sábado, 29 de abril de 2023

O Rio Seco João Rodrigues

 O RIO SECO

 

JOÃO RODRIGUES

 

         Nas brenhas do sertão, o menino Marquinho procurava se encontrar andando na terra fofa, feia e acinzentada que cobria um grande canal sem vegetação.

         - O que será que fez este lugar ficar assim!

         Marquinho murmurava consigo, mas...

         - Aqui tem um rio.

         - Quem está falando? Quem está falando?

         - A voz do tempo, a voz do tempo...

         - O que a voz do tempo diz pra mim, o que a voz do tempo...

         Marquinho começou compreender que o que queria dizer a voz era que naquele lugar tinha um rio, porém no passado e para ele a voz do tempo não tinha passado e nem presente, mas, o que seria o tempo? Que sem boca, sem mão, sem braços, sem olhos, sem coração e mesmo assim falava, gritava. O que queria, até mesmo dizia:

         - Eu sou o tempo, vivo a esperar. Eu retrato o passado, tudo, muitas coisas que vejo. Sou o Tempo, não consigo parar, sou muito grande...

         E quando o tempo falava, Marquinho resolveu perguntar:

         - Tempo, eu quero te conhecer, quero falar com você, quero sentir sua presença.

         E na mágica caminhada de Marquinho, lá num canto daquele lugar, surgiu um menino, ou era um homenzinho que disse:

         - Olá Marquinho, você é que quer me conhecer?

         - Sim, eu que quero.

         - Então, se quiser de verdade venha e fale o que desejar.

         Marquinho mais do que nunca se assustou com a presença do homenzinho e disse:

         - Mas você é de verdade!

         - Meu nome é tempo, vim ao mundo para marcar as coisas.

         - Marcar as coisas como?

         - Sim, marcar as coisas, o tempo das coisas...

         - E já marcou o tempo de alguma coisa?

         - Sim, aqui onde estamos foi um grande rio.

         - E pra onde ele se foi?

         - Ele se acabou com o tempo.

         - Como? Não estou entendendo, acabado por você! mas você não está aqui! Faça ele voltar!

         - Sim, acabado é o modo de dizer. Na verdade, eu não acabei com ele. Não, contudo eu gostaria de ser como você!

         - Por quê?

         - Sei lá,

         - Viver matando o tempo das coisas, que deve ser muito difícil!

         - Não vejo nada difícil, cada coisa já vem com o seu tempo.

         -  Então eu tenho meu tempo?

         - Não estou sabendo explicar, acho que vou embora...

         - É melhor mesmo Tempo, eu não gosto de ser enganado.

         - Mas não estou lhe enganando.

         - Acha que não? Dizendo que cada coisa tem o seu tempo, onde estaria por acaso o meu tempo?

         - Não sou eu. Você mesmo fará o seu tempo.

         - Isso é que não entendo. Não vai dar para continuar discutindo com você. Parece ser muito rude.

         De modo que Marquinho deixou o Tempo conversando sozinho lá naquele canto, e se foi...

- Engraçado! O Tempo é mesmo muito ruim, ele faz o tempo de tudo. Ele fez o tempo do rio que agora já não existe que sem as suas águas chora na dor de não poder saciar a sede de alguém e quem de quem teria saciado.

         - Oi Marquinho, por que está falando sozinho?

         Marquinho olhou pros lados e não conseguiu ver quem na verdade estava falando...

         - Quem é você, e o que quer de mim?

         - Eu sou o passado.

         - Passado! Mas você é invisível?

         - Não.  Dê uma olhada neste ramo seco.

         E quando Marquinho olhou para o ramo seco, surpreso falou:

         - Nossa! Como você é pequeno, imaginei que fosse maior você é muito pequeno.

         - Sei, no início eu também ficava meio triste. Mas, agora já vivo conformado com o meu tamanho.

         - E porque se conformou com o seu tamanho?

         - Já imaginou se eu fosse grande? Como iria ser difícil para as pessoas...

         - Compreendo Passado, mas eu gostaria que você falasse do passado pra mim.

         - Quer que eu fale um pouco de mim para você?

         - Não Passado, quero que fale do passado deste lugar.

                   - Ah sim, aqui um dia foi um grande rio...

         - Um grande rio! E para onde foi esse rio?

         - Se foi no passado.

         - Você bebeu o rio?

         - Não, eu não. O passado do rio.

         - Ah sei. Então todos têm seu próprio passado?

         - Sim, isso mesmo.

         - Então você é um passado de alguém?

         - Não, eu sou o próprio passado.

         - Assim você está querendo me dizer que existem muitos passados?

         - Sim Marquinho, e, acho que você deve continuar a sua viagem.

         - E pra onde estou indo?

         - Não sei Marquinho, mas deve ir se encontrar com o futuro.

         - Aonde irei me encontrar com o futuro?

         - Siga em frente, logo você estará com ele.

         Marquinho ficou meio triste quando olhou novamente pro galho seco e viu que o passado já tinha desaparecido.

         - Engraçado, o passado sumiu!

         - Do que está falando Marquinho?

         Marquinho olhou para o lado que veio a voz e avistou um menino magro que tinha os seus olhos verdes...

         - Olá, quem é você?

         - Sou o futuro, e vim falar com você.

         - Falar comigo? O que?

         - Sobre o rio que você está dentro.

         - Mas o rio está seco!         

- Sei, mas logo ele irá se encher.

         - Como? Nunca mais choveu neste sertão!

         - Mas vai chover. Primeiro você deverá falar com a esperança, ela se encarregara ou lhe dirá o que fazer.

         - Vamos andando comigo futuro.

         - Sim, vamos, mas não quero ir muito longe...

         - Por quê?

         - Nunca se pode prever o futuro, por isso não posso ir muito longe com você.

         Marquinho falava com o futuro seguindo rio acima, quer dizer, o lugar do rio, mas, na verdade não era rio.

         - Sabe futuro, eu tenho muita vontade de poder encontrar este rio, mas, não sei como, como será?

         - É só você falar com a fé.

         - Fé, o que é a fé?

         - Ela mesma lhe dirá a hora que vocês se encontrarem.

         - Mas como vou me encontrar com ela se não tenho o seu endereço?

         - O endereço, nós não temos isso.

         - Mas como vou encontrar com...

         Bem antes mesmo de Marquinho ouvir a resposta do futuro ele já tinha ido embora.

         - Futuro, onde esta você, eu quero falar com você!...

         De modo que Marquinho começou a chorar...

         - O que está fazendo ai menino, está chorando?

         - Eu sou Marquinho, estou muito triste.

         - Triste por que não tem namorada?

         - Que é isso! Num lugar deste e você vem Falando de namorada!

         - Sim, afinal gostei de você.

         - Gostou de mim? Uma pessoa estranha como eu, chorando, e você ainda vem dizer que gostou de mim, está querendo dizer que sou um idiota.

         - Não menino, você é um ser humano. Que por sua vez, é passivo de erros, às vezes chora por algum erro de interpretação.

         - Pois é, o meu nome é Marquinho, e o seu?

         -  Sou a Fé.

         Quando a Fé falou que era a Fé, Marquinho caiu nos braços dela e disse:

         - Querida Fé, será que deverei falar com a minha amiga a que ouvi do futuro?

         - Sim, claro que pode. O que quer falar?

         - O Futuro falou que o rio ficaria cheio assim que ele fosse embora.

- Mas quem iria encher o rio?

         - Ele falou na Esperança, e depois falou na Fé, quer dizer, em você. Mas o que não entendo é quem na verdade vai encher o rio, será você ou a esperança?

         - Vou lhe explicar.

         De maneira que a Fé começou falar:

         - A Fé que sou eu, é o firme fundamento...

         - E o que é a esperança?

         - Sim, o conceito de...

         - Sei que eu estava mesmo pensando nesta maneira de pensar.

         - Mas não está dando pra entender, Marquinho.

         - O que não está dando?

         - Você está falando de uma maneira estranha, o que quer mesmo saber?

         - Nada Fé. Eu quero mesmo é ver este rio cheio. Assim serei um menino feliz de saber que toda esta relva que está do seu lado poderá sorrir quanto a mim.

         - Sim Marquinho, isso você conseguirá como o futuro disse.

         - Sim, o Futuro falou que eu ia estar com você, e depois quem ia na verdade fazer com que o rio se enchesse seria mesmo esperança.

         Quando Marquinho falou em esperança...

         - Existe alguém falando o meu nome?

         - Marquinho, eu sou Marquinho, quero que você encha o rio...

         - Não posso, eu não posso...

Marquinho olhou pro lado e tentou encontrar com a Fé, porém essa, no entanto, já tinha partido.

         - Esperança, foi o Futuro que me disse que você poderia encher o rio, eu quero o rio cheio, eu quero, quero, quero...

         Marquinho se deitou na terra fofa, e chorava...

         Em poucos minutos o sertão estava na verdade coberto de grossas nuvens e logo começou a chover.

         - Na mesma hora que chove você se encontra com a felicidade - argumentou a esperança.

         Marquinho, meio triste por não ter conseguido se encontrar pessoalmente com a esperança, gritou:

         - Obrigado esperança, você foi muito legal, muito obrigado.

         Logo, todo aquele sequidão estava em estado de alegria, pois a água já começava a correr, fazendo ver que ali existia um grande rio, e que muitas pessoas foram felizes, e que agora por sua vez, voltariam a ser.- Obrigado esperança, você foi muito importante pra mim, muito obrigado, nunca irei me esquecer de você!

         De modo que a esperança se foi e Marquinho já descia rio abaixo cantando uma linda canção:

Eu estava triste

O rio estava seco

Saí a lastimar

Mas como o tempo existe

Eu voltei a cantar,

Do tempo e o passado

O futuro chegou

Sai a procurar

Meu corpo já cansado

Mas estou a cantar,

Assim estou feliz

Cantando a canção

E agradecendo a Deus

Obrigado meu Senhor,

 

Meu Senhor.

FIM

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