleiro que a estuprou e depois a estrangulou.

            - E quanto a Joana. Teve a criança?

            - Sim. O encontrei numa touceira de banana.  Estava chorando. Até parecia que queria me dizer alguma coisa.

            Seu Aureliano com ar de tristeza relatou:

             - Deve ter sido ela que o salvou. Ela sempre foi esperta...

            E dava para ver as suas lágrimas caindo na face.  Triste olhava para o retrato de Ediléia na parede, a última lembrança que lhe restou  do   sorriso   da   sua  querida  filha.   E  Luciano  coberto  de tristeza olhando para o retrato de Ediléia falou:

            -  Deve ter sido ela mesma...

            -  É, foi ela mesma  relatou à senhora Ana dizendo:

            - E o que vai fazer agora Luciano?

            - A sua filha eu não posso trazê-la de volta senhora Ana. No entanto uma coisa eu prometo. Vou vingar a morte dela.

            - Nada disso vai suprir a minha dor Luciano...

            - Calma papai  relatou Carolina tentando acalmar o pai dizendo:

             - A vida é assim, ela sempre nos traz surpresas.

            A senhora Ana chorava enquanto olhava o retrato da filha.  E triste ela disse:

            -  Só sobrou o seu retrato minha querida. Tão nova e bonita. Quanta dor meu amor. Quanta dor...

            - Não fique assim mamãe. Ela não gostaria de nos ver assim. Chorando. Ela sempre foi alegre e feliz. Não vamos chorar.

            Luciano, no entanto disse:

            - Deixe-a chorar Carolina. Era a filha dela. Deixe-a chorar. Chore senhora. Pode chorar o quanto desejar. Contudo conforta a sua alma por que eu vou vingar a morte dela.

            - Como vai Luciano?

            - Tudo bem José. No mais é isso aí que você está vendo.

            -   Não fique triste Luciano.  A  vida é assim.   Só morre  quem  está vivo.

            Entendo José. Porém só não concordo por ter acontecido com a nossa Ediléia. Poderia ser uma outra pessoa... Logo ela.

            - Não sei porque Carolina. Sabe minha irmã. Todos somos iguais...

            Todos têm o maldito momento.

            -  Eu sei José. No entanto, eu estou triste é pelo fato de Ediléia ter morrido de uma forma tão cruel.  Tão sem justificativa. Tem tantas pessoas más que recebem uma morte menos cruel...

            - Não acho. Pois se foi um Coronel que mandou matá-los.  Eles sempre fazem isso. Sempre foi assim. Os Coronéis... Eles sempre fizeram o que bem desejaram. E como não tem ninguém para dar um basta. Eles vão continuar a fazerem as suas maldades.

            - E o que você acha que devemos fazer José?

            - A filha era sua papai. O senhor é que deve saber o que fazer.

            - Ele perdeu a filha e eu perdi um amor José. No entanto se for preciso eu lutarei a minha vida inteira para vingar a morte dela.

            -  Isso não vai trazer a minha irmã de volta Luciano.

            - Estou ciente disso José. Eu sei. Contudo você se sentirá mais aliviado quando souber que todos tiveram o fim que mereceram.

            - E quando pretende fazer esse serviço?  Já que está só. Porque não já foi?

            Luciano com muito ódio disse:

            -  Coronel Augusto. Cada letra do nome de  Ediléia  será uma  bala na sua cabeça.

            - Se você precisar de minha ajuda Luciano. Estarei aqui.

            - Obrigado Carolina.

            Luciano agradeceu Carolina ternamente, olhando  para o seu singelo corpo que se escondia naquele vestido de chita. Carolina na verdade era um pouco mais bonita do que Ediléia. Mais nova, e parecia ser um pouco mais inteligente. Era tudo que um homem pudesse desejar...  

            - Pode contar comigo também Luciano.

             - Eu sei seu Aureliano. Eu sei...

            - Comigo nem é preciso perguntar. Nunca irei lutar contra Coronéis. Eu não sou louco. Seria um suicídio. É como se uma formiga fosse enfrentar um elefante.

            -  Tudo bem José. Você não é obrigado a lutar contra Coronéis. Pode viver a sua vida. Vida sem sentido. Contudo é a sua vida.

            - Sinto muito Luciano. No entanto não vou lutar.

            - Já é muito tarde gente. Acho melhor irmos dormir. José. Solte o cavalo de Luciano no pasto.

            E já no dia seguinte, Luciano acordou com o som do berrante de José que arrebanhava o gado.   

             -  Bom dia Carolina.

            - Bom dia Luciano. Como passou a noite?

             - Bem Carolina. Não tem mesmo um outro jeito...

            - Não fique triste Luciano. Às vezes as coisas acontecem de um lado para acontecer outras coisas do outro lado.

             - O que está querendo dizer com isso Carolina?

            - Sei lá Luciano.  Às vezes eu falo coisas que nem sei porque falo.

            - Eu também não posso entender nada Carolina. Desde

aquele momento que vi o corpo de Ediléia estirado no chão com as marcas da violência. O mundo mudou para mim. Sinto uma interminável dor dentro do meu coração que me faz sentir culpado por tudo que aconteceu a ela.

            - Não deve ser assim Luciano. Ninguém é culpado por nada. Tudo acontece na hora que ninguém espera.

            Luciano trocava palavras com Carolina lá na sala da casa do seu Aureliano, enquanto lavava o seu rosto.  E pouco tempo depois numa outra sala, todos se assentaram à mesa para tomar café...

            - Ediléia gostava de se assentar onde você está Luciano.

            - E de conversar nas oras das refeições. Não era mamãe?

            - Sim Carolina. Ele sempre dizia que gostaria de ter muitos filhos para que comessem ao seu redor.

            - Todos nós temos na verdade as nossas vontades. E lá escondida no tempo em forma de uma bolha de sabão, vem à morte e nos leva sem mesmo nos dar uma chance.

            - É Luciano. É isso que nos coloca no ponto de nos prevenir por certas coisas.

            - Que coisas José?

             - Coisas Pai. Coisas. Coisas que nem sei que coisas são.

            - Que mundo. Tantas coisas horríveis. Sinto que todos nós vamos ficar loucos.

            - Não vai dar tempo senhora Ana. Os Coronéis acabam com tudo.

            - Não é sempre assim não Luciano.  Eu sinto que as coisas estão mudando.

             - Concordo com você Carolina.  Contudo não como...

            - Vamos ficar aqui falando de filosofia sem chegar a nada!

            - Chegar a que José?

            - Solucionar esses problemas Luciano.

             - Não estou entendendo José. Você mesmo disse que não vai lutar!

            - Sim, eu falei. Porém  não  vou  ficar de  mãos abanando  sem  fazer nada. Quero ajudar nos planos para o combate aos Coronéis idiotas.

            - Ah! Sim José. Estou entendendo e desde já posso lhe dar os parabéns pela iniciativa. Inclusive eu tenho um plano.

            - Eu posso saber Luciano?

            - Sim José. Gostaria de colocar os Coronéis uns contra os outros.

            - Bom Luciano. Porém é um pouco difícil.

            - Como difícil seu Aureliano.

            - Os Coronéis são espertos. Podem notar alguma coisa e aí a coisa fica mais difícil de se lidar.

            -  Posso atacar um bando de um Coronel e dizer que foi o outro.

            - Parece um bom plano de Luciano - relatou Carolina.

            - Não sei não. Você fará o primeiro ataque Luciano?

            - Sim José. Farei isso como início da

minha vingança.

            Luciano falou aquilo olhando com firmeza nos olhos de Carolina.

             - E aonde irá encontrá-los?

            - Perto do Ramalho e Coronel Augusto mantém um grupo de pistoleiros no garimpo pó preto.

            - Você ira sozinho Luciano? - indagou Carolina.

            - Sim Carolina. Eu e Deus.

            - Gostaria de ir com você!

            - Ainda não Carolina. Quem sabe uma outra ocasião...

            - Sendo assim Luciano. O que desejamos é toda sorte a você.

            - E vou precisar mesmo seu Aureliano. Vou precisar de muita sorte. 

            - Se precisar de alguma coisa estou aqui Luciano.

            - Obrigado pela força José.

            Luciano se despediu de todos e se foi com o seu cavalo campeão. O seu amigo de batalha...

            - Vamos dar uma passada na região do Coronel Geraldo, campeão.

            De modo que logo que Luciano entrou nas terras do Coronel Geraldo, avistou lá em baixo da montanha um grupo de pistoleiros que seguiam pela estrada, levando um carregamento de ouro.

            - Estão levando ouro para o patrão campeão. Vamos dar uma surpresa a eles.

            E assim Luciano atacou os pistoleiros do Coronel Geraldo. Matou um por um, e roubou o ouro deles, deixando um bilhete para o Coronel Geraldo.

            - Luciano vem vindo mãe  relatou Maria

             - O que será que ele resolveu filha?

            - Só pode ser algo de bom. Ele vem até assoviando!

            - Isso não é nada Pedro. Às vezes atrás de um sorriso se esconde algo muito terrível - relatou Maria.

            -  Pedro, venha cá. Ajude-me...

            Pedro foi ajudar Luciano e disse:

            - O que tem aqui Luciano?

            - Ouro Pedro, muito ouro.

            - Onde encontrou tanto ouro?

            -  Tomei dos pistoleiros do Coronel Geraldo.

            -  Tomou ou assaltou os pistoleiros?

            -  Sei lá Pedro. Tomar, roubar, assaltar, o que importa.

            Pedro perdido diante de tanto ouro falou:

            - Tanto ouro. Se não fosse produto de furto, estaríamos ricos.

            - Onde encontrou esse ouro Luciano. O seu pai nunca roubou de ninguém.

            - Eu também não mãe. Só que depois que vi o corpo de Ediléia caído lá do lado daquele maldito que a violentou, já não sei o que é certo ou errado. Só depois que eu vingar a morte dela vou parar para pensar.

            -  E depois Luciano. Você pode se acostumar a roubar. Aí se tornará em um verdadeiro ladrão.

            -  Não é a minha intenção mãe. Só quero vencer os Coronéis.

            -  Como irá vence-los Luciano?  indagou Maria.

            -  Procurar ser inteligente minha irmã. Colocando uns contra os outros.

            Depois que Luciano colocou o seu cavalo no pasto, voltou para casa e disse para dona Júlia.

            -  Mãe. Pode ficar tranqüila, vai dar tudo certo.

            - Não sei Luciano. Tenho muito medo. Quando vejo a lua cheia  sendo  encoberta  pelas finas nuvens tocadas lentamente pelo vento. O uivo dos lobos e o estridor dos morcegos na escuridão, o meu corpo arrepia e me faz lembrar de coisas terríveis que aconteceram no passado quando o Coronel Geraldo matou o meu João Brito.

            -  O pior é que o pai morreu inocente, não foi mãe?

            -  Foi filho. Ele não tinha nada a ver com a grande confusão.

            Luciano ajudava a sua mãe a recordar da tragédia que lhe fez

perder o seu marido. E via na sua face os frios fios de lágrimas que desciam em seu rosto.

            - Quanto sofri meu filho. Quanto sofri e ainda sofro.

            - Sei que estou com sede mãe. Sede de matar estes malditos Coronéis. Eu vingarei a morte dele mãe. Pode deixar comigo. Eu vingarei querida...

            -  Você chegou e nem foi ver o menino filho.

            Luciano entrou no quarto e ali falou com menino João Brito:

            - E do seu pai também querido.

            Pedro sentia que Luciano estava mudado depois da morte de Ediléia. Notava que o ódio estava verdadeiramente residindo no seu coração, no semblante, no sorriso, no olhar e na alma de Luciano.  

            - Luciano o meu desejo é que você cumpra o seu intento.

            - Obrigado Pedro. Eu vou consegui. É tudo que eu quero. Quero vingar as mortes deles.

            Maria abraçou Luciano e disse:

            - Tome muito cuidado meu irmão!

            A senhora Júlia, no entanto não falava nada. Estava mergulhada no passado talvez relembrando dos seus momentos de alegria que tinha vivido com o velho João Brito antes de ter sido morto.

            - Amanhã eu vou fazer uma visitinha ao Coronel Fonseca.

            O silêncio recebeu as palavras de Luciano. E já no dia seguinte ele selava o seu cavalo campeão dizendo:

             - Pedro. Cuida de tudo que eu vou a busca do meu intento.

             - Vai com Deus amigo.

            Luciano levava consigo um velho clavinote com um cinto de balas, dois lindos revólveres e um punhal de prata em cada  cano  das  suas botas, um grande chapéu de maça na cabeça e uma jaqueta de couro de onça. Algum tempo depois...

            - Os homens do Coronel Fonseca estão tocando uma boiada, campeão. Essa é a nossa vez.

            Luciano se escondeu na poeira que fazia o gado e se misturou com os pistoleiros do Coronel Fonseca...

            - De quem é esta boiada, amigo?

             - Do Coronel Fonseca. E você? Quem é você?

            Luciano com um sorriso estranho falou:

            - Sou um homem que tenho sede de matar.

            E naquele momento atirou um punhal no peito do pistoleiro dizendo:

            - Não vai ser muito difícil campeão.

            Assim, algum tempo depois, Luciano já estava ao lado do pistoleiro que puxava a guia da boiada e disse para ele:

             - Para onde está levando esta boiada?

            - Para a invernada do Coronel Fonseca.

            - Sinto mudar os seus planos amigo.

            Relatou Luciano atirando para o alto e fez com que a boiada estourasse. Com isso ela arrasava tudo que ia encontrando pela frente.

            - Veja o que fez pistoleiro idiota! -    Gritou o homem desesperado.

            - Isso é ódio amigo. Eu tenho muito ódio.

            - Que tipo de ódio?  indagou o pistoleiro sacando a sua arma.

            Luciano, no entanto atirou nos dois braços do homem e disse:

            - Diz para o Coronel Fonseca que você foi atacado por um pistoleiro do Coronel Augusto.

            - E qual é o seu nome.

            - Diz pra ele que eu não tenho nome. Diz que eu tenho sede de matar.

            Depois que o pistoleiro baleado foi avisar o Coronel Fonseca. Luciano continuou com as suas idéias...

            - Vamos dar uma olhada no acampamento do Coronel Augusto campeão. Hoje temos muito que fazer.

            E já era noite quando Luciano chegou no acampamento do Coronel Augusto...

            - É campeão, sob a luz do luar, o homem do Coronel Augusto estão dormindo. Esta noite vamos nos divertir um pouco.

            Luciano deixou o campeão no mato e se escondeu na escuridão. E na noite escura ele cortou as gargantas de muitos pistoleiros do Coronel Augusto enquanto dormiam...

            - Mãe, eu vou para casa do seu Aureliano. Estou com saudades de Carolina.

            - Será que eu ouvi direito Luciano?

            - Sim Mãe, ouviu. Ediléia morreu.

            No entanto eu estou vivo. Carolina é um pouco mais bonita do que ela. É irmã. Nada melhor do que continuar na família. Vou pedir a mão dela em casamento ao seu Aureliano.

            - Não seria melhor você esperar um pouco mais Luciano? Não acha que está a muito pouco tempo da morte da irmã dela  - relatou Pedro.

             - É Pedro, você está coberto de razão.

            - Mesmo assim você vai Luciano? Não pensou em fazer isso depois da vingança?

             - Não Pedro. Eu não posso perder tempo. Cuida de tudo que não sei que dia voltarei.

            - Luciano vem vindo mãe. Será que veio trazer alguma notícia boa?

            - Não filha. Por onde ele anda a morte anda com ele.

             - Só pode mãe. Um pistoleiro vive da morte e não da vida.

            - Olá pessoal. Como vão?

            - Bem Luciano. Entre.

            - Carolina, eu estava com muita saudade de você!

            -  Eu também Luciano. Senti a sua falta. Como foi lá?

            Dona Ana deixou os dois sozinhos e foi para dentro da casa, pois seu maior sonho era ver a sua filha casada.

            - E o seu pai?

             - Foi para roça com José. E aí. Quais são as novidades?

            De modo que Luciano contou a Carolina o que tinha acontecido...

            - Foi um barato Luciano. A essas alturas os Coronéis já estão se enfrentando.

            Algum tempo depois seu Aureliano chegou com José. Logo Luciano se pronunciou:

            - Seu Aureliano, trouxe um presente para o senhor.

            - Um presente Luciano. Quanto tempo não ganho um presente! Acho mesmo que nunca ganhei um presente.

            De maneira que Luciano deu um grande saco de ouro para o seu Aureliano.

            - Ouro Luciano, eu não mereço tanto ouro.

            - Merece seu Aureliano. Isso é para o senhor comprar mais algumas vacas. Quero ver a sua fazenda lotada de muitas vacas. Sabe seu Aureliano, eu não sei como agradecer ao senhor por tanta bondade.

            - Que bondade Luciano. Não estou

entendendo!

            - A morte de Ediléia. O senhor se lembra que me deu a mão dela. Eu a perdi seu Aureliano. O senhor compreendeu a minha dor.

            - Não fique aborrecido Luciano. Essas coisas não são coisas que estão em nosso alcance...

             - De onde veio esse ouro Luciano?

            - Dos pistoleiros do Coronel Geraldo, José.

            E depois que Luciano contou o que tinha feito, José relatou:

            - Pode ter certeza que os Coronéis estão preparando para atacar uns aos outros...

             - Deve estar com certeza José.

            - Isso não vai ficar assim.

            - Como José. Não entendi!

            - Os Coronéis vão dar primeiro uma vasculhada na região. E só aí, se não encontrarem nada, é que vão declarar guerra uns contra os outros.

             - Isso eu não tinha pensado José  relatou Luciano meio triste.

            A noite se aproximava. Luciano conversando com  o  pessoal  e, no entanto não tinha pedido a mão de Carolina ao seu Aureliano. Só depois do jantar, todos estavam assentados no grande alpendre da casa e contavam histórias.

            - Sabe seu Aureliano. Eu vou aproveitar o momento para pedir ao senhor a mão de Carolina em casamento. 

            Houve um momento de apreensão e seu Aureliano disse:

            - Não vejo por onde dizer não Luciano. Eu tenho a minha filha para se casar. E sendo você o candidato eu estou de acordo. E você Ana. O que tem a dizer?

            - Como você mesmo disse. Tenho a minha filha para se casar...

            - E quanto a você José?

            - Se Luciano quer se casar vamos em frente.

             - Quanto a você filha?

            - Se Ediléia se foi papai. Eu estou aqui. Já falei isso com Luciano.

            - Podemos marcar o casamento Luciano?

            - No dia que o senhor desejar seu Aureliano.

            - Está disposto assim Luciano. Como vai se arranjar para se casar.

            - Hoje eu tenho muito ouro. Posso me casar a qualquer hora.

            José entrou para na casa como se não tivesse gostado do que Luciano falou...

             - Sinto que está triste José. Não gostou da novidade?

             - Não é isso minha irmã. Estou preocupado como é a vida. Luciano por exemplo, está esbanjando dinheiro. Há poucos dias atrás não tinha nada. Hoje está aí com todo poder. Coberto de riquezas. De ouro... Quanto a mim. Coitado de mim. Nada, nada a não ser algumas vaquinhas magras.

            - Calma meu irmão. Vai chegar o dia que você vai ter muito ouro. Você vai ver.

            - Não sei não Carolina. Esse negócio de ouro é muito estranho.

            Enquanto que José se preocupava com o ouro de Luciano. Esse por outro lado estava muito feliz. E fazia os planos para o casamento.

            - Vamos dormir. A noite está muito linda  ordenou à senhora Ana.

            Assim todos foram dormir. Luciano, porém parecia estar mais feliz do que os outros. Pois estava perto de conhecer uma mulher. Que até antão nem sabia o gosto que tinha. E Já no dia seguinte:

            - Os porcos estão roncando Aureliano. Devem estar com fome.

            - Vamos dar milho a eles, Ana.

            O casal de velhos saiu para o chiqueiro e seu Aureliano gritou:

            - Nego, nego, nego...

            Os porcos atendiam o chamado do seu Aureliano que lhes jogava as grandes espigas de milho que fazia  o  chão  do  chiqueiro  parecer um lençol dourado.

             - José! vai tirar o leite.

            - Sim papai.

            - Mamãe, eu vou buscar água na fonte.

            - Sim filha, pode ir. Vou preparar o café.

            Luciano ainda deitado ouvia cada expressão se sentindo como um príncipe que estava no palácio de um rei. Já depois do café, Luciano relatou:

            - Preciso ir. Vou passar os meus últimos dias de solteiro com a minha mãe.

            - Vai mesmo Luciano. Fica perto dela. Até hoje sinto saudades dos meus pais que foram tão novos. Aquele maldito Coronel Fonseca os tirou de mim. Que vontade tenho de vingar as mortes deles!

            -  Eu vingarei para a senhora. Pode contar com isso.

            -  É Luciano, você está vingando a morte de tanta gente! - exclamou José com desprezo.

            - É José. Espero que eu não tenha de vingar a sua.

            - Ou eu a sua  - retrucou José.

            - Acho melhor mudarmos de assunto  sugeriu o senhor Aureliano.

             -  Já estou de saída seu Aureliano. Faça bom proveito do seu ouro.

             - Pode deixar que farei Luciano.

             Luciano saiu estrada afora, levando consigo o lindo e meigo olhar de Carolina que de certa forma o seu pensamento era realizar logo o casamento e poder ser feliz com ela.

            Depois dos turbilhões de sonhos e muitas curvas pelo caminho, Luciano chegou em sua casa.

            - Mãe! Não imagina o quanto estou feliz!

            - O que lhe fez ficar assim filho?

            - Só pode ser Carolina, Mãe -  interrompeu Maria.

            - Maria acertou mãe. É a minha linda Carolina. O seu Aureliano aceitou o meu pedido de casamento.

             - Também com tanto ouro...

            - Não foi pelo ouro Pedro. E sim pela minha pessoa.

            - Será que não foi pelas duas coisas, Luciano?  -  indagou Maria.

            - Não sei. Só sei que estou noivo da linda e meiga Carolina. Sei que logo estarei casado com a mais linda mulher desta região.

            Pedro parecia ter inveja de Luciano. Pois meio triste relatou:

            - A mais linda da região!

            - Isso Pedro. Carolina é a mais linda de todas as moças região da serra do ramalho  Afirmou à senhora Júlia.

            - Não vejo tanta beleza nela assim.

            - Se você não vê minha irmã eu, no entanto vejo e conformo como se eu fosse o dono de uma coisa que dinheiro não compra. Ela é sim, o meu amor.

            Luciano parecia se perder num mundo de fantasia que estava em sua mente e assim embriagava o seu coração.

            - O que pretende fazer com João Brito, Luciano?

            - Eu não o dei para você Maria. Ele é seu e de Pedro. É o filho que vocês não tiveram.

            - Sei Luciano. Contudo sei que depois que você se casar com Carolina pode cuidar do João Brito.

            - De certa forma à senhora tem razão Mãe. Porém eu disse que ele é de Maria e Pedro. Está dito.

            Pedro olhava para Maria com ar de tristeza. Contudo se lembrava por ocasião da morte do seu João Brito, que lhe disse:

             - Pedro se você tiver um filho com Maria, ponha o meu nome nele.

            O certo é que Pedro prometeu. Mas o destino cruel não deixou    Pedro cumprir o que prometera ao sogro. Pois Maria nunca conseguiu dar a luz a ninguém.

            - Está pensativo Pedro?

            - É o passado Luciano. Ele está me chamando.

            - Meu pai pediu para por o nome dele em seu filho?

            - Isso Luciano. Estou me lembrando disso.

            - Já que o destino trouxe o órfão em suas mãos Pedro. O que eu tenho a dizer é que vocês devem adotá-lo, já que a filha do meu pai não pôde lhe dar um filho.

             - Qual a sua opinião mãe? - indagou Maria com muita tristeza.

            - Devo dizer que Luciano tem razão filha. Adote o menino. Luciano já deu o nome do seu pai a ele mesmo.

            - Quero dizer que não fiz de propósito Maria. Achei que o nome lhe assentaria. Uma vez que não sei que nome deram a ele.

             - Vamos ficar com ele, não é Pedro?  indagou Maria.

            - Será um grande prazer tê-lo conosco Maria.

            - No dia do meu casamento o levaremos, assim faremos o seu batizado.

            Naquele momento João Britou chorou lá na rede onde estava querendo dizer que estava tudo acertado.

            - Venha meu filho. Não fique triste, porque agora você tem mamãe e papai. Venha meu João Brito  falou Maria com  carinho.

            Os dias se passaram. Com o ouro Luciano comprou muito gado e também construiu uma grande casa ao lado da casa da sua mãe. Para ali, morar com a sua linda Carolina, depois do casamento.

            - Luciano? Por que não faz uma casa para mim e Maria?

             - Não Pedro. Mãe gostaria de que vocês ficassem com ela. O pai já não existe mesmo, assim vocês lhe fazem companhia.

            - É que eu nunca tive uma casa. E agora com o ouro que você me deu eu gostaria de fazer a minha própria casa para que eu pudesse dizer. Esta é a minha casa...

            - Deixe-o fazer a casa dele Luciano - relatou à senhora Júlia.

            - Está bem Pedro. Pode construir a sua casa.

            De modo que Pedro construiu uma linda casa ao lado da casa da sogra. E já depois de pronta, Pedro relatou:

            - Só mudaremos depois do casamento de Luciano, Maria. Pois sinto que vamos nos casar novamente.

            - Sinto pena da minha mãe, amor. Ela vai ficar tão só.

            - Não. Cada dia ela pode ficar na casa de um - relatou Luciano.

            - Não é preciso ficar preocupados comigo, eu não vou durar muito tempo mesmo. Breve estarei de partida. Assim vocês estarão livres desse fardo chamado Júlia. Com isso vocês podem cuidar dos seus filhos e não terão uma velha para atrapalhar.

            - A senhora está triste mãe. Não fique assim. Não vamos lhe abandonar.

            - Sei que não Luciano. Eu é que vou abandoná-los.

            - Pra que ficar chamando a morte mãe. Temos tudo para vivermos felizes.

             A senhora Júlia chorava a abraçava Luciano.

            - À noite de luar virá depois desta linda tarde de sol mãe. Vou aproveitar para fazer uma surpresa à Carolina.

            - O que vai fazer meu filho?

             - Uma serenata mãe. Ela vai adorar.

            - E com que vai tocar?

            -  Com o velho violão do meu pai.

            - Ele deve estar sem cordas filho -  relatou à senhora Júlia demonstrando muita saudade do seu velho  João Brito.

            -  Não mãe. Ele está bom de cordas. Ele está bom...

            Luciano apanhou o velho violão e  assentou-se no mourão da porteira do curral e começou tocar e cantar uma  linda  música  que parecia ser de improviso.

            - Construí para meu bem  Num pedacinho de chão  Uma casa pequenina  Em forma de um coração -  Sei que vamos ser felizes  Com alegria e muito amor  Pois o meu maior desejo  É sentir o seu calor.  Ver os pássaros voarem  Nas manhãs da primavera  Ouvir meu bem me chamar  Debruçada na janela. Assim eu serei feliz  Vou lutar por a razão  Vou defender os mais fracos  Vou ser dono do sertão.

            - Que lindo Luciano. Eu não sabia que você era cantor!

            - E não sou minha irmã. Só estou muito feliz.

            - É Luciano. O amor é a principal coisa da vida. E ainda mais quando a gente ama de verdade  - relatou Pedro.

            -  E existe o amor que não seja verdadeiro Luciano?

            -  Existe Maria. Aquele amor por interesse, por dinheiro, por vingança...

            - Se vai ver a Carolina Luciano. Pode pegar o caminho. Veja que está ficando tarde.

             -  Sim mamãe. Daqui a pouco estarei de partida.

            Luciano cantou mais uma música e se foi...

            - Campeão. Ouça como os lobos estão uivando.

            E  nos  picos   das   montanhas   parecia   esconder   mistérios   que estavam longe do raciocínio de Luciano.

            - Já é madrugada campeão. Todos devem estar dormindo.

            De modo que ao chegar na casa de Carolina, Luciano começou a tocar e cantar:

            - Vejo as estrelas no céu, no céu. Elas brilham para mim, para mim meu bem  Parece o seu olhar querida, querida  Que tanto me faz sofrer sem ti, sem ti meu bem -  Acorde e venha ver, venha ver  Que lindo é o luar, o luar, meu bem...

            Já quase no amanhecer, Luciano cantava para Carolina. Essa por sua vez abriu a janela do seu quarto e depois foi ao encontro de Luciano.

            - Nunca fizeram serenata na minha casa Luciano. Fico muito feliz com isso  relatou o seu Aureliano.

            - Já que vou ser o seu genro seu Aureliano, gostaria de dizer que me sinto como se fosse um filho. Sei que não tenho pai. Porém vejo o senhor como um pai.

             - Não sabia que você tocava violão Luciano  relatou José.

            - Toco José. Contudo não sou assim tão bom.

            Carolina aproximou-se de Luciano e falou:

            - Obrigada pela surpresa Luciano. Fiquei muito feliz.

            - E quanto a mim Luciano. O que acha que senti?  indagou a senhora Ana.

            - Sinto que a senhora ficou preocupada com alguma coisa no passado.

             - Ainda sinto como se fosse hoje Luciano. Se lembra Aureliano?

            - O que passou, passou Ana. Não volta mais. Nunca mais...

            - Conte pra a gente pai. Conte -  pediu Carolina.

            - Tudo bem. Eu vou contar... Tudo começou quando eu e minha mãe resolvemos sair daquele lugar infernal onde vivíamos. Eu era filho único. O meu pai tinha abandonado a minha mãe por causa de uma cigana que leu a sua mão e um tal de José Manteiga encarnou na minha mãe. Não saia de lá de casa. Com isso o povo começou falar dela. Para resolver esta questão eu matei o tal de José Manteiga e sai de lá com a minha mãe.

             -  Assim veio pra cá?  interrompeu Carolina.

            -  Primeiro quando chegamos a margem do rio São Francisco. Íamos atravessar para Carinhanha, porém resolvi parar numa barraca de uma senhora chamada Josina. Costume da minha mãe que sempre gostou de fazer amizade com quem quer que seja. Foi logo puxando papo.

            -  Ali encontrou com a minha mãe?

            - Não José. Ainda não foi essa hora... A senhora Josina nos deu um endereço de uma tal de Lagoa Comprida. De propriedade de  um   tal Coronel João Duque, que estava recebendo pessoas  que vinham lá de fora.

            -  Assim foram pra lá?

            -  Sim Luciano. Foi onde tudo começou...  Fomos para um lugar chamado Tabuleiro e a minha mãe conheceu um viúvo chamado Pedro José. Acabaram se casando. Às vezes ele levava a minha mãe para lavar roupas no Rio Carinhanha.

             - Lá então o senhor conheceu a minha mãe?

            - Ela morava com uma velha na tal de Lagoa Comprida.

            -  Eu já não tinha pai Filha. Morava com a minha tia que me criou   Relatou à senhora Ana com ar de tristeza.

            Seu Aureliano olhou ternamente para a filha e disse:

            - Parecia muito com você filha.

            Carolina com aquele corpo sedutor fazia o seu pai mergulhar ao passado cheio de alegria com a sua querida Ana.

            -  O papo está bom, contudo acho que ainda vou dormir um pouco  - relatou José.

            -  Prepare a cama para Luciano filha. Vamos dormir um pouco.

            Luciano ficou observando Carolina arrumar a cama e perdido de amor falou:

            - Como te amo Carolina...  

            - Pode se deitar Luciano  argumentou Carolina saindo do quarto.

            Luciano murmurou dizendo:

            - Um dia me deitarei com você...

            - Disse alguma coisa Luciano?

            - Estou pensando alto Carolina.

            Não demorou muito tempo. Nem mesmo deu para Luciano sonhar. O dia chegou, e José já fazia o som do seu berrante acordar o sertão.

             - Nego, nego, nego...

            Seu Aureliano já alimentava os porcos. Luciano se levantou e na sala se encontrou com Carolina que lhe disse:

            - Bom dia Luciano, e muito obrigada pela surpresa...

            -  Não é nada minha querida. Quero em toda a minha vida lhe fazer muitas e muitas surpresas.

            Luciano sentia que Carolina estava e ao mesmo tempo não estava feliz...

             - Sinto que está um pouco apreensiva Carolina.

            - Deve ser pela grande responsabilidade que estou assumindo.

            - O que lhe faz ficar triste?

            -  Se vou poder estar a altura do nosso amor.

            -  Não fique assim querida. Quem ama não precisa ter medo do seu amor.

            -  Já amanheceram falando de felicidades!

            - Isso seu Aurelino. Isso mesmo. Afinal de contas já estamos há menos de um mês do nosso casamento.

             -  Noto que nem mesmo se lembram da pobre Ediléia  - interrompeu José.

            -  Que Deus dê um bom lugar a ela José. O que eu prometi a ela cumprirei assim que os Coronéis começarem a lutar.

            -  Acha mesmo que eles vão lutar Luciano.

            - Pode ter como certo seu Aureliano. Se já não estiverem lutando a essas alturas.

            - E assim eles acabaram com as suas raças José  relatou Carolina.

            E já depois do café, Luciano falou:

            - Sinto que já é hora de eu partir.

            - Não meu amor. Só depois do almoço  relatou Carolina com muita alegria por estar perto de Luciano.

            - Vem vindo um cavaleiro. Quem será ele Carolina?

            - É Antenor, Luciano. Pai mandou que ele fosse em Carinhanha para ver se tinha alguma notícia sobre os Coronéis.

            E assim que Antenor chegou na porteira do curral, disse:

            - Seu Aureliano. Dizem na cidade que o Coronel Fonseca atacou a fazenda do Coronel Augusto. Contam que foi um arraso.

            - E falaram o motivo da luta? - Indagou Luciano.

            -  Não. Os pistoleiros disseram que o Coronel Fonseca venceu a luta.

             - Ele matou o Coronel Augusto?

             - Sim Luciano. Ele já era. 

            - Tinha algum homem do Coronel Augusto na cidade?

            - Não Luciano. Só do Coronel Fonseca e do Coronel Geraldo.

            A notícia da morte do Coronel Augusto fez os olhos de todos brilharem e a senhora Ana falou:

            - Já foi um. Logo os outros irão. Mais dias menos dias, eles morrerão.

            -  É senhora Ana. Não vai demorar...

            - E quanto ao nosso casamento Luciano. Como é que fica?

            - Não tem nada a ver uma coisa com a outra Carolina. O nosso casamento está fora desta confusão.

             - Tenho medo Luciano. Medo das coisas saírem erradas.

            - Morreu o Coronel Augusto. Logo a notícia da morte dos outros dois.

            - Acha que o Coronel Geraldo vencerá o Coronel Fonseca, Luciano?

            - São todos dois muito fortes. Vai ser muito feia a luta, José.

            -  Então a velha Carinhanha estava cheia de pistoleiros seu Aureliano!

             - Ela sempre foi assim Luciano. Desde quando eu vim lá de fora.

            - É seu Aureliano. Às vezes eu ficou pensativo a respeito dos Coronéis. Quando a gente fala deles parece que uma coisa do invisível vai até eles e lhes contam algo a nosso respeito.

            - É o mal Luciano. O mal é assim. Ele anda no vento...

            -  Precisamos nos prevenir contra eles seu Aureliano.

            - Precisamos Luciano. No entanto o que nos resta é esperar. Eles são fortes e nós nada podemos contra eles...

            -  Preciso ir pra casa seu Aureliano. Tenho que saber como está minha mãe.

            - Vai com Deus Luciano - desejou à senhora Ana.

            - Até mais Carolina. Logo estarei de volta.

            -  Tome muito cuidado Luciano  - alertou José.

            - Eu tomarei José.

            Luciano desceu a montanha com destino a casa da sua mãe. Até parecia que algo dizia para ir depressa...

            - Vamos campeão. Sinto que algo está acontecendo.

            Na frente da casa de Luciano existia uma grande laranjeira que de longe dava para ver a sua copa que quase encobria o cume da casa.

            - Algo estranho campeão. Não vejo a casa.

            Luciano sentiu que era uma luta que estava acontecendo naquele momento, de modo que ele já chegou atirando e gritando:

            - Seus pistoleiros do inferno. Morram seus desgraçados.

            A aflição do pistoleiro Luciano aumentava à medida que via as três casa ardendo em chamas.

            - Mãe, Maria, Pedro, João Brito...

            E Luciano atirando e gritando por seus entes queridos.  De  maneira  que  lá no  meio dos pistoleiros alguém gritou:

            - Atenção pessoal, vamos parar de atirar.

            A ordem foi obedecida e em seguida a voz do homem continuou:

            - Luciano, seja bem vindo... Dê uma olhada para sua casa... E você sabe quanto tempo Luciano. Quanto tempo faz! Faz tanto tempo que  matei  o  seu  pai,  no  entanto não imaginei que um dia eu fosse enfrentar aquele menino feio.

            - Feio é sua mãe Coronel desgraçado.

             - Coronel desgraçado não Luciano. Eu sou o Coronel Geraldo. O Coronel invencível.

             - Eu vou te matar seu desgraçado.

            - Calma Luciano. Tenho uma troca a fazer.

            - Que troca Coronel?

            De modo que o Coronel Geraldo falou:

             - Podem trazer a velha...

            De dentro de uma moita de maniçoba, saíram pistoleiros que traziam consigo a mãe de Luciano e o menino João Brito. Em seguida o Coronel Geraldo ordenou:

            - Jogue fora as suas armas Luciano. Ou mataremos a velha e o menino.

            - E onde está o resto do pessoal?

            - Pedro, Maria e os seus capangas já morreram. Só resta a velha, o menino, e  agora, você. 

            - O que querem de mim Coronel?

            - Isso Luciano. É isso que gosto de ouvir. Até que o menino feio que não matei naquele dia, não é tão burro... Vamos conversar. Mate o menino primeiro.

            -  Não Coronel. Não mate o menino  - pediu Luciano.

            - Imagina o que eu estou querendo Luciano?

            - Deve ser o seu ouro Coronel.

            - O que fez com ele?

            - Comprei gado Coronel!

            - Isso eu já sabia, e o que mais?

            - Mais nada Coronal Geraldo.

            Luciano percebia que ainda tinha muitos pistoleiros. E que qualquer coisa errada que ele fizesse a sua mãe morreria. De modo que falou:

            - Eu me rendo Coronel.

            -  Sábia decisão Luciano, podem  amarrá-lo. Agora eu vou aproveitar pra tirar uma ponta na senhora Júlia. Eu sempre fui vidrado nela mesmo.

            Quando o Coronel desmontou do seu cavalo e seguiu em direção a senhora Júlia, uma mulher gritou:

            - Todos parados...

            Houve um momento de silêncio e em seguida uma rajada de tiros. Muitos pistoleiros caíram no chão e a mulher continuou falando:

            - Vocês aí. Soltem Luciano. Parado Coronel. Nem um passo.

            Luciano pasmado eu ver a rapidez que tinha Carolina. Não tolerou a emoção e disse:

             - Carolina meu amor, é você... É você meu amor...     

            O Coronel Geraldo se perdeu diante da beleza que tinha a noiva de Luciano, pois até disse:

            -  Já lutei muitos anos em minha  vida.  Já enfrentei  muitos  inimigos.  Contudo,  não  tinha encontrado até hoje com uma beleza igual a sua. De quem é filha?

            - Do seu Aureliano. E ponha as mãos para cima...

            - Obedeço as suas ordens senhorita de rara beleza... Posso até morrer. No entanto, morrerei satisfeito por ter te conhecido.

            Naquele instante Luciano já estava de posse das suas armas e à espera do comando de Carolina. Porém o esperado momento foi diferente. Pois o Coronel Geraldo disse:

            - Pessoal, rolando e atirando...

            O resto dos pistoleiros obedeceu à ordem do maldito Coronel Geraldo e o tiroteio continuou...

             - Cuide da sua mãe Luciano. Deixe o Coronel Geraldo comigo...

            - Sim Carolina.

            Luciano por algum motivo gritava angustiado:

            - Não, minha mãe não...

            - Morra seu maldito...

            O temido e invencível Coronel Geraldo acabava de cair do lado da senhora Júlia...

            Luciano eliminou o resto dos pistoleiros e foi acudir a sua mãe.

            - Júlia, nunca passou pela minha mente que eu fosse morrer do seu lado  - relatava o Coronel Geraldo sangrando ali no chão...

            Luciano abraçava a sua mãe e dizia:

            - Aí está ele mamãe, o maldito que matou o seu amor. O maldito que matou o meu pai. O maldito que matou muitos. Aí está ele...Morrendo do seu lado. O maldito Coronel Geraldo. Agora já vinguei a morte do meu pai, a morte de Ediléia. Agora vou me casar com Carolina.

            Júlia morrendo disse:

            - Não deixe de cuidar do menino João Brito, filho...

            E ali no terreiro que Luciano vivia, agora só restava cinzas, sonhos inacabados, lembranças e um chão repleto de cadáveres.

            - Carolina, cuida do João Brito que vou sepultar a minha mãe, Maria e Pedro...

            E mais uma vez Luciano abriu três covas rasas para colocar alguém. Só que desta vez ele não ia ter que vingar. Desta vez já estava tudo acertado. Tudo consumado ali. Apenas levando consigo a promessa de cuidar do menino João Brito...

             - Vamos Carolina. Está tudo acabado.

            Luciano, João Brito e a linda Carolina foram para casa do seu Aureliano. Deixando para trás o rastro de ódio, vingança e mistérios...

            - Carolina está chegando com Luciano, velho.

            - Parece que trazem uma criança, Ana!

             - Este é o João Brito seu Aureliano.

            - Por quê João Brito?

            - Foi quando o meu pai morreu, antes, porém da sua repentina morte ele pediu Pedro que quando Maria lhe desse um filho, que pusesse o nome dele nele.

            - Ele não conseguiu ter o tão sonhado filho?

            - Não José. Ele não conseguiu. No entanto eu tinha dado este menino para eles.

            - Tinha! Então eles morreram?

            - Não só eles como a mãe dele também  interrompeu Carolina.

            - E se não fosse Carolina chegar a tempo, eu não estaria aqui para contar a história.

            - Foi o Coronel Geraldo?

            - Sim pai. No entanto em um piscar olhos eu acabei com ele.

            - Ainda bem que lhe ensinei atirar filha!

            - E eu serei sempre grata por isso mamãe. Pois salvei o meu amor.

            -  Agora a minha vida está mudada. Não tenho mais ninguém no mundo a não ser vocês.

            - Não fique assim Luciano. Estamos aqui do seu lado  - relatou a senhora Ana.

            - O que vai fazer Luciano?

            - Não tenho a mínima idéia José. Mas uma coisa eu tenho que fazer.

            - Que coisa Luciano?

            - Vingar a morte do pai da senhora Ana.

            - Deixa isso pra lá Luciano.

            - Vou senhora. Eu prometi, vou cumprir.

            O tempo passou e Luciano começou a cuidar da fazenda. Vindo dormir sempre na casa do seu Aureliano.

             - Luciano, você não acha que é melhor se casar. Assim ficaria mais fácil para você. Do que ficar pra lá e pra cá...

            - Acho que você está coberto de razão José.

            - É Luciano. Você se casar... E quanto a mim. Coitado. Acho que nunca vou ter ninguém em minha vida. Eu devo ter nascido para ser um miserável.

            - A vida é assim José. Quando menos esperamos, aparece alguém.

            - Não compreendo mãe. E olha que o tempo está passando. E ele passa como o vento. E por falar nisso mãe. Vem vindo alguém lá na distância...

             - Quem sabe virá ali o seu amor José -  relatou Luciano.

            Carolina foi até a porta e disse:

            - Não vou ver quem é...

            - Eu vou Carolina  - informou José com alegria.

            José foi até a porteira receber as pessoas e surpreso falou:

            - Luciano! Venha cá...

            Luciano foi atender José, e ao ver uma linda jovem que acompanhava um casal, falou:

            - O que desejam, José?

            - Estão à procura do senhor Santos.

            - E quem são vocês?

            - Sou Ramiro, esta é minha esposa Raquel e a outra é a nossa filha Regina.

            - Um grande prazer senhor. Eu sou Luciano, essa é a minha noiva Carolina e esse é o meu cunhado José.

            - É um grande prazer Luciano. Será que o Luciano com quem falo seria o que Santos falava nas cartas?

             - Que cartas?

            - Ele me escreveu contando do futuro nascimento do seu filho, e que um Luciano amigo dele tivera levado a noiva dele para ajudar Joana no parto da criança. Contudo no tocante ao nome do da noiva. Não era Carolina...

            - O nome é Ediléia papai - informou Regina

            - Isso mesmo Luciano. Ediléia.

            - Ediléia era irmã de Carolina seu Ramiro.

             - Era. O que aconteceu a ela?

            - Acho que o dia que eles festejavam o nascimento do menino, algo terrível aconteceu a eles. Os homens do Coronel Augusto os atacaram, ficando apenas o menino de Santos. O encontrei no dia seguinte após a tragédia. Os sepultei ali mesmo no terreiro da casa, regando com lágrimas as suas rasas covas.

            - Então o menino nasceu mesmo?

            - Sim seu Ramiro. Ele está conosco -  interrompeu Carolina.

            -  Vamos acabar de chegar gente.

            - Obrigado pela sua hospitalidade José.

            - De nada seu Ramiro. É uma honra poder compartilhar com vocês as nossas alegrias. Apesar de estarmos falando em tristezas.

            E já na sala da casa do seu Aureliano, que ficou enfeitada com a beleza de Regina e Carolina. Os olhos de José pareciam embriagados com os intermináveis olhares que como flechas atiravam em cada instante nos olhos de linda jovem Regina que acabava de chegar.

            - Vejo que a casa está enfeitada de gente bonita...

            - É o seu Ramiro pai, irmão do seu Santos, a senhora Raquel e sua filha Regina  -  informou José.

             - Santos nunca me falou que tinha irmão...

            - Nós éramos em cinco seu Aureliano. Porém um dia, aquele maldito dia. Fomos por fogo num roçado. Aquela chama assassina engoliu a todos em  frações de segundos. Vi meu pai, minha mãe, e minhas duas irmãs, e por fim o meu irmão mais novo. Todos. Todos transformados em pedaços de carvão.

            - Que horror!  exclamou a senhora Ana que vinha chegando trazendo em seus braços o menino João Brito.

            - Foi senhora. Foi uma coisa terrível.

            - Estranho que seu Santos nunca tinha falado sobre isso!

             - Talvez por remorso Luciano.

             - O que não entendo é o senhor ter se separado de Santos...

            - Ele sempre foi dado a aventuras Luciano. Eu sou mais cuidadoso. Nunca tive a coragem dele. Sei que quando ficamos sozinhos no mundo, ele se agarrou ao mundo e com certeza imaginava que assim seria melhor  para  ele.  Eu  chorava  quando  lias  as  cartas  que  me escrevia...

            - O mundo é muito cheio de surpresas -  relatou José.

            - Sei rapaz, contudo a vida poderia nos dar uma oportunidade... De escolher, escolher alguma coisa...

            - E o senhor não quis sair?

            - Não Luciano, eu preferi ficar cuidando da nossa fazenda. E graças a Deus  as coisas melhoraram muito. De maneira que resolvi vir dar uma surpresa no meu irmão. E quando cheguei em sua casa só encontrei com uma tapera. Não vou dizer que não me entristeci. Foi terrível, não o encontrar conforme o que ele dizia as suas cartas. Até pensei ter errado o endereço...

            - Então o senhor é dono de uma grande fazenda?

             - Não é tão grande assim José. No entanto, dá pra conservar um bom rebanho.

             - Eu gosto muito é de tocar o berrante.

            - Regina é a rainha do berrante lá em casa José. Talvez por eu não ter conseguido um filho.

            - Eu entendo seu Ramiro. Aqui eu sou o filho homem que tanto desejam os pais.

            -  E foi muito difícil salvá-lo, sempre foi doente  - informou a senhora Ana.

            - Regina sempre foi sadia dona Ana -  informou a senhora Raquel.

            - E a senhora tem família? - indagou Carolina

            - Não Carolina, eu só tinha um casal de irmãos que já morreram.

            - Assassinados? -  indagou Luciano.

            - Não Luciano. Ainda eram jovens, quando me casei com Raquel. Os seus pais já eram velhos. E só restava ela.

            - E logo morreram? - interrompeu o seu Aureliano.

            - Sim seu Aureliano. De modo que assim eu acabei fundindo as duas fazendas em uma só.

            - E lá na sua região não existem Coronéis seu Ramiro?

            - Existem Luciano. Porém nunca me fizeram nada de mal. Contudo, temo um dia virem me incomodar, no entanto, até agora estão me deixando em paz.

            - Pois aqui seu Ramiro, eles estão fazendo uma desgraça. Primeiro perdi o meu pai. Depois Ediléia, Santos e Joana, e agora recente a minha mãe. Sem contar com irmã, cunhado, e vai por aí afora.

            - Eu lamento tudo isso ter acontecido com você Luciano. No entanto, acho que você deve tomar uma atitude e acabar com esses assassinos.

             - Já estão se acabando! - exclamou Carolina.

            - Você luta Carolina? - indagou Regina.

            - Sim Regina, quem não luta para salvar um amor.

            - Devo a minha vida a ela Regina -  relatou Luciano abraçando a  sua querida noiva.

            Regina se sentiu emocionada e num instante sem explicação olhou para José e indagou:

            - Não tem nenhuma façanha para contar José?

            - Só sobre gado Regina. Gosto muito do rebanho. Talvez seja por este motivo que nada de mal me acontece...

            - E nem de bem. Vive aí mendigando um amor - relatou Carolina sentindo-se triste por ver e assistir os tristes dias da vida do seu único irmão.

            - A vida é como uma estrada cheia de placas Carolina.  Quem  sabe estará próximo da placa que lhe indicará a sua pousada e ali o seu amor estará à sua espera - relatou Regina com um ar de muita paixão por José.

            - Até mesmo no amor, há estrada a seguir filha - relatou a senhora Raquel.

            - Por quê diz isso senhora?

            - Vendo estes jovens filosofando seu Aurelino, me vejo lá no tempo que vive as minhas ilusões...

            - Às vezes a ilusão é a vida que resta para alguém viver! - exclamou o seu Ramiro.

            O dia passou. Quanto mais falavam parecia que não bastava. Dava até mesmo para imaginar que eram conhecidos no passado... Já no dia seguinte o seu Ramiro relatou:

            - Seu Aurelino, fico grato por tudo. Vou com Luciano lá na tapera do meu irmão e depois vou com ele a casa dele. De lá pretendo ir embora...

            - Meu desejo é que o senhor, sua esposa e sua filha ficassem um pouco mais com a gente. Uma viagem dessa é muito cansativa.

            -  Acho que seu Aureliano está coberto de razões seu Ramiro. É muita longa essa viagem  - relatou Luciano.

            - Ainda me lembro quando vim pra cá!   - exclamou seu Aureliano sentindo-se triste.

            - O senhor é de onde seu Aureliano?

            - Vim de um lugar chamado lá de fora seu Ramiro. Próximo a Caitité. Sou da família Silva.

            - Quem sabe a gente é até parente e não sabemos. Meu pai falava  muito dessa região. Até Brumado.

            - É seu Ramiro. Quem sabe  - relatou  o  seu  Aureliano com uma expressão de saudades.

            A conversa parecia levar o seu Aureliano ao passado bem distante, cheio de muitas alegrias e tristezas...

            - Já podemos ir seu Ramiro?

            - Sim Luciano, vamos.

            - A família vai também seu Ramiro?

            - Sim seu Aureliano. Elas querem ver melhor o que restou das coisas de Santos. E depois Luciano quer que conhecemos as terras dele.

            - Eu gostaria de ir com vocês Luciano.

            - É com a sua mãe Carolina.

            - Nem é preciso pedir filha -  relatou a senhora Ana.

            - E quanto ao nosso amigo João Brito? -  indagou José.

            - Luciano o achou, por duas vezes o salvou. Não tenho o direito de exigir nada, mesmo sendo tio de João Brito -  interrompeu Ramiro.

            Carolina montou o seu lindo cavalo e seguiu estrada afora com o seu amor Luciano. Ramiro, Raquel e Regina os acompanhavam e José ficou com os seus pais e o seu sobrinho de criação, olhando-os sumir ao longe do caminho enquanto o seu coração transbordava de amores por Regina...

             - Antes de o seu Santos morrer seu Ramiro. Eu gostava de ir à sua casa.

            - Ele me dizia nas cartas Luciano. Falava até que você era o filho que ele não tinha.

            - A vida é como se fosse uma caixa de surpresas  -  argumentou Regina.

            - Quantas surpresas, não são Regina!  -exclamou Carolina.

            - Sim Carolina. E eu gostei muito da que encontrei em sua casa.

            - Está se referindo a José? Você gostou dele?

            - Sim Carolina. Não só gostei e como me fez sentir uma outra pessoa.

            - A  gente fica mais aliviada, não é Regina? Depois de começar a namorar. Eu sei que depois que comecei a namorar Luciano, sinto que estou realmente vivendo a minha verdadeira vida.

            - E como você consegue conciliar a falta de sua irmã com o namoro?

            - Antes de Ediléia morrer Regina. Nós já brigávamos por causa de Luciano. O amor é uma coisa muito sublime.

            - É Carolina. O amor é realmente uma coisa muito sublime.

            As garotas falavam de amor de uma forma descente e encantadora. Pois em seus olhares pairavam de uma forma não comparável.

             - Sinto que vocês estão felizes!

            - Bastante meu amor - afirmou Carolina encostando o seu cavalo ao de Luciano.

            - Parece que logo terá casamento!  -exclamou o seu Ramiro.

            - Assim que vingarmos a morte do avô de Carolina - informou  Luciano meio triste.

            - Por quê falam tanto em vingança?

            - São as tragédias Regina. As tragédias que os Coronéis causam quando matam as pessoas. Dificilmente a vingança chega ao fim.

            - Porque não se casa com Carolina. Vende a sua fazenda e vai viver em um outro lugar com a gente Luciano.

            - Não podemos fazer isso senhora Raquel. Simplesmente não podemos.  Pois assim nunca estaríamos felizes. Sempre estaria faltando alguma coisa em nossas vidas.

            - E, além disso, senhora Raquel. Seria vergonhoso mentirmos aos nossos filhos.

            - Compreendo Carolina.

            - Somos apaixonados senhora Raquel.

            Quando Carolina falou que eram apaixonados, era possível ver as lágrimas nos olhos de Regina. Que logo relatou:

            - Apaixonadamente. Esta é a palavra que sempre fica em minha mente.

            - É muito difícil o amor Regina - relatou Carolina.

            Numa curva da estrada todos assustaram quando José já os esperavam lá.

            - Nos assustou José  - relatou Luciano.

            - Senti saudades de Regina, e por isso vim ao seu encontro.  

            Assim que José informou da saudade de Regina. Ela encostou o seu cavalo perto do de José e falou:

            - Pode me beijar José. Beije-me.

            - Pelo jeito é mais do que certo que teremos mais um casamento - relatou Luciano olhando para o seu Ramiro.

            - Seria bom que acontecesse os dois casamentos num só dia. Não acha Luciano?

            - Quem sabe seu Ramiro...

            Respondeu Luciano olhando para as árvores que cobriam a montanha.

             - Linda a região, não é Luciano?

            - Só quando chove seu Ramiro. Porque  no período da seca não passa de um deserto.

            Todos em frente do que sobrou da casa de Santos. Ali perto das três cruzes simbolizando o lugar de Santos, Ediléia e Joana. Fizeram um minuto de silêncio e depois seu Ramiro indagou:

            - O que aconteceu ao gado dele Luciano?

            - Só tinha umas duas vacas seu Ramiro. Eu as levei para junto do meu gado.

             - E quanto a terra? Tem muita terra Luciano? -  indagou Regina.

            -  Está toda cortada por picadas Regina. Depois que aquele mostro chamado Coronal Augusto morreu,  as terras ficaram a Deus dará.  

            - Achei muito bonito este lugar! Quem sabe um dia eu terei uma fazenda como essa!

            - Posso compra-la para você Regina.

            - Não é preciso José. Eu só estou brincando. Afinal de contas, essa fazenda é do meu primo João Brito.

            - Mesmo assim eu posso compra-la do seu primo para você.

            - Não sei como vou pagar um presente desse...

            - O seu amor é o bastante Regina. Afinal eu nunca tive a oportunidade de dar nada a ninguém mesmo. Por que não a você. Por quem eu estou perdidamente apaixonado.

            - E quanto acha que o seu Ramiro venderia a fazenda!  - exclamou Carolina.

            - O quê acha seu Ramiro?

            - A fazenda é do meu sobrinho órfão. Não posso vendê-la. No entanto, você se casando com Regina. Adotem o menino João Brito e assim serão donos da fazenda.

            - Então eu vou comprar a fazenda de João Brito. E ela será sua Regina.

            Assim que José acabou de falar. Regina pulou do seu cavalo para o de José e começou a beijá-lo e dizendo sem parar:

            - Eu te amo, eu te amo...

            Naquele momento Luciano sorriu para sua amada Carolina e disse:

            - Estou feliz por eles...

             - Eu também meu amor...

            - Vamos para casa gente. O sol está esquentando muito...

            - Vamos Luciano - confirmou José com ar de muita alegria.

            Quando chegaram na casa de Luciano. Este, porém não se sentia realmente feliz. Pois não conseguia esconder a dor da falta da sua mãe que muito lhe fez feliz.

            - É difícil tolerar. Não é Luciano!  - exclamou José.

            - Nem mesmo o amor e a paixão são capazes de apagarem a perda de uma mãe. Eu sinto algo muito frio dentro de mim. Foi bem aqui que ouvi as suas últimas palavras.

            - Não deixe se entregar por isso Luciano. Temos que enfrentar a vida  como ela vem a nós.

            -  Isso é verdade Carolina. Porém, só irei parar para pensar sobre isso quando eu vingar a morte do seu avô.

            - Logo faremos isso Luciano. Contudo, vamos mostrar a fazenda ao seu Ramiro.

            Carolina sabia que Luciano nunca iria te amar de uma forma total e completa. Antes de acabar, sim com o maldito Coronel Fonseca.  O    último dos Coronéis daquela região. Pois sabia que quando Luciano acabasse com o maldito Coronel, as coisas seriam diferentes ali. As pessoas poderiam ser felizes ali.

            -  Sinto quê o quê você sente é uma coisa muito estranha, não é Luciano?

            - É seu Ramiro. Uma coisa muito estranha. Sinto muita sede de matar. Muita sede...

             -  Já está começando a fazer uma casa nova. Hem Luciano!

            - Sim José. Estou preparando para me casar.

            - Logo estarei fazendo a minha - relatou José olhando ternamente para Regina.

            - Eu gostaria que a nossa casa fosse construída exatamente no lugar onde era a casa do meu tio Santos. 

            - Perto da sepultura de Ediléia  -interrompeu Luciano.

            - O que tem Luciano. Não era a sua noiva! E irmã de José!

             -  Aqui também é muito bonito Luciano. Eu gostaria de comprar um pedaço de terra nesta região  - relatou o seu Ramiro.

            -  Todos têm as suas vontades seu Ramiro  - argumentou Luciano.

            -  Sabe Luciano. Eu tenho vontade de ter um pedaço de terra que eu mesmo comprar, para dizer a mim mesmo. Esta é a minha terra. Não esta que tenho que foi de herança.   Sinto   que  estou  apenas  como  um  zelador  e  que  o  verdadeiro  dono  pode  chegar  a qualquer hora e dizer muito obrigado por tudo...

            - É um tanto estranho o que o senhor está se referindo seu Ramiro. Mas as pessoas são assim. Cada uma diferente da outra.

Cada uma com as suas vontades.

            Enquanto falavam de vontades. Luciano avistou ao longe um cavaleiro que vinha na disparada.

            - Luciano, José... Uma tragédia, aconteceu. Uma tragédia...

            - Que tragédia?  - perguntou Luciano com o semblante condenando o  momento.

            De modo que dos lábios do cavaleiro afobado:

            - Os homens do Coronel Fonseca nos atacaram e o seu Aureliano, a senhora Ana e o menino João Brito morreram.

            Luciano com o olhar banhado de ódio relatou:

             - Só dormirei a hora que eu vingar a morte de todos. Só essa hora...

             - Eu irei com você Luciano.

            De tanto ódio Luciano nem sequer respondeu Carolina.

            - Espere Luciano. Acho que não devemos fazer as coisas precipitados.

            - Não irei definir o que é certo ou errado antes de matar aquele desgraçado do Coronel Fonseca, José.

            - Temos que planejar antes Luciano...

            Luciano estava atordoado com o que tinha acontecido. Nem mesmo quis ouvir o seu Ramiro. De modo que saiu rumo à fazenda do Coronel Fonseca. Levando consigo o desejo de por fim de uma vez naquele sofrimento e aquele manto de incerteza que vivia desde quando entendeu por gente.

             - Eu também vou lutar com você Luciano!

            - Eu acho que o senhor não deve entrar nesta briga seu Ramiro.

            - Quero participar desta luta Luciano. Eu nunca lutei por um motivo justo e vejo que agora eu o tenho.

            E depois da insistência do seu Ramiro. Luciano acabou aceitando a sua ajuda.

            - Por quê vai lutar Ramiro?

            - Por questão de amizade Raquel.

            - Eu compreendo Ramiro. Tome muito cuidado.

            Luciano, Ramiro e Carolina seguiram em direção a fazenda do Coronel Fonseca. Levavam apenas os seus revólveres e o coração cheio de ódio e coragem. Pois iam para um lugar que habitava a morte. Iam para a casa de um maldito Coronel.

            - Cuide da minha família José. E se alguma coisa me acontecer, elas estão em suas mãos.

            - Farei o que estiver em meu alcance seu Ramiro.

            - José. Se for possível eu gostaria que você fosse sepultar pai e mãe e o menino João Brito. 

            - Irei Carolina. Eu irei...

            - Vamos gente - gritou Luciano.

            Já passava de meio dia. E nas margens da estrada a poeira assentava nas copas das árvores. Dando a impressão de um largo caminho.

            - O quê pretende fazer Luciano?

            - Nada de especial seu Ramiro. Confio muito na rapidez do meu dedo. Quero ir direto a fazenda  do  Coronel  Fonseca  e  enfrentá-lo cara a cara.   

             - Acho melhor criarmos um plano.

            - Sou obrigado a ficar com a opinião da Carolina, Luciano.

            - Sim seu Ramiro. O que Carolina fala está certo. Porém, eu acho que o Coronel Fonseca nunca imaginou que alguém pudesse entrar na sua fazenda e desafiá-lo.

            -  Isso é verdade Luciano - confirmou Carolina.

            Nos olhos de Carolina estava expresso um ar de dúvida e por que não dizer desespero.

            - Está com medo Carolina?

            - Não Luciano. Sinto que algo estranho está para acontecer. Só não consigo compreender o que vai acontecer.

            - Será a morte do Coronel Fonseca Carolina. Pode ter certeza que será a morte daquele maldito.

            - Deve ser mesmo Luciano.

            Na escuridão, Luciano não conseguia ver a entrada da fazenda do Coronel Fonseca. Que na encosta da serra do Ramalho ela se sentia protegida.

            - Lá está a fazenda do Coronel Fonseca. O quê pretende fazer Luciano?

            - Ainda não sei o que fazer. Porém sinto que devemos nos separar.

            - Por quê nos separar, Luciano?

             - Questão de proteção. Pois se nos atacarem separados será bem melhor. Se juntos seremos presas fáceis.

            Carolina deu um beijo em Luciano e disse:

            - Tome muito cuidado meu amor.

            - Se cuida Carolina. E o senhor também seu Ramiro.

            De modo que as três feras sumiram na escuridão, invadindo assim a fazenda do  Coronel Fonseca, sem saber o que iria acontecer...

            - Sei que assim que acabar com esse Coronel eu nunca mais irei lutar. Chega de Coronéis - relatava Luciano consigo mesmo...

            E assim que Luciano terminou de pensar alto, já começou a ouvir tiros e relincho de cavalos. Gritos de pistoleiros, mulheres e crianças. Luciano aproveitou o momento do tiroteio e entrou nos currais e começou a soltar os animais que estavam ali.  Escondido no meio dos animais, Luciano foi até numa casa de farinha que existia na casa do Coronel Fonseca. Lá fora só ouviam gritos de horror. No entanto, Luciano aguardava o momento de se encontrar com o maldito Coronel Fonseca. Pois já que todos os Coronéis são iguais, era certo que assim que a coisa ficasse feia, ele iria se esconder na casa de farinha. Lá fora estava um verdadeiro inferno. Pois Luciano sabia que Carolina atirava por cem. Não conhecia o talento do seu Ramiro. No entanto, se ele mesmo quis vir à luta,  não era difícil de entender que não tinha medo de nada. 

            -  Coronel Fonseca. Estamos ficando em desvantagem!  - relato um pistoleiro.

             - É só atirarem nos inimigos seus idiotas.

            - Ninguém sabe de onde vem Coronel!

            Assim o medo começou chegar na casa do Coronel Fonseca que gritou:

             - Ivan! Cuida do portão principal que vou lutar com Manuel...

             - Sim papai. Pode deixar.

            E Luciano ouviu o maldito Coronel dando às ordens aos seus filhos. Sossegado Luciano ficou ali esperando a sua caça...

            - Quem será que está furioso contra você Fonseca?

            - Deve ser algum ladrão de gado mulher. Só pode ser isso...

            - É, esses ladrões que vivem de migalhas...

            Luciano percebeu que a mulher do Coronel Fonseca estava com uma lamparina na mão. Assim com a sua boa pontaria ele atirou na lamparina e ficou assistindo ela e a sua filha morrerem queimadas. E por ser muito calmo ele esperou que o fogo se alastrasse pelos grandes paióis de milho. Que dali se alastrava por toda casa.

            - Socorro Fonseca -  Gritava a esposa do Coronel Fonseca entregando a sua  alma para o inferno.

            O filho do Coronel Fonseca correu para salvar a mãe. No entanto Luciano se encarregou da acabar com ele.

            - Apareça o maldito que está atirando!  - exclamou o Coronel Fonseca.

             - Luciano! Onde está você? - Gritava aflita Carolina.

            Luciano não queria responder, pois estava na espreita a fim de apanhar o Coronel Fonseca...

            - Luciano. Ajude-me!

             - Que Luciano que nada sua safadinha!  - falava o Coronel Fonseca levando Carolina.

            - Pra onde está me levando Coronel?

             - Achava que iria vencer um Coronel sua vagabunda.

            E assim que o Coronel entrou no porão, Luciano encostou as suas armas nas costas dele e disse:

             - Solte a moça Coronel Fonseca.

            - Luciano! Você meu amor - relatou Carolina com muita alegria.

            - Amarre as mãos dele Carolina. Está chegando o fim do Coronel Fonseca.

            Carolina um pouco emocionada amarrando as mãos do Coronel Fonseca falou:

            - Sabe Coronel! Eu nunca pensei que um dia fosse amarrar as mãos de um Coronel.

            O Coronel Fonseca meio envergonhado relatou:

            - Eu, no entanto, nunca pensei que um dia fosse vencido por um casal de idiotas...

            - Deixe que eu responda essa Carolina  - interrompeu Luciano.

            - Sabe Coronel! Não estamos sozinhos. Veja as almas de tantas pessoas que o senhor já matou.

            - Não existe isso Luciano. Quem morreu se ferrou. A vida é só essa. Nunca vi e nem ouvi dizer que quem morreu voltou para contar nada... Se existissem as almas dos Coronéis se ajuntariam e seríamos muitos. Eu sempre lutei para ter o que tenho Luciano. Sempre fui um homem bom. Nunca fiz mal a ninguém. Se matei alguém foi para defender os meus direitos. Ou por um outro motivo. Ou por alguém ter me desafiado.

            - Já que é bom assim Coronel. Vamos lá fora e mande os seus pistoleiros pararem de atirar. Pois lá, lutando com eles só tem um homem.

            - O que está dizendo Luciano. Vocês só têm um homem. Então podemos vencer!

             - Não Coronel! Você já perdeu. Não está vendo que está amarrado. Você já perdeu...

             De modo que o Coronel Fonseca ordenou aos seus homens:

             - Parem de atirar. Venham todos para o pátio da fazenda.

            Minutos depois, todos estavam com as suas caras de cavalo no pátio da fazenda e Luciano falou:

            - Vejo que o senhor é verdadeiramente um homem bom Coronel.

            - É, obediente e de respeito - relatou o seu Ramiro saindo de detrás do paiol.

            - Seu Ramiro, o senhor - argumentou Carolina.

            - Sim Carolina. Eu e somente eu.

            - Tem algum plano Luciano?

            - Tenho seu Ramiro...

             - Foram eles que mataram o meu irmão?

             - Não seu Ramiro. Não foram eles...

            - Não foram eles Luciano. Contudo são todos iguais. Posso matá-los e assim vingarei a morte de Santos.

            - Não é justo seu Ramiro. Eles não devem pagar por algo que não devem -  argumentou Carolina.

            - Vou fazê-los um pedido - relatou o seu Ramiro.

            - Quê pedido seu Ramiro? - indagou Carolina.

            -  Vocês querem a verdade?

            Seu Ramiro falou. No entanto, os pistoleiros ficaram em silêncio.

            - Por quê eles não dizem nada Coronel?

            - Eu sou o chefe Luciano. Só obedecem a mim.

             - Então os mande falarem comigo.

            De maneira que o Coronel Fonseca ordenou. Mas os pistoleiros responderam:

            - Não trabalhamos para ele Coronel, e sim para o senhor.

            - Vocês não estão vendo que estou amarrado!

            Aí foi que um pistoleiro falou com  Luciano:

            - O que desejam de nós?

            Seu Ramiro então disse:

             - Gostariam de trabalharem para nós?

            - Ou se gostariam de viverem em liberdade. Já ouviram falar de liberdade! - Exclamou Luciano.

             Com isso um outro pistoleiro relatou:

             - Liberdade sem nada na vida. Como vamos criar os nossos filhos?

            - Vocês terão as fazendas dos Coronéis. Serão divididas entre vocês.

            - E quem garante isso amigo?

             - Eu garanto. Sou o Luciano. Conhecido como dedo de ouro. Se eu disse, é porque farei. Pois a minha intenção é que devemos viver com harmonia e nada de Coronéis para escravizar as pessoas.

            - E quanto ao Coronel Fonseca. O quê vai fazer com ele?

            - Vocês decidem o que fazer.

            Quando Luciano argumentou sobre a decisão. Cada um dos pistoleiros deu a sua opinião:

             - Vamos queimá-lo vivo.

            - Vamos castrá-lo.

            - Vamos furar os olhos dele.

            - Vamos cortar a cabeça dele, e queimar o corpo.

            - Vamos quebrar as suas pernas.

            E depois de um grande silêncio um pistoleiro falou:

            - Vocês são traidores seus covardes. Nunca devemos trair a vida dos nossos patrões.

            Com isso um grupo de pistoleiros começou lutar contra outro, e se via que o grupo estava diminuindo.

            - Luciano, acho que devemos acabar com eles!

             - Não Carolina. Deixe-os lutarem.

            Minutos depois as mulheres e filhos dos pistoleiros começaram a chegar e assim tentavam colocar fim na injustificável luta.  

            - Matem todos. É melhor para eles...

             - Calma Carolina. Calma minha querida.

            - Deixe-a atirar Luciano - interrompeu seu Ramiro.

            - Não vai atirar também Luciano?

            - Não Coronel. Tenho o que quero, amarrado.

            - O quê vai fazer comigo, uma vez que os pistoleiros recusaram o seu pedido?

            - Vamos esperar a festa de Carolina e seu Ramiro. Assim que eles terminarem eu te direi o que vou fazer...

            No tom de ironia que Luciano falava, dava para notar que o quê ia acontecer com o Coronel Fonseca seria algo muito terrível...

            - Quanta gente morta Luciano. Que loucura você está cometendo.  

            - É Coronel. Estou vendo...

            Todos estirados no chão ao redor do paiol em brasas. Carolina e o seu Ramiro eliminaram os últimos e depois falaram ao mesmo tempo:

             - Está tudo acabado.

            - Está vendo que acabaram!  - exclamou Luciano olhando para o Coronel Fonseca.

            - E agora Luciano. O quê pretende fazer com o Coronel Fonseca?

            - Vamos levá-lo com a gente. Eu não quero matá-lo. Não tenho nada contra ele. Mas conheço alguém que tem. 

            - Se esqueceu que prometeu a minha mãe que vingaria a morte do meu avô?

            - Estou ciente Carolina! Contudo, não vou matá-lo. Seu Ramiro, amarre o Coronel Fonseca na cauda do seu cavalo, vamos levá-lo.

             -  E quanto aos cadáveres Luciano?

            - Os urubus são encarregados de cuidar da limpeza das imundícies na terra. São todos imundos. São todos condenados.

            - Esta foi à noite mais triste que já passei em toda a minha vida!

             - Que bom Coronel, o senhor ter a humildade de reconhecer que foi uma noite triste - relatou Luciano com ar de ironia e continuou dizendo:

            - Todas as noites dos pobres são tristes Coronel. No entanto, as noites dos Coronéis são repletas de alegria. Enquanto a pobreza é uma coisa terrível, que como se fosse uma sombra que acompanha sem piedade o miserável até o fim.

            - As coisas são assim desde que o mundo é mundo Luciano.

            - Eram assim Coronel. No entanto, Luciano o dedo de ouro chegou para mudar.

            O Coronel Fonseca mesmo amarrado na cauda do cavalo sorriu e disse:

            - Quem está do outro lado Luciano, nunca vê o outro lado. Às vezes os Coronéis sofrem mais do que os pobres para se manterem no poder. É muito difícil ser um Coronel Luciano, acho que é mais difícil do que ser um pobre. Quando um Coronel está em guerra Luciano, nem mesmo tem o direito de dormir.

            -  Que sofrimento que nada Coronel. Nada justifica os seus erros. Nos lugares que não existem Coronéis, as pessoas vivem felizes. Não há pobreza onde não existe Coronel. Lá onde os malditos Coronéis se instalam, ali sim, a pobreza chega junto com eles. Vocês sãos os demônios da terra...

            Luciano falava com o Coronel e ao mesmo tempo seguindo estrada afora...

            - E pra onde está me levando Luciano?

            - O seu sofrimento está chegando ao fim Coronel. Vamos fazer uma pequena viagem. Enquanto isso o senhor aproveita para respirar um pouco de pó e se despedir dos seus lindos dias de glória e poder.

             -  E posso saber para onde estou indo?

            - Que diferença faz Coronel. O senhor já não tem a quem dar ordens. Portanto,  procure relaxar. Respire um pouco de poeira e imagina que está comemorando uma das suas vitórias quando matava os inocentes para preencher o seu ego de Coronel. Aproveite o momento seu maldito.

            - Luciano, porquê está com tanto papo com esse Coronel?

            - Faz alguma diferença Carolina?

             - Claro que faz. Não estou me sentindo bem com isso.

             - Está bem minha querida. Está bem...

            A madrugada enfeitada com o luar, fazia Luciano cantar com alegria...

            - Estou feliz estou.  Porque me fez viver - As mortes de muitos meus.  Não sei porque. Agora vejo a lua com seu clarão bonito         -  Brilhando o caminho  que tenho para seguir.  Vou levar o meu amor -  Pra sorrir a vida inteira.  Do meu lado sonhar.  Lembrando o que viveu.  Juntos seremos felizes  -  Sem Coronel para matar - Ver nossos filhos crescerem - E viverem honestamente - Vamos sorrir e festejar - A nossa liberdade - Para sempre.

            - Não sabia que gostava de cantar Luciano?

            - Não sou dono de grande voz seu Ramiro.  No  entanto,  gosto  de me alegrar um pouco.

            Luciano olhou para Carolina e disse:

            - Sabe meu amor, apesar da minha mãe ter morrido, mesmo assim eu estou muito feliz.

            - Eu também Luciano!

            - E porquê está feliz?

            - Por vários motivos. Um deles é por estar perto de você e o resto já não importa mais.

            - Eu sei meu amor. Olhe só a cara do Coronel Fonseca!

            O sol já aparecia no pico da montanha. Com os seus raios quentes secavam o orvalho que estava nas folhas das árvores...

            - Estamos chegando Coronel! -  exclamou Carolina.

            O Coronel nem mesmo ouviu Carolina. Pois no levanta e cai que vinha amarrado na cauda do cavalo. Estava com muito ódio.

            - Está cansado Coronel? - indagou Luciano.

            - Seu desgraçado. Seu louco. Eu ainda vou te matar...

            - Que bicho  horroroso  é um  Coronel.  Está vendo  seu  Ramiro.   Mesmo  amarrado ainda é valente.

            - Eles são filhos do diabo.

            - Parece mesmo seu Ramiro - afirmou Carolina.

            Depois de uma longa caminhada, Luciano avistou  a casa do seu Aureliano que estava em cinzas. Contudo, o seu semblante entristecido se escondia atrás da alegria por ter derrotado o Coronel Fonseca. A sua vontade era poder voltar ao passado e encontrar ali o seu Aureliano e juntos comemorarem a vitória...

             - O quê está pensando querido?

            - Sinto saudades do seu pai meu amor. Gostaria que estivesse aqui para ver a cara do maldito Coronel. 

            - Esta é a ironia do destino, a vida sempre foi assim Luciano. Cheia de surpresas, dúvidas e saudades - relatou o seu Ramiro.

            Parados em frente ao curral, Luciano falou:

            - O mourão da porteira ainda está de pé.

            - Sinto que o meu pai está aqui Luciano.

            Luciano desmontou do seu cavalo e falou:

             - Carolina! Venha cá.

            - O quê vamos fazer com o Coronel, Luciano?  - indagou o seu Ramiro.

            - Vamos descansar um pouco seu Ramiro, enquanto o Coronel Fonseca cava uma sepultura.

            - Eu não vou cavar sepultura coisa nenhuma!

            - Não cavar porquê Coronel?

            - Não estou vendo nenhum morto!

            - Isso é Coronel. Contudo, pode aparecer um a qualquer hora. De modo que o senhor deve cavar a sepultura Coronel.

            - Mesmo assim eu me recuso de cavar essa tal sepultura Luciano.

            - Com esta brutal decisão sou obrigado a tomar uma outra atitude Coronel!

            - O que seu desgraçado. Por que não acaba logo comigo...

            - Está nervoso Coronel. Não é um bom sinal. Quando um Coronel fica nervoso, sempre morre alguém, não é isso Coronel? Seu Ramiro amarre o Coronel no mourão que restou da casa do seu Aureliano.

            Enquanto seu Ramiro amarrava o Coronel Fonseca no mourão, Luciano e Carolina saíram abraçados...

             - O quê vai fazer com o Coronel, meu amor?

            - Vamos apanhar um pouco de formiga para colocar nele. Quero ouvir o Coronel gritar.

            - Vai deixar que as formigas acabem com ele?

            - Não meu amor. Vou amarrar um pouco de dinamite no corpo dele...

            Depois que o seu Ramiro amarrou o Coronel no mourão, disse:

            - A fera já está amarrada no mourão Luciano.

            Luciano nem mesmo ouviu o que seu Ramiro falou. Pois estava perdido nos encantos de Carolina...

            - Não vejo mais nada de estranho em nosso caminho querida. Logo estaremos casados...

            - Não diz nada meu amor...

            E ali perto do casal, Luciano avistou três cruzes que marcavam os lugares que estavam sepultados seu Aureliano, a senhora Ana e o menino João Brito...

            - Veja meu amor. Lá estão as três sepulturas...

            - Eu os amei Luciano. Eu os amei...

            - Vamos levar um pouco de formiga para alegrar o Coronel Fonseca.

            De  modo  que  Luciano  e  Carolina colocaram muitas formigas no Coronel Fonseca, ali amarrado no mourão.

            - Seu Ramiro, acenda um fogo que vou colocar um pouco de dinamite no Coronel.

            - Que jeito estranho de matar uma pessoa Luciano!  Mas como se trata de um Coronel, deve ser assim!

             - Isso mesmo seu Ramiro. Ele é um Coronel?

             O Coronel agonizando com as formigas, mesmo assim perguntou:

            - Posso pedir uma coisa antes de ser executado Luciano?

            - Peça Coronel, peça o que bem desejar. Só que não pretendo ouvir.

            - Por quê não vai me ouvir Luciano? Está com medo de mim. Se você fosse um pistoleiro de verdade me convidaria para um desafio.

            Enquanto o Coronel reclamava, Luciano amarrava as dinamites no seu corpo dizendo:

            - Pode falar Coronel. Fale. Fique a vontade...

            Minutos depois o Coronel Fonseca parecia a um espantalho. Tinha dinamites presas por todo o seu corpo. O mais bonito era um rosário de dinamites em sua cabeça que parecia um coroa...

             - Luciano, você vai por fogo no Coronel?

            - Eu não Carolina. Vai ser outra pessoa.

            - Quem Luciano?

            - José. Ele está para chegar...

            Antes mesmo de Luciano terminar de falar, lá no caminho apareceram José, Raquel e Regina.

            - Não disse Carolina! Vamos nos assentar na sombra e contar a eles como tudo aconteceu...

            E lá debaixo do grande pé de xixá, na sua grande sombra...

            - Como foi lá Luciano? - indagou José com muita alegria.

            - Foi tudo bem meu amigo! Trouxe-lhe um presente.

            - Quê presente?

            - Um Coronel - interrompeu Carolina.

            - Coronel Fonseca. O quê matou o meu  avô?

            O fogo que o seu Ramiro tinha acendido já começava a aquecer o Coronel que gritava:

            - Meu ódio está aumentando Luciano. Eu vou virar um monstro e matarei todos vocês. Eu vou virar um monstro...

            - Pode virar Coronel. Estou te esperando. Vire o monstro que desejar. Pois os Coronéis já são monstros, não vai fazer nenhuma diferença...

            E assim que Luciano terminou de falar, aconteceu uma grande explosão e uma coisa estranha que vinha dos céus gritou:

            - Acabe logo com ele. Ele vira um monstro mesmo. E se ele virar esse monstro, o mundo estará perdido.

            José e seu Ramiro que estavam mais perto da coisa, ficaram pasmos e olhando sem sentido. Regina e Raquel correram com pavor do que viram. Carolina, no entanto, sacou do seu revólver e atirou na coisa e Luciano atirou nas dinamites que estavam amarradas no corpo do Coronel.

            - Obrigado mocinha, obrigado por ter me salvado - agradeceu a coisa que subia de volta aos céus junto agora com os pedaços do Coronel Fonseca.

            - Vamos querida. Esse lugar não serve mais para nós.

            Carolina questionou com ma forma diferente dizendo:

            - Eu sou deste lugar Luciano!

             - Eu sei querida. No entanto, podemos ir viver em um outro lugar.

            José ainda pasmo com o que tinha visto, seguia estrada afora em seu cavalo como se também tivesse morrido.    

            - Depois daquela coisa José ficou muito estranho!  - exclamou Regina.

            - Eu vi a coisa Luciano, eu vi...

            - O quê você viu José?

            - Não sei que coisa que era. Mas eu vi...

             - Para onde estamos indo Luciano? - indagou o seu Ramiro.

             - Eu é que vou seu Ramiro. Não quero dizer que o senhor tenha de ir também!

            - Já está muito tarde para sair por aí.

            - Não estou vendo nada tarde dona Raquel. Só sei que tenho de ir, não posso ficar nesse lugar.

            - Não estou entendendo o Luciano dona Raquel! - exclamou Carolina.

             - Tenha calma com ele minha filha. Logo tudo ficará bem...

            - José também está estranho dona Raquel. Acho que ele viu algo muito  terrível naquela coisa!

            - Calma Regina  - pediu seu Ramiro.

            - Se vocês não quiserem vir, eu estou de partida. Já vou Carolina. Vamos?

            - Não posso deixar o meu irmão nessa situação Luciano...

            - Vai com ele Carolina. Eu estou bem...

            - Você não está bem José. Vejo no seu olhar...

            - Estou minha irmã. Eu já estou bem. Vai viver o seu amor.

            - Só irei se formos todos juntos - relatou Carolina.

            - Vocês podem ir. Eu é que sou o problema  -  afirmou José.

            - Eu fico com você José.

            - Pode ir embora Regina. Eu não sirvo mais para nada. Eu nunca vou amar ninguém. Eu nunca amei e nem amarei...

            - Não fala isso seu desgraçado. Eu estava tão feliz e agora você me diz isso.  

            - Te peço perdão Regina. A coisa que eu vi, ela sempre me perseguiu em meus sonhos e dizia que o dia que eu tivesse um amor ela viria me buscar. Portanto Regina. Vai com eles... Eu estou com muito medo. Luciano! Leve todos para longe deste lugar Luciano. Eu estou com medo...

            José falava com o seu olhar que se perdia na estrada que já começava  escurecer...

            - Eu queria tanto ficar e ser feliz com você José. Mas esta maldita coisa que você foi ver tirou de mim o que eu comecei a amar.

            Regina tentava convencer o seu amor a ir com eles, no entanto, José relatou:

            - Se você continuar a falar comigo eu serei obrigado a matá-la.

            - Seria a melhor coisa José. Pelo menos acaba logo com isso. Vai seu nojento. Mate-me seu covarde...

            - Eu te mato mesmo. Eu te mato sua desgraçada - gritou José pulando no cavalo de Regina.

            - Não faça isso - gritou o seu Ramiro atirando em José.

            Carolina vendo o irmão ferido atirou no seu Ramiro, porém a senhora Raquel entrou na frente e levou o tiro.

            - Acabou Carolina, acabou  - dizia José morrendo.

            - Quem foi que você viu José? Hem meu irmão! Quem foi?

            - Era ela Carolina, era ela...

             - Ela quem José?  Fale seu idiota, fale comigo...

            E na ânsia da morte José disse:

            - A nossa avó Carolina. A nossa avó...

            E assim que José e Raquel acabaram de  morrer,  o  seu  Ramiro  sacou  da  sua  arma e  atirou  em Carolina, essa por sua vez atirou em seu Ramiro. Como os dois aram bem rápidos, morrem ali...

            - Desgraçada! Você matou o meu pai  - gritou aflita a linda Regina.

            Luciano assistiu tudo aquilo com muita naturalidade. Já não importava mais nada para ele. Viver ou morrer. Já não fazia sentido. Regina com expressão de desespero, com os cabelos soltos e os seus pés descalços, chorava a perda do seu pai e da sua mãe...

            - Eu sabia que eu nunca ia conseguir. Eu sabia...

             Luciano aproximou-se dela e perguntou:

            - O quê está querendo dizer Regina?

            - Sobre o meu pai Luciano. Ele nunca foi dono de nada na vida. Nós nunca tivemos fazenda coisa nenhuma. Era tudo mentira...

            Luciano olhando para a linda Regina disse:

            - Falaremos disso depois Regina. Vamos sepultar todos eles.

            Regina chorava enquanto via Luciano apanhar o corpo de Carolina e pondo-o na sepultura dizendo:

            - Sei que não me ouvi, contudo te peço perdão por não ter sido o que prometi. Não dependeu de mim. Desculpe...

            Em seguida Luciano colocou José no túmulo e disse:

            - Adeus amigo. Eu sempre notei que tinha uma coisa estranha com você, só não sabia o que era. Mesmo assim você era um cara legal....

            E numa sepultura maior, Luciano colocou os corpos de Raquel e seu Ramiro dizendo:

            - Quero que saibam que gostei muito de vocês, desejo que o sol de cada manhã venha aquecer este lugar. Prometo cuidar da  filha de vocês. Ah! Antes de cobri-los de terra quero que fiquem cientes de que o único amigo  verdadeiro que tive foi o Santos. Sinto saudades dele. Eu não acredito que os mortos falam e nem sei para onde vão. Mas, se por acaso se encontrarem com ele, deixe pra lá. Tá, diz que sinto a sua falta.

             E   depois   de    um    momento    de silêncio, Luciano falou:

            - Regina! Não quer se despedir dos seus pais?

            Regina com aquele corpo sedutor se enroscou no pistoleiro e falou:

            - O que eu queria dizer a eles já não importa mais...

            - Já que não importa Regina, cubra-os   o de terra.

            Enquanto Regina cobriu os seus pais de terra, Luciano preparava os cavalos...

            - Terminei Luciano!

            - Ótimo! Vamos embora para bem distante deste lugar.

            - Não acha que seria melhor a gente ficar por aqui? Juntando todas as fazendas seriamos ricos... E eu prometo que farei de tudo para te fazer o homem mais feliz da terra.

            - Muito gentil da sua parte Regina. No entanto, sinto que temos que ir. Não sei pra onde, mas sei que temos que ir...

            - Então vamos Luciano. É o meu dever acompanhar você por onde quer que vá.

            De maneira que Luciano e Regina seguiram rumo a Carinhanha e já lá pela madrugada eles chegaram e pousaram numa casa velha de propriedade de uma velha da voz rouca, que existia no barranco do Rio São Francisco.

            - Quê hora devo chamá-los?

            -  Não queremos ser incomodados senhora. Deixe a hora acontecer.

            Depois de tudo que aconteceu, Luciano e Regina se entregou um ao outro. Talvez para tentar esquecer. Ou quem sabe é assim mesmo as pessoas. Quem morreu, morreu. Quem está vivo tem mesmo é que aproveitar a vida. Pois a qualquer hora ela se via...

            - Mesmo com tudo que aconteceu eu sou a mulher mais feliz do mundo...

            Luciano acordando e ouvindo Regina falar, perguntou:

            - Já está de sol alto no céu?

             - Sim Luciano. E por sinal muito quente.

            - Então é hora de continuarmos a nossa viagem.

            - Para onde quer ir Luciano?

            - Quero conhecer o lugar onde você nasceu...

            Quando Luciano falou que queria conhecer o lugar que Regina nasceu, percebeu que o seu semblante pedia para que ele não fosse. Sentia que além da mentira da fazenda, ainda existia uma outra coisa...

             - Dormiram bem? - indagou a velha da voz rouca.

            - Bem obrigado senhora...

             - Isaltina. Esta é o meu nome.

             - Sou Luciano e esta é a minha esposa Regina.

             - Se quiserem tomar banho no rio, fiquem a vontade...

            Luciano e a sua linda Regina foram tomar banho nas águas do Rio São Francisco. E lá Luciano se perdia na alegria de ver o lindo corpo da sua amada...

            - Sinto que está muito feliz com a sua Regina filho!

            - A senhora percebeu?

            - Sim. Faz muito tempo que passou por aqui o homem e a mulher.

            - Esse homem disse que a senhora se chamava Josina.

             - Eu gosto de dar nomes diferentes às vezes...

            - E como vou saber o seu nome verdadeiro?

            - Isso não importa filho.

            - Eu ia ser genro dele por duas vezes.

            - E o quê aconteceu?

            - Tudo por causa dos Coronéis.

            - Toda desgraça no mundo é causada por Coronéis.

            Naquele momento Regina vinha chegando e com um beijo Luciano a recebeu dizendo:

            - Estamos aqui falando dos Coronéis meu amor?

            - E você filha! Onde deixou o seu Pai?

            - A senhora se lembra de mim?

            - Seu pai me contou toda a história.

            - E qual foi à história? - indagou Luciano.

            - Posso contar para o Luciano, Regina?

            - Claro senhora. Enquanto falam eu vou nadar mais um pouco.

            - Como ela é linda não é Luciano. Se não fosse filha de quem é, seria uma boa moça!

            - Não estou entendendo.

            - Você é muito bom Luciano. Lutou tanto. Ajudou tantas pessoas. Mas sempre foi um garoto sem maldade.

             - Não entendo o que a senhora está dizendo...

            - Santos era o meu filho. Porém não sabia quem era eu. Pois quando ele ainda era pequeno, fomos atacados pelos pistoleiros do Coronel José Pandeiro. Na luta o meu marido morreu e o Coronel José Pandeiro me levou para ser a sua mulher. Uma das empregadas do Coronel José Pandeiro criou Santos. Muitos anos depois eu matei o Coronel José Pandeiro e vim para essa região porque tinha vontade de encontrar o meu filho. Assim fiquei sabendo só há pouco tempo que estava casado com Joana. Logo depois soube da morte dele.

            -  E quanto ao Ramiro?

            - Um forasteiro, nem sei de onde era. Aproveitei a oportunidade para fazer ele apossar das terras de Santos. Assim eu iria viver lá com eles. Desta forma apagaria um pouco da minha dor.

            -  Vida desgraçada não é senhora?

             - O meu nome verdadeiro é Domitila Rodrigues.

            Mais um dia se foi. Luciano já sabendo de tudo não tinha pressa. Pois estava muito feliz com Regina.

            - Por quê está tão pensativo Luciano?

            - Pensando sobre o seu passado.

            - Ela não contou tudo a você meu amor? Então. Deixa a vida acontecer...

            Naquele momento que Luciano falava com Regina uns cavaleiros chegaram na velha casa de Domitila Rodrigues e gritaram:

            - Queremos beber, velha suja...

            A velha veio atendê-los e um dos pistoleiros falou:

            - Que linda mulher temos por aqui!

            - Gostaria de experimentar forasteiro?  - indagou Luciano.

            Um dos pistoleiros falou: 

            - O pistoleiro é valente.    Naquele momento a velha Domitila Rodrigues vinha trazendo uma garrafa de cachaça para os pistoleiros e um deles jogou a velha no chão. Luciano foi socorrer a coitada e no mesmo momento os pistoleiros laçaram-no. Regina com muita rapidez conseguiu tirar a arma de um dos pistoleiros e gritou:

            - Soltem os laços.

            Naquele momento e tiroteio começo. A velha Domitila Rodrigues morria e antes fazia um pedido ao Luciano:

            - Prometa que se casa com Regina e vai morar nas terras do meu filho? Prometa Luciano?

            - Sim senhora. Comprarei também uma mula e porei o nome de lancha-nova, e andarei pelos campos...

            Depois que a velha morreu Regina já tinha elimado com os pistoleiros e em seguida falou:

            - Será que não vai chagar o fim de tanta matança Luciano?

            - Vai meu amor. Um dia...

            O tempo passou, Luciano fez tudo aquilo que prometeu a velha Domitila Rodrigues. Onde era a casa de Santos, Luciano construiu uma enorme casa para servir como a casa grande. Vivia ali. Ele e a sua amada Regina. Andava sempre pela fazenda montado a sua linda mula lancha-nova. Até que um dia ele lá na floresta falou com ela:

            - Hoje o meu filho irá nascer lancha-nova. Será hoje um grande dia para mim.

            A mula turrava como se estivesse entendendo o que Luciano falava.

            - Ouça lancha-nova. Os lobos estão uivando.

            Um estranho vento assoprava rumo ao sul, e quando já à noitinha Luciano chegou na casa da sua fazenda, lá de longe via a opaca luz do candeeiro. E atrás dela ouvia uma criança chorar.

            - Não te falei que ele ia nascer!  - exclamou Luciano soltando a sua mula no pasto e entrando para sua casa.

            - Dina! É você?

            - Não Regina, sou eu - informou Luciano entrando no quarto e encontrou ali Regina amamentando o seu filho.

            - Veja Luciano, como ele é lindo! Parece com você...

            - Com você querida. Quê nome daremos a ele?

            - Que ele cresça e escolha o nome que desejar. Há tantas pessoas infelizes com os seus nomes.

            - Tudo bem meu amor. E como vamos chamá-lo até que ele cresça?

            Naquele momento a empregada entrou no quarto e disse:

             - Por que não o chamam de Miguel?

 

FIM