sábado, 29 de abril de 2023

A Lágrima João Rodrigues

 A LÁGRIMA

 

JOÃO RODRIGUES

 

            Foi muito triste ouvir o que diziam dentro daquela casa...

            - Não! Saiam todos daqui, saiam...

            Sei que falavam como se estivessem mandando as pessoas saírem para nunca mais voltar...

            - Calma meu amor! Calma...

            A voz de um homem abatido tentava acalmar alquém que parecia estar sentindo uma dor infinitamente triste.

            - O que foi mesmo que aconteceu? - indagou um homem que acabava de chegar.

            - Não sei senhor - informou outro ainda mais contrito.

            - Foi um acidente - informou uma mulher passando a mão sobre o seio como se estivesse tentando amenizar a dor que sentia.

            - Um acidente? - indagou um rapaz que acabava de chegar.

            - Acidente, como?

            - Não sei rapaz.

            - Sim, foi um acidente - confirmou a mulher.

            - Eu sabia que isso ia acontecer! Era como se estivesse vendo. Eu sabia.

            Todos olhavam a rapaz que se dirigiu ao dono da casa falando:

            - O meu nome é João Batista, seu Ernesto, eu sou filho de Margarida, o senhor se lembra de mim?

            O homem muito triste olhou para o João Batista e disse:

            - Sim, João Batista, como está a sua mãe?

            - A última vez que a vi estava tudo bem.

            - E por onde esteve João Batista?

            - Estive viajando, lamentei deixar a minha mãe sozinha, mas tive negócios a tratar...

            - Pois é João Batista, tudo aconteceu muito de repente...

            - O que se deu mesmo?

            - Ela caiu dentro da cisterna, quando a encontramos já estava morta...

            João Batista olhou para o corpo de Neusa que estava ali sobre a cama sem vida, e revoltado disse:

            - Não! Não posso acreditar no que estou vendo.

            - Tenha calma, João Batista, Odete vai arrumar o corpo dela e depois colocá-lo na mesa da sala para que todos possam despedir-se dela, da minha linda Neusa.

            Muitos que ali já estavam, olhavam de maneira estranha para João Batista, até parecia que na fazenda Queixada de Porco alguma coisa estava muito diferente.

            - Não pode ser, ela não podia morrer! Não podia...

            João Batista continuava murmurando, parece que algo muito importante estava para ser revelado, uma vez que ele não concordava com aquilo...

            A noite já estava chegando e João Batista parecia conversar com alguém que estava invisível ali do seu lado, sofrendo a mesma dor. Contudo ele disse:

            - Um dia ela me disse que tudo ia ser bonito, que íamos viver juntos, que ia ser lindo, que seríamos felizes. E agora que estava começando dar certo vejo que chegou o fim. Não devo concordar, não posso concordar.

            João Batista dizia tudo àquilo com muito pesar e dor...

            - É, vou embora, vou para nunca mais voltar aqui...

            Seu Ernesto foi até a porteira do quintal da casa e falou:

            - João Batista, volte aqui meu filho, volte.

            - Não senhor, eu não posso, o que quero agora é poder ir, ir...

            - Ir para onde João Batista, para onde?

            - Não sei senhor, eu quero esquecer, esquecer de que amei uma pessoa e de repente a encontro morta, não posso, não...

            - Como filho, o que não pode.

            - Eu não quero que o senhor entenda o que estou fazendo.

            João Batista montou em seu cavalo e se foi, deixando ali o corpo da sua amada e um olhar triste do seu pai.

            - Ele não pôde falar - relatou o senhor Ernesto olhando para o corpo da filha sem vida estendido naquela mesa.

            - Fique calmo querido, calmo, isso não é da nossa conta! - Exclamou Odete, esposa do senhor Ernesto, por sua vez a mãe da linda Neusa que partiu tão jovem, deixando apenas nas mentes de todos o seu lindo e incomparável sorriso.

            João Batista seguiu estrada afora, carregando consigo a sua dor e contestando o seu Deus pelo que estava acontecendo, pois como poderia acontecer tamanha injustiça, tamanha crueldade, pois o João Batista relatava:

            - O senhor foi muito ingrato, meu Senhor, ela era tão jovem! Merecia ser feliz, será que não era para ser minha, meu Senhor, então! Porque não me disse que ia acontecer esta coisa horrível?

            João Batista agora tentava encontrar uma explicação para tudo que lhe acontecer nos últimos tempos.

            - João Batista está chegando papai...

            - Ha essa hora algo estranho deve ter acontecido a ele.

            - Vejo que está mesmo, deve estar carregando algo muito pesado...

            - É Luzia, você está coberta de razão - relatou João Batista se assentando num banco e dizendo:

            - Tudo acabado, tudo acabado...

            - O que está acabado meu filho? - Indagou Paulo olhando o filho com ar de tristeza.

            - Sim pai, tudo acabado.

            Margarida assentou-se perto do filho e disse:

            - Você não falou o que lhe aconteceu filho, saiu tão feliz e agora chega com esta dor, o que foi meu filho?

            - Foi ela mamãe, ela se foi...

            - O que é isso meu irmão, você sempre forte, e agora com essa tristeza...

            - É Luzia, a coisa é muito difícil, a gente, a gente não sabe a hora que ela vai chegar, não mana, não sabemos a hora que a maldita lágrima vai chegar...

            - Então diz o que aconteceu meu filho! - Exclamou Paulo se sentindo contrito pela dor do filho.

            - Foi a minha namorada, papai, ela morreu...

            - O quê! Neusa! - Exclamou Luzia dizendo:

            - Tão jovem! Como isso foi acontecer meu irmão?

            A senhora Margarida olhou para um canto e disse:

            - Ela é assim, nunca avisa quando vai chegar...

            - A senhora tem razão mamãe, ela é mesmo assim, o sorriso alegre que ela tinha. De repente ficou mudo.

            - O que vai fazer João Batista?

            - Não sei Luzia, não sei! Não encontro uma saída.

            - Não é bem assim meu filho, não é bem assim.

            - Como não é bem assim mamãe?

            - Logo que a lágrima passar tudo voltará ao normal. A vida é assim, a morte cega sega a vida e a vida sega quando se sega com a morte sega também sega pela morte logo sega o desejo, assim você irá gostar de outra pessoa.

            - Não mamãe, nunca irei me separar de Neusa, nunca...

            - Não depende de você filho. Isso é uma coisa que depende de muitos outros pontos de vista, de muitas outras coisas, não depende de você...

            - Do  quê coisa a senhora está falando mamãe?

            - De coisas estranhas filho - interrompeu Paulo notando que nada estava bem com o seu filho.

            - Sinto que o senhor está triste papai, a dor é minha...

            - Sei filho, mas também a sinto.

            - Luzia, no que está pensando?

            - Pensando besteira, papai!

            - Acho que devemos ir para enterro de Neusa, relatou triste a senhora Margarida.

            - Não sei mamãe, o que o senhor acha papai?

            - Devemos ir sim fim, esta é a hora de darmos apoio a família dela.

            - Mas aqui para nós...

            - O que quer falar Luzia? - indagou João Batista dizendo:

            - Sei que o meu namoro com ela era praticamente às escondidas, porém, ela devia ter contado tudo a senhora Odete.

            - É, isso é.

            - O que está querendo dizer mana?

            - Nada meu irmão, deixa pra lá.

            - Esse não é o momento de ficar falando coisa por coisa, esse não é o momento...

            - Sei mamãe, só sei que não é assim.

            - Mesmo que fiquem aí a falar, acho que esse é o momento de nos preparar para acompanharmos os últimos momentos dela...

            - Paulo está coberto de razão.

            - Eu também acho mamãe, podemos ir.

            - Vejo que temos que ir...

            - Sim Luzia. Vou apanhar os animais - relatou Sebastião o empregado da família.

            - Pega o meu burro baio Sebastião - pediu João Batista.

            - Sim, patrãozinho.

            Enquanto o criado foi apanhar os animais, a família Martins se preparava para dar o último adeus a filha da família Ferreira, que se escondia assim por trás de uma cortina de trevas deixando para todos um tapete banhado de lágrimas.

            - Mesmo assim não consigo entender mamãe, o que está acontecendo.

            - O quê está sentindo filha?

            - Não compreendo mamãe, estou me sentindo como se estivesse saindo para uma grande festa.

            - Deve ser algo que lhe começa a sorrir minha irmã - argumento João Batista tentando amenizar um pouco da sua dor, pois abraçou Luzia e disse:

            - Hoje é o meu dia de lágrimas.

             Luzia meio triste falou:

            - Sei que o meu dia irá chegar...

            - Não só o seus, mas como o de todos nós, o meu não está tão longe assim.

            - Não sei por que se sente assim mamãe - relatava João Batista tentando aliviar a tristeza da mãe.

            - Por que não param de falar de lágrimas - relatou o senhor Paulo, contudo não conseguia esconder a grande dor que parecia chegar a qualquer momento.

            - Senhor Paulo, os animais estão prontos.

            - Obrigado Sebastião, não deixa de cuidar dos outros animais.

            - Certo senhor, terei cuidado.

            - Sebastião, Anita já se arrumou?

            - Não senhora Margarida, nós não vamos.

            - Então cuida da casa até eu voltar.

            O sol começava se esconder por entre as árvores e João Batista seguia como se estivesse se naufragando em um rio de lágrimas, indo ver pela última vez a mulher que na verdade nem mesmo tinha tocado nela, e mesmo assim ela já partia para o além...

            - Como se sente meu irmão? - indagou Luzia percebendo a dor de João Batista.

            - É mana, se eu soubesse desta tragédia, eu teria me casado com ela desde o ano passado.

            - E porque não se casou?

            - Você mesma é testemunha da minha condição.

            - Fraqueza sua seu covarde. Vocês homens são muito medrosos, perdem as oportunidades na vida.

            - Isso é minha irmã, mas por outro lado não tinha nada a ver, ela não devia morrer.

            - Por que não tinha nada a ver. Por que ela não tinha que morrer?

            - Sim, se ao menos eu tivesse dado a ela um momento de alegria, mas não deu, não deu tempo...

            - Eu entendo meu irmão...

            Luzia ficou por algum tempo pensativa, tentando entender o que o irmão queria dizer. Contudo relatou:

            - João Batista, veja como é lindo quando a lua vem saindo.

            - É mesmo Luzia, é mesmo muito bonito, não consigo entender este mundo de ilusão, ai, ai, ai, eu sei que fui usado, verdadeiramente em vão, amando e sendo amado, recebendo nos sonhos de ilusão, pois está dentro de mim, secando o meu amor, tirando de certa forma, a paz e pondo a dor, pode me chamar de fraco, esquecendo o meu valor, me cobrando o que não devo, exigindo o pagamento, pois eternamente vou, relatar meu sofrimento, ai, ai, ai.

            - Se eu fosse você não ficava assim João Batista.

            - Sei que você não está sentindo o que sinto minha irmã, mas, de certa forma sei que sente o que eu quis dizer.

            - Sim, enquanto você cantava, eu observava a lua, parecia que ela também sente a sua dor.

            - Pois é mana, quando olho para a lua me vem na mente aqueles momentos que passei do lado de Neuza. Ah! Como foi bom, era uma noite de luar que fizemos juras, juras de amor, daria tudo para voltar atrás.

            - Como foi que tudo começou João Batista, uma vez que nunca demonstrou tal coisa?

            - O mundo é cheio de segredo minha irmã, você guarda os seus, eu guardo os meus, o mundo é assim, cheio de segredos.

            - É. Isso é verdade, eu mesma não tenho lá esses segredos, mas os poucos que tenho já me balançam...

            João Batista olhou para o corpo sedutor da irmã, que estava justamente na idade de Neusa, e em seguida falou:

            - É querida, olho pro seu corpo e me faz pensar na pobre Neusa, a minha Neusa. Eu não sabia que tudo ia acontecer, nunca imaginei que fosse chegar aonde chegou, a esse triste mar de lágrimas.

            - O que você gostaria de fazer com ela?

            - Não minha irmã, isso não, não tanta intimidade com você, e nem mesmo com ela, mas o que eu gostaria de fazer agora era estar com ela numa rede estendida numa romântica varanda, e poder sentir o seu corpo ao meu, e se nesse momento a minha voz não sumir eu queria dizer em seus ouvidos o quanto te amo.

            Luzia procurava entender o que o seu talvez da maneira que ele falava de modo que relatou:

            - Compreendo meu irmão.

            João ficou olhando a irmã que cantava:

            - Eu preço a Deus eu preço, que não faça isso comigo, eu peço a Deus, eu peço. Para ser sempre meu amigo, eu peço a Deus eu peço que não me deixe perder, o meu amor sofrer a dor da saúde sem valor, eu peço a Deus...

            - Você está cantando Luzia, é como se isso quer dizer que Deus não vai tirar o amor da sua vida, você é mulher eu sou homem.

            - O que tem a ver uma coisa com outra meu irmão?

            - Tem sim, sempre teve.

            - Não sei o que, tudo é a mesma coisa.

            - É Luzia, você tem razão, é que devo estar procurando alguma justificativa para o que aconteceu a mim.

            Já tinha algum tempo que eles viajavam, Paulo e Margarida tinham seguido na frente.

            - Vamos acompanhar papai e mamãe meu irmão?

            - Vamos minha irmã.

            De modo que dispararam os seus cavalos e logo acompanharam os seus pais que esperavam os seus filhos assentados num velho tronco à beira do caminho apreciando o luar e até pareciam recordar de algum momento especial no passado deles...

            - E aí meu filho, melhorou um pouco, escutei você cantando...

            - Cantei pai, cantei tentando esconder a lágrima, vamos acabar de chegar.

            - Já está perto filho.

            João olhou para a mãe e disse:

            - Está se sentindo cansada mãe?

            - Um pouco filho – Margarida respondeu o seu filho demonstrando um pouca triste, até parecia que estivesse lembrando-se de alguma coisa que ficou longe no seu passado, dizendo:

            - Que lua bonita hem Paulo.

            - É Margarida, muito bonita...

            Os quatro seguiam em destino ao velório da linda Neuza que se despedia desta vida. Ao se aproximar da casa de longe avistaram uma grande fogueira que a sua claridade iluminava o corpo frio de Neuza e no mesmo instante parecia brilhar os seus olhos sem vida. Via-se nos olhos de todos ali a fria lágrima que não parava de jorrar como uma vertente de sofrimento que não parava de brilhar diante do fogo.

            - Quanta tristeza Paulo...

            - É Margarida, muita tristeza.

            - Sei que é triste perder alguém, e ainda mais triste é perder uma filha quando ainda, pois não tenha se realizado na vida, como deve ser essa dor.

            - É mamãe, vamos, anime-se.

            - Luzia aconselhava a mãe dizendo:

            - Calma mãe, foi só uma jovem que morreu.

            João Batista não quis entrar na casa, parecia que não devia, pois sua intenção era ficar ali perto da grande fogueira, pois girando ao redor do fogo e cantava:

            - Eu voltei para te ver, eu voltei para te encontrar, se não puderes vir me ver, diz como posso te achar, venha e fale comigo, Venha amor, venha, quero sentir o seu calor, venha amor, quero sentir o seu calor, se puder , venha aliviar a minha grande dor, se puder venha tirar de mim a tristeza, venha minha nobreza...

            Paulo ficou olhando e ouvindo o filho cantar, que rodando ao lado da fogueira ele até parecia se misturar com o fogo, pois inquieto disse:

            - Cuido com o fogo meu filho!

            - Fique tranqüilo papai, eu estou bem, pois pelo amor que sinto por ela não me importo de me transformar em cinzas, eu quero falar com ela, eu quero falar com ela, de qualquer forma.

Todas as pessoas que ali estavam vieram para perto da grande fogueira, e assim deixaram que o corpo de Neuza já repousasse dentro de um negro caixão, onde encerrava a grandeza e a vaidade, onde ficava eternamente o orgulho, onde ali não existia mais vaidade e hipocrisia.

- Não estou com medo, eu quero você, eu quero.

            João Batista falava e gritava:

            - Eu quero você Neuza, eu te amo. Oh! Meu Deus, não me deixa sem ser escutado, eu quero ver o meu amor, eu quero falar com ela, eu quero, e gritava desesperado.

            Chorando e ouvindo o lamento do irmão a linda Luzia desejava ser Neuza para não ver o seu sofrimento...

            - Eu quero falar com ela, eu quero.

            - Não sofra assim filho – relatou a senhora Odete dizendo:

            - Não sabia que ele gostava tanto da minha filha, eu não sabia.

            Paulo não falou mais nada com João Batista, só observada o amor que o seu filho tinha por aquela jovem.

            - Meu senhor Deus, eu quero falar com ela - relatava João Batista.

            - Não fique assim filho – relatou o senhor Ernesto.

            João Batista saiu correndo até e sala onde no preto caixão estava a sua Neuza e como ali não tinha ninguém ela falou com ele e depois ele saiu desesperado e se jogou na grande fogueira e o fogo te consumindo ele cantava uma canção:

            - Obrigado senhor, quanto te agradeço, eu falei com ela, estou indo ao seu encontro, obrigado Senhor, por ter me tirado da lágrima, da lágrima...

            Todos ficaram sem saber o que fazer, Luzia olhava para o resto que o fogo deixava do seu irmão, e de certa forma vendo o que estava acontecendo, pois o que ela mais queria era ver o seu irmão feliz, de modo que ela disse:

            - Adeus meu irmão, seja feliz com ela.

            E todos se ajoelhavam apreciando o fogo azul que se formava numa espécie de pessoa que subia para os céus se encontrando lá muito distante com outra chama que caia em forma de uma lágrima, e assim todos gritaram:

            - Vejam! A Lágrima...

De modo que ao voltarem na sala não encontraram ninguém dentro do caixão, Neuza não estava lá...

            - Não tem ninguém aqui! – exclamou o senhor Ernesto surpreso com o que tinha acontecido.

            Luzia estava lá no terreiro de olhos fixos nos céus e disse:

            - Não estão vendo que ela veio buscar o seu amor, olhe pros céus...

            - Não tem nem jeito dele na fogueira...

            - Eles já estão longe gente, muito longe daqui! - Exclamou o seu Paulo abraçando a filha e dizendo:

            - Tudo por amor...

            - Sim, papai, por amor.

            E durante toda aquela noite eles ficaram olhando pros céus se despedindo de dois seres especiais que se amavam incondicionalmente que estavam até mesmo acima da morte e dos mortais...

 

Fim

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