sábado, 29 de abril de 2023

A Herança João Rodrigues

 A HERANÇA

 

JOÃO RODRIGUES

 

Dois compadres moravam numa rua na periferia de uma cidade com as suas famílias.

Cada um em sua casa, que ficava uma em frente a outra.

De cada lado das casas existia um grande terreno onde cada ano eles faziam suas plantações.

No entanto, certo dia, um deles amanheceu balançando tranqüilamente em uma rede na varanda da sua casa.

De maneira que ainda era mês de junho, enquanto um cuidava da terra o outro estava lá naquela invejável rede a balançar.

E o tempo foi passando, mês de julho, agosto, setembro, outubro, novembro e quando chegou dezembro, aquele compadre que plantou a sua roça, já estava colhendo lindas espigas de milho. De sorte que o filho do homem que passou todo aquele tempo balançando na rede, veio até perto da cerca e falou:

- Marcelo, você pode me dar uma espiga de milho?

Antes mesmo de Marcelo responder, o seu pai falou:

 - Não dá nada pra ele não filho!

Nem mesmo foi necessário Marcelo falar, pois o triste olhar de Fábio denunciava o que já tinha escutado. E assim que Fábio chegou próximo do seu pai, ali naquela rede, desde o mês de meio, ele lhe falou:

- Não fique triste meu filho. O que tem de ser seu será.

E já noite na casa de Marcelo o seu pai falou:

- Ilma, faça uma gamela de mingau e um balaio de pamonhas. Vista a sua melhor roupa e arrume a minha melhor roupa e a melhor roupa de Marcelo. Pois temos uma visita a fazer.

 E assim a Ilma fez o que seu marido ordenou...

 - Já podemos ir Antônio.

 - Então vamos.

E logo ali do outro lado da rua, Antônio falou:

 - Compadre João!

- Entre pra cá compadre. Flávia. Temos visita!

- Viemos trazer um pouco de mingau de milho verde, e umas pamonhas pra gente comer compadre!

- Fico muito agradecido compadre. Vi a hora que Fábio foi lá na beira da cerca pedir uma espiga de milho, ai eu imaginei que o senhor viesse trazer a pamonha e o mingau prontos pra gente comer juntos. Fábio. Vai lá meu filho, apanhe aquela rede nova que comprei, e arme ela pro compadre Antônio.

E instantes depois os dois compadres batiam papo enquanto saboreavam as pamonhas e o mingau de milho verde.

- Sabe compadre Antônio. Desde o mês de maio eu estou deitado nessa rede, matutando na minha cabeça uma solução, e durante todo esse tempo o senhor foi a única pessoa que veio me visitar. E ainda trouxe pra mim e minha família, mingau de milho verde e pamonha.

- E que coisa é essa que o senhor está a matutar compadre?

- Uma herança compadre, uma fortuna em bens e dinheiro.

- Ué compadre, isso não é problema, e a solução pra isso é muito simples.

- Ta vendo só compadre. O senhor vai poder me ajudar. O senhor está lembrado daquele meu filho, o Daniel, aquele do meu primeiro casamento?

- Sim compadre, aquele que depois que a comadre Luiza morreu, ele foi pra Europa!

- Ta vendo só compadre, é o senhor mesmo que vai me ajudar.

 - Ajudar como compadre?

- Vou passar uma procuração pro senhor administrar os meus bens, e vou com Flávia e Fábio lá pra Europa vê se encontramos o Daniel.

- Se o senhor acha que vou dar conta do recado, pode contar com seu velho compadre aqui.

- Eu sabia que podia contar com o senhor compadre!

De modo que alguns dias depois, tudo já estava acertado. Antônio, seu filho Marcelo e a sua esposa Ilma, já estavam no comando de toda a fortuna que o compadre João tinha recebido de herança.

- Bem compadre Antônio, já que está tudo em ordem, acho que é hora de eu ver se encontro o meu Daniel, não vejo a hora de dar um grande abraço no meu filho!

- Com tanto tempo que ele foi pra lá, não vai ser fácil de se encontrar. Ou o senhor tem o endereço dele?

- Nem mesmo sei se está vivo compadre. Pois nunca me escreveu e nem ao menos telefonou.

- Telefonar como compadre, se nem telefone o senhor tinha!

- Isso é verdade compadre. Mas agora a gente tem, não é!

 - É. Agora a gente tem.

 De sorte que uns dias depois...

- Compadre João! Como é grande o tal de avião!

- É compadre, grande mesmo. E quando a gente o vê no céu, parece um passarinho...

De modo que os dois compadres se despediam no aeroporto. João agora com seu filho Fábio e sua esposa Flávia, ia ver se encontrava o Daniel, que por muito tempo estava pra Europa.

Contudo não ia ser fácil, pois nem mesmo tinham o endereço do rapaz.

E ficando com a fortuna em suas mãos estava Antônio, seu filho Marcelo e a sua esposa Ilma.

- Há essas horas o compadre João deve estar muito longe daqui.

- Se ta pai. Aquele avião voa muito rápido. Durante o tempo que a gente veio do aeroporto ele cortava o céu.

- É filho. Vamos ver um pouco de televisão, enquanto a sua mãe cuido do jantar!

- O senhor pode ver pai, pois eu vou dar uma saída.

- Vai com Deus filho. E toma muito cuidado com a rua. Aqui no centro da cidade é diferente de onde a gente morava. Tenha muito cuidado filho.

Marcelo se foi e o compadre Antônio ficou vendo televisão, recostado num confortável sofá.

Ao mesmo tempo em que via TV ele recordava dos últimos meses que preparava a terra para plantar a sua roça, enquanto via o compadre João balançar por meses naquela rede.

- Como é a vida. Hoje estou aqui nessa vida de rico!

Enquanto Antônio vagava em seus pensamentos, houve uma pausa no programa que a TV apresentava e uma notícia de última hora chegou:

- Um avião que sobrevoava o oceano atlântico rumo a Europa sumiu dos radares no meio do oceano. As autoridades têm como mortos todos os tripulantes.

Antônio ficou estarrecido com a notícia ao ver a lista dos passageiros que tinham morrido na tragédia, e lá estavam os nomes do seu compadre, comadre e do filho deles.

 - Ilma, o compadre João...

- Ouvi falar no rádio.

De maneira que dias depois, Antônio recebeu o dinheiro do seguro, pela morte dos três, se rico estava, ficou ainda mais rico.

O tempo passou sem sequer pedir opinião quem quer que seja e lá num determinado dia do futuro, o filho de Antônio, o Marcelo, estava administrando o grande império que se tornou a herança recebida de João, o compadre do seu pai, e ao atender um candidato ao emprego oferecido, esse era o filho do compadre João, aquele do seu primeiro casamento que morava na Europa.

De sorte que no dia seguinte, Marcelo falou ao seu pai, dizendo:

- O filho do seu compadre voltou papai, foi pedir emprego. Vamos contar a verdade a ele ou devemos matá-lo?

- Contar a verdade filho. Não somos assassinos.

- Vai ser mais fácil eliminar o coitado, do que dizer o que aconteceu. A dor vai ser menor.

Antônio ficou olhando pro filho e disse:

 - O que você pretende fazer, filho?

- Já marquei com ele amanhã lá no galpão do incinerador.

 - Que horas?

 - As dez da manhã.

 - Vai dar emprego a ele de incinerador?

- Não papai. Vamos incinerá-lo e assim não sobrar vestígios.

Antônio meio triste olhou pro filho e sem reconhecê-lo, falou:

- Está bem filho, mande o motorista me apanhar amanhã.

 Marcelo deu um beijo na face do pai e disse:

- Boa noite pai, vai ser melhor assim.

Mais uma vez Antônio ficou olhando o filho ir, sem conformar com aquilo, murmurou:

 - Que mostro virou o meu filho!

Na manhã seguinte Antônio tomava o café da manhã e de repente a sua criada falou:

- Tem um senhor aguardando o senhor lá fora.

 - Mande-o entrar Paula.

De modo que para surpresa de Antônio era o seu compadre João que acabava de chegar e dizendo:

- Compadre! Como foram duros esses anos, foram muitos dias nadando naquele mar frio e salgado. O menino e a mulher não resistiram, mas eu nadei muitos quilômetros, e já em terra firme, procurei meu filho por toda Europa. De modo que fiquei sabendo que ele voltou pra cá, ele já chegou compadre?

Antônio ficou por alguns minutos em silêncio e logo em seguida falou:

- Já compadre, o seu Daniel já chegou.

- Graças a Deus que meu filho está vivo compadre. O senhor não imagina que alegria me dá.

- Sente um pouco e toma seu café compadre, a casa é sua.

Com muita alegria o compadre João se sentou à mesa e em seguida falou:

- E a comadre Ilma?

- Não está mais em nosso meio.

- Sinto muito compadre! E Marcelo?

- Já se casou compadre. Eu acabei ficando sozinho.

 Naquele instante Paula falou:

- O motorista já está esperando o senhor.

- Já estamos indo Paula. Vamos compadre, ver o seu filho Daniel.

E quando eles chegaram ao galpão, Antônio viu o seu compadre João abraçar o Daniel, naquele momento Antônio deu uma arma para o compadre João, e disse:

- Atire em mim e no meu filho compadre, pois nós íamos matar o seu filho Daniel.

- Que é isso compadre, a minha família são vocês, me dê um abraço, venha você também Marcelo.    FIM

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