O RIO SECO
JOÃO RODRIGUES
Nas brenhas do sertão, o menino Marquinho procurava se encontrar andando na terra fofa, feia e acinzentada que cobria um grande canal sem vegetação.
- O que será que fez este lugar ficar assim!
Marquinho murmurava consigo, mas...
- Aqui tem um rio.
- Quem está falando? Quem está falando?
- A voz do tempo, a voz do tempo...
- O que a voz do tempo diz pra mim, o que a voz do tempo...
Marquinho começou compreender que o que queria dizer a voz era que naquele lugar tinha um rio, porém no passado e para ele a voz do tempo não tinha passado e nem presente, mas, o que seria o tempo? Que sem boca, sem mão, sem braços, sem olhos, sem coração e mesmo assim falava, gritava. O que queria, até mesmo dizia:
- Eu sou o tempo, vivo a esperar. Eu retrato o passado, tudo, muitas coisas que vejo. Sou o Tempo, não consigo parar, sou muito grande...
E quando o tempo falava, Marquinho resolveu perguntar:
- Tempo, eu quero te conhecer, quero falar com você, quero sentir sua presença.
E na mágica caminhada de Marquinho, lá num canto daquele lugar, surgiu um menino, ou era um homenzinho que disse:
- Olá Marquinho, você é que quer me conhecer?
- Sim, eu que quero.
- Então, se quiser de verdade venha e fale o que desejar.
Marquinho mais do que nunca se assustou com a presença do homenzinho e disse:
- Mas você é de verdade!
- Meu nome é tempo, vim ao mundo para marcar as coisas.
- Marcar as coisas como?
- Sim, marcar as coisas, o tempo das coisas...
- E já marcou o tempo de alguma coisa?
- Sim, aqui onde estamos foi um grande rio.
- E pra onde ele se foi?
- Ele se acabou com o tempo.
- Como? Não estou entendendo, acabado por você! mas você não está aqui! Faça ele voltar!
- Sim, acabado é o modo de dizer. Na verdade, eu não acabei com ele. Não, contudo eu gostaria de ser como você!
- Por quê?
- Sei lá,
- Viver matando o tempo das coisas, que deve ser muito difícil!
- Não vejo nada difícil, cada coisa já vem com o seu tempo.
- Então eu tenho meu tempo?
- Não estou sabendo explicar, acho que vou embora...
- É melhor mesmo Tempo, eu não gosto de ser enganado.
- Mas não estou lhe enganando.
- Acha que não? Dizendo que cada coisa tem o seu tempo, onde estaria por acaso o meu tempo?
- Não sou eu. Você mesmo fará o seu tempo.
- Isso é que não entendo. Não vai dar para continuar discutindo com você. Parece ser muito rude.
De modo que Marquinho deixou o Tempo conversando sozinho lá naquele canto, e se foi...
- Engraçado! O Tempo é mesmo muito ruim, ele faz o tempo de tudo. Ele fez o tempo do rio que agora já não existe que sem as suas águas chora na dor de não poder saciar a sede de alguém e quem de quem teria saciado.
- Oi Marquinho, por que está falando sozinho?
Marquinho olhou pros lados e não conseguiu ver quem na verdade estava falando...
- Quem é você, e o que quer de mim?
- Eu sou o passado.
- Passado! Mas você é invisível?
- Não. Dê uma olhada neste ramo seco.
E quando Marquinho olhou para o ramo seco, surpreso falou:
- Nossa! Como você é pequeno, imaginei que fosse maior você é muito pequeno.
- Sei, no início eu também ficava meio triste. Mas, agora já vivo conformado com o meu tamanho.
- E porque se conformou com o seu tamanho?
- Já imaginou se eu fosse grande? Como iria ser difícil para as pessoas...
- Compreendo Passado, mas eu gostaria que você falasse do passado pra mim.
- Quer que eu fale um pouco de mim para você?
- Não Passado, quero que fale do passado deste lugar.
- Ah sim, aqui um dia foi um grande rio...
- Um grande rio! E para onde foi esse rio?
- Se foi no passado.
- Você bebeu o rio?
- Não, eu não. O passado do rio.
- Ah sei. Então todos têm seu próprio passado?
- Sim, isso mesmo.
- Então você é um passado de alguém?
- Não, eu sou o próprio passado.
- Assim você está querendo me dizer que existem muitos passados?
- Sim Marquinho, e, acho que você deve continuar a sua viagem.
- E pra onde estou indo?
- Não sei Marquinho, mas deve ir se encontrar com o futuro.
- Aonde irei me encontrar com o futuro?
- Siga em frente, logo você estará com ele.
Marquinho ficou meio triste quando olhou novamente pro galho seco e viu que o passado já tinha desaparecido.
- Engraçado, o passado sumiu!
- Do que está falando Marquinho?
Marquinho olhou para o lado que veio a voz e avistou um menino magro que tinha os seus olhos verdes...
- Olá, quem é você?
- Sou o futuro, e vim falar com você.
- Falar comigo? O que?
- Sobre o rio que você está dentro.
- Mas o rio está seco!
- Sei, mas logo ele irá se encher.
- Como? Nunca mais choveu neste sertão!
- Mas vai chover. Primeiro você deverá falar com a esperança, ela se encarregara ou lhe dirá o que fazer.
- Vamos andando comigo futuro.
- Sim, vamos, mas não quero ir muito longe...
- Por quê?
- Nunca se pode prever o futuro, por isso não posso ir muito longe com você.
Marquinho falava com o futuro seguindo rio acima, quer dizer, o lugar do rio, mas, na verdade não era rio.
- Sabe futuro, eu tenho muita vontade de poder encontrar este rio, mas, não sei como, como será?
- É só você falar com a fé.
- Fé, o que é a fé?
- Ela mesma lhe dirá a hora que vocês se encontrarem.
- Mas como vou me encontrar com ela se não tenho o seu endereço?
- O endereço, nós não temos isso.
- Mas como vou encontrar com...
Bem antes mesmo de Marquinho ouvir a resposta do futuro ele já tinha ido embora.
- Futuro, onde esta você, eu quero falar com você!...
De modo que Marquinho começou a chorar...
- O que está fazendo ai menino, está chorando?
- Eu sou Marquinho, estou muito triste.
- Triste por que não tem namorada?
- Que é isso! Num lugar deste e você vem Falando de namorada!
- Sim, afinal gostei de você.
- Gostou de mim? Uma pessoa estranha como eu, chorando, e você ainda vem dizer que gostou de mim, está querendo dizer que sou um idiota.
- Não menino, você é um ser humano. Que por sua vez, é passivo de erros, às vezes chora por algum erro de interpretação.
- Pois é, o meu nome é Marquinho, e o seu?
- Sou a Fé.
Quando a Fé falou que era a Fé, Marquinho caiu nos braços dela e disse:
- Querida Fé, será que deverei falar com a minha amiga a que ouvi do futuro?
- Sim, claro que pode. O que quer falar?
- O Futuro falou que o rio ficaria cheio assim que ele fosse embora.
- Mas quem iria encher o rio?
- Ele falou na Esperança, e depois falou na Fé, quer dizer, em você. Mas o que não entendo é quem na verdade vai encher o rio, será você ou a esperança?
- Vou lhe explicar.
De maneira que a Fé começou falar:
- A Fé que sou eu, é o firme fundamento...
- E o que é a esperança?
- Sim, o conceito de...
- Sei que eu estava mesmo pensando nesta maneira de pensar.
- Mas não está dando pra entender, Marquinho.
- O que não está dando?
- Você está falando de uma maneira estranha, o que quer mesmo saber?
- Nada Fé. Eu quero mesmo é ver este rio cheio. Assim serei um menino feliz de saber que toda esta relva que está do seu lado poderá sorrir quanto a mim.
- Sim Marquinho, isso você conseguirá como o futuro disse.
- Sim, o Futuro falou que eu ia estar com você, e depois quem ia na verdade fazer com que o rio se enchesse seria mesmo esperança.
Quando Marquinho falou em esperança...
- Existe alguém falando o meu nome?
- Marquinho, eu sou Marquinho, quero que você encha o rio...
- Não posso, eu não posso...
Marquinho olhou pro lado e tentou encontrar com a Fé, porém essa, no entanto, já tinha partido.
- Esperança, foi o Futuro que me disse que você poderia encher o rio, eu quero o rio cheio, eu quero, quero, quero...
Marquinho se deitou na terra fofa, e chorava...
Em poucos minutos o sertão estava na verdade coberto de grossas nuvens e logo começou a chover.
- Na mesma hora que chove você se encontra com a felicidade - argumentou a esperança.
Marquinho, meio triste por não ter conseguido se encontrar pessoalmente com a esperança, gritou:
- Obrigado esperança, você foi muito legal, muito obrigado.
Logo, todo aquele sequidão estava em estado de alegria, pois a água já começava a correr, fazendo ver que ali existia um grande rio, e que muitas pessoas foram felizes, e que agora por sua vez, voltariam a ser.- Obrigado esperança, você foi muito importante pra mim, muito obrigado, nunca irei me esquecer de você!
De modo que a esperança se foi e Marquinho já descia rio abaixo cantando uma linda canção:
Eu estava triste
O rio estava seco
Saí a lastimar
Mas como o tempo existe
Eu voltei a cantar,
Do tempo e o passado
O futuro chegou
Sai a procurar
Meu corpo já cansado
Mas estou a cantar,
Assim estou feliz
Cantando a canção
E agradecendo a Deus
Obrigado meu Senhor,
Meu Senhor.
FIM
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