sábado, 29 de abril de 2023

A Filha do Senador

 A FILHA DO SENADOR

 

JOÃO RODRIGUES

 

A flor desabrochando

Era uma rosa em botão

Pulsando num coração

Ardente de muito amor,

 

            Noites frias de inverno

            Convidam alguém a mim

            Numa estrada sem fim

            Ardente de muito amor,

 

                        Esqueço o que não fui

                        Relembro o que pensei

                        Quero viver os sonhos

                        Ardentes de muito amor...

 

            - De quem é esta poesia Andréa?

            - De João Rodrigues menina, ele tem outras, ouça esta.

 

Olhos perdidos

Vagando na imaginação

Meu ser como vaga-lume

A procurar...

            Muita saudade

            Transformando em emoção

            Revivendo o meu passado

            A procurar...

 

                        Igual uma fumaça

                        Se apagando na brisa

                        As marcas da fantasia

                        A procurar...

 

            - É mesmo interessante - argumentou Luiza com aquele jeito meigo de dizer.

            - Luiza, você disse que não gosta de poesia!

            - Claro que gosto!

            A donzela respondeu, mas deixando transparecer que algo lhe faltava.

            - Sinto que alguma coisa está lhe faltando.

            - E como. Acha que nas pessoas também não faltam as coisas!

            - Sei, em mim falta  Eduardo.

            - O que tem a ver com Eduardo? - indagou a Luiza como se ele fosse o mesmo par que lhe preocupasse na fantasia do amor.

            - Eduardo menina, você não se lembra quando fomos naquela exposição!

            - Como posso esquecer. Foi aquele dia

que conheci as primeiras...

            - E quem foi esse que nunca chegou ao conhecimento de todos?

            - Acho que vai ser muito difícil.

            - O que vai ser difícil?

            - Não no tocante ao que sinto, que isso qualquer pessoa que já se apaixonou sabe verdadeiramente o que os meus olhos dizem.

            - Mas olhos não falam e sim a gente.

            - Não seja tão inocente Andréa, veja você por exemplo, está estampado no seu rosto o quanto é grande o seu amor por Eduardo.

            Andréa se recostou no sofá e disse:

            - O primeiro beijo...

            - O que está falando, parece que algo vem lá de dentro de mim, como uma foice que abate a rama deixando para trás o caminho de salvação e morte.

            Andréa nem mesmo ouvia a amiga direito, pois se perdia no que ela dissera, dizendo:

            - Uma foice que abate a rama, e está vendo o que está sentindo, se eu pudesse me dividiria com você o que tenho...

            - Não minha amiga, mesmo que fosse possível eu não gostaria de ter, pois esta é uma coisa que eu jamais iria dividir, talvez seja por isso que guardo comigo este grande segredo.

            - Sei Luiza, até parece que amamos de forma diferente, você, no entanto tem alguma semelhança ao meu sentimento, mas não combinamos com a grande possessividade.

            - Você diz isso, que com certeza não se sente como eu. Como é grande o meu amor. É como se comparássemos a uma grande serra que parte com destino a outras não se importando com os rios e acabando por se tornar a maior, grande, maior que tudo.

            - Compreendo, eu, no entanto comparo o meu amor como um passo de mágica, um passo de poesia, não tanto com possessividade e sim, pode ser feliz, não me importando com que minha fonte de prazer possa empraserar outros corações.

            - Não consigo nem pensar assim.

            - Não sei por que não.

            - Você acha que vou deixar o meu amor sair por ai empraserando pessoas que nem conheço.

            - Sim, e se você também resolvesse empraserar outros amores, não acha que é a mesma coisa!

            - Não, isso não.

            - Veja só Luiza, você, por exemplo, não tem de certa forma o seu amor na sua mão. Óbvio que ele é o que você ama em segredo, está amando alguém. Note, queira ou não ele está...

            - Sei, afinal de contas ele não sabe que eu o amo, mas o que quero dizer mesmo é depois do casamento.

            Quando Luiza falou em casamento, Andréa sorriu e argumentou:

            - Palavra bonita, casamento, como é bonita esta palavra...

            - Pois ai está, o casamento é verdadeiramente bonito, por isso é que nunca iria dividir o meu amor com ninguém.

            - E se ele dividisse?

            - Por mais que eu o amasse, o abandonaria e viveria chorando, chorando a vida inteira.

            - Não seria assim, eu...

            Andréa falou e em minutos voltou a dizer:

            - Você me deixou numa situação muito difícil.

            - Ah! Está vendo só, você diz o que diz porque não está com ele do seu lado, deitada com ele na mesma cama, sentindo todos os dias as suas emoções, se entregando a ele verdadeiramente.

            - O que você está querendo dizer verdadeiramente?

            - Seu corpo menina, as suas intimidades, ter com ele ato de amor, lhe dar filhos.

            - Filho...

            Quando Luiza falou em filhos Andréa fez um gesto estranho e tocou as suas mãos nos seus seios e disse:

            - Nossa! Conheço muitas mulheres que se desmontam todas.

            - Não e só isso Andréa.

            - O que quer dizer a mais Luiza? Acho que seria melhor mudarmos de assunto.

            - Por que mudarmos de assunto?

            - Não quero saber destas coisas de gente velha, eu nunca vou ficar velha.

            - Abre, abre...

            - Abre o que Luiza? O que quer abrir?

            - Não, esqueça, não posso lhe dizer.

            - Não, agora eu gostaria de saber o que quer que eu abra.

            - Os seus olhos. Tente lhe encontrar no futuro, bem depois do casamento, lá adiante, quando você tiver filhos, que o seu Eduardo nem mesmo se importar com a sua presença, ausência e outras coisas mais.

            - Não Luiza. Não quero saber, não quero ser tão otimista, mas acho que isso nunca vai acontecer.

            - Sua tonta, é claro que via, isto vai acontecer você vai ficar velha, feia, deformada, bustos caídos, rosto enrugado, pele crespa, olhos roxos...

            - Não Luiza. Acho que devemos parar por aí, pois se um dia me casar com Eduardo, ele nunca ficaria velho, vou sempre imaginar novo...

            - Olá meninas, como estão?

            - Bem mamãe, esta é a minha amiga Luiza.

            - Tudo bem senhora Carmem, sua filha fala muito na senhora.

            - Sim, ela também fala muito em você, que milagre, hoje veio me dar o prazer de vir em minha humilde casa?

            - Que é isso senhora, não estou vendo nada de humilde.

            - Sei filha, é que lá na casa do seu pai é outro mundo.

            - Não senhora, meu pai é um homem muito simples, não por ser um senador, mas por ser ele mesmo, sempre foi um homem muito simples.

            - É, também pudera, ser um senador deve estar montado numa boa grana, não tem um pouco lá pra emprestar pra gente? Apesar de ser do povo e com...

            - Mamãe, não trouxe a minha amiga aqui para ouvir conversa fiada.

            - Sei minha filha, você está tentando se arranjar, porque não se entrega lá pro filho do senador.

            Quando a senhora Carmem insinuou tamanha covardia...

            - Nossa mamãe! Nós estamos falando em nossos amores, mas não com algum interesse, eu não sou amiga de Luiza pelo interesse de me casar com Joel, nem nos conhecemos direito.

            - Mas devia, se eu fosse você herdaria logo todos os seus dotes, pra que ficar guardando uma coisa que um dia vai mesmo se entregar a alguém.

            - Mamãe, a senhora me envergonha, eu estou muito desapontada com a senhora, é por isso que não gosto de trazer as minhas amigas em casa.

            - E a mocinha, porque não vem aqui mais tarde coisinha, eu tenho um filho que gosta destas coisinhas, assim todas que caem em suas mãos, elas encontram...

            - Mamãe!

            Andréa ficou muito triste com o comportamento da mãe, até mesmo convidou a menina para irem embora.

            - Vamos embora Luiza, e não repare, é que a minha mãe sempre foi assim, desde quando o meu pai morreu...

            - Sim filha. Não perco tempo, gosto de homem sim, mas pra mim tem que ter dinheiro.

            - Mas eu prefiro o amor que sinto senhora Carmem.

            - Ah! É claro que você prefere o amor, porque, pra que dinheiro, se já tem de sobra.

            - E talvez seja por isso não sei na verdade o que é dinheiro.

            - Pois é minha filha, feliz de você que tem o dinheiro, mas por outro lado, deve ser muito infeliz, pois ainda não conheceu o que...

            Andréa já não suportava o que a mãe dizia...

            - Vamos andar um pouco Luiza?

            - Vamos, vamos ao shopping.

            Quando as duas saíram, a senhora Carmem se assentou no sofá e ficou imaginando como seria se sua filha conseguisse conquistar o rico Joel, irmão de Luiza. Por outro lado, ela conhecia o potencial da filha e sabia que ela merecia e pedia aquilo pra ela.

            - Ah! Se eu conseguisse fazer com que a minha filha se casasse com ele!

            - Está falando sozinha mamãe?

            - Meu filho, você chegou tarde meu filho.

            - Tarde como mamãe, agora está me regulando como as mães regulam suas donzelas, acha que alguém vai tirar a minha virgindade.

            - Não quero dizer isso meu filho.

            Pedro se assentou junto da mãe, e disse:

            - O que quer mamãe, é mais uma das suas armadilhas inúteis?

            - Não filho, mamãe acabou de encontrar alguma coisa boa.

            - Alguma coisa boa. Não estou entendendo.

            - Não se lembra daquela exposição que sua irmã foi?

            - Sei. Que ela conheceu o Eduardo.

            - Sim, e que ficou como idiota amando um pobretão que não tem onde cair morto.

            - Sim mamãe, mas isso é coisa do amor.

            - Até você filho, está ficando assim, logo agora que vejo que as nossas coisas podem...

            - Que nossas coisas mamãe?

            - Sim filho. Expressei-me mal, nossas vidas.

            - Nossas vidas, não mãe! Cada um de nós tem a nossa própria vida, nosso próprio destino, a minha vida não tem nada a ver com a sua tampouco a de Andréa, assim como a do papai que já nem mesmo existe.

            - Não, esqueça o seu pai, ele sempre foi um idiota, nunca gostou de ninguém, nunca fez nada por ninguém, nem mesmo por ele mesmo.

            - E porque estamos relembrando de tantas coisas?

            - Sim, Luiza filho, sente aqui que vou lhe contar.

            - Não é preciso mãe, Luiza é a amiga de Andréa, a rica filha do senador Augusto.

            - Isso filho. Você já sabia dela?

            - Sim, já sabia.

            De modo que o rapaz se assentou e disse:

            - Já pensou mãe, eu dentro daquele palácio com Luiza do meu lado, e nos dias de comício em praça pública, os fotógrafos me perguntando...

            - O senhor também é candidato? - relatou a senhora Carmem.

            - E assim eu me virando como quem não querer falar e ouvindo a voz do senador.

            - Este é Pedro, o meu genro mais cotado nas pesquisas para deputado.

            - E depois filho?

            - Vinha logo na minha mente os carros, as altas contas nos bancos, as...

            - As viagens na Europa, não filho!

            - Sim mãe, a serviço do estado brasileiro.

            - Nos hotéis de luxo.

            - Sim, a senhora sempre do meu lado.

            - Ai você iria amar Luiza.

            - Não sei mamãe, mas acho que iria dividir o meu amor entre ela e Isabel.

            - Não filho, esqueça Isabel, ela é uma moça pobre.

            - Não mamãe, eu daria a ela um cargo de ministra ou secretária de fazenda, onde eu pudesse mexer com o dinheiro.

            - Eu não queria cargo filho, eu só me interessaria em ser um dos membros da comitiva de suas viagens a serviço da chancelaria do estado.

            - É mamãe, um jato para que pudéssemos voar pelo mundo, andar por todo o planeta terra e conhecer todos os povos!

            Enquanto os dois sonhavam a porta se abriu.

            - Olá minha querida irmã - argumentou Pedro.

            - Olá, o que estão fazendo ai?

            - Venha cá filha, se assente com os seus únicos amigos, seu irmão e sua querida mãe.

            - Não vou me sentar ai coisa nenhuma, a senhora me decepcionou esta tarde.

            - Não sei por que - interrompeu Pedro.

            - Não acredito que a mãe já lhe contou.   

            Pedro nem mesmo deu assunto para o que a irmã falou e continuou dizendo:

            - E ela mamãe, o que seria dela?

            - A primeira dama Andréa. Este eu soube escolher, o mais bonito dos homes, um exemplar para uma dama de estado.

            - É a primeira dama que fala mãe?

            Carmem nem mesmo se importou com a correção do filho e continuou com os seus olhos presos no manto de fantasia dizendo:

            - Andréa, a mais linda das mulheres!

            - Não estou vendo nada de interessante nisso senhora Carmem.

            Mas com tanto fogo e fantasia que o irmão e a mãe transmitiam, Andréa se assentou perto deles e disse:

            - Vocês, o que estão tramando?

            - Nada menina - argumentou Pedro passando a mão no cabelo da irmã, tirando-o do seu rosto e dizendo:

            - Você é uma linda moça.

            - Sim, e com isso merece um futuro melhor - interrompeu a senhora Carmem demonstrando muita ousadia

            - O que quer com isso mamãe?

            - Acho que fui muito clara quando te falei naquela hora.

            - Sei, este caso foi o assunto que tive o resto da tarde com Luiza, ela até me contou alguma coisa do seu irmão.

            - O que ela contou filha, eu posso saber?

            - Sim, falou que ele se apaixonou por uma francesa.

            - O que foi que aconteceu com ele e esta tal francesa?

            - Foi em uma de suas viagens com o senador, se conheceram na embaixada do Brasil na França.

            - Embaixada na França, e quando será ou será que um dia eu irei para França.

            Andréa olhou para o irmão e disse:

            - Está pensando em conquistar a rica Princesa, filha do senador?

            - Não pensei firmemente nisso, sinto um pouco envolvido com Isabel. Parece que estou amando-a de verdade.

            - Não filho, você não está amando coisa nenhuma, o que você sente por ela é uma coisa comum, você não pode estar apaixonado por ela, e por outro lado, paixão de pobre é coisa de idiota, dois sacos vazios filhos, não param em pé.

            - Não tolero a frieza da senhora mamãe.

            - Não tolera minha frieza mocinha, deixe de ser uma coisa tola menina, deixa de ser comum, você tem que ser grande minha filha, de pequena basta sua mãe, esta pobre coitada que se entregou a alguém que na verdade nunca lhe deu valor.

            - Não deu valor mãe, mas te amou.

            - Me amou. Ah! Se isso fosse verdade, só queria me usar, usar a minha, não, deixe pra lá, nem gosto de me lembrar...

            - Não fique assim mamãe. Vamos continuar sonhando, eu gosto de como a senhora está, esta foi a maior riqueza que a senhora me deu, sonhar, como é gostoso sonhar, a mente da gente vaga, como vaga!

            - Mas ninguém vive de sonho seus imbecis  - gritou Andréa chorando.

            - O que é isso minha irmã, pra que chorar, pra que lágrimas, isso não é coisa de ficar assim, a vida é essa querida.

            Andréa se sentou perto do irmão e ele a beijou na face e falou:

            - É mana, se um dia eu estivesse numa festa e nem a conhecesse, sei que era bem provável que me apaixonaria por você.

            - Por uma coisa igual a mim, infeliz, pobre, como diz minha mãe, se eu tivesse muito dinheiro, nada seria difícil para nós.

            - Vamos mudar de assunto, vamos mudar de ponto de vista e cair na realidade - argumentou à senhora Carmem indo pra cozinha dizendo:

            - Vou fazer alguma coisa para nós, para meus dois anjinhos.

            Enquanto a senhora Carmem foi fazer o jantar, Pedro se levantou e colocou um disco no som.

            A música fez com que Andréa dormisse...       

            - Pedro, venha cá.

            Pedro foi atender a sua mãe, mas antes de chegar à cozinha o telefone tocou.

            - Vou atender ao telefone!

            Quando Pedro falou:

            - Alô, residência da família Silva.

            - Sei, sou a Senhorita Luiza Carvalho.

            - Senhorita Luiza, em que posso ser útil?

            - Gostaria de falar com Andréa.

            - Sabe, não, tudo bem, vou chamá-la, aguarde um minuto.

            - Obrigada.

            Pedro foi imediatamente atender a ordem da Senhorita Luiza.

            - Andréa, acorde minha querida, Luiza está no telefone.

            - Quem?

            - Luiza...

            - Luiza, ah sim, Luiza.

            - Oi Luiza!

            - Andréa, sou eu novamente, desculpe o incomodo, mas é que estou um pouco indecisa.

            - O quê?

            Enquanto Andréa falava com Luiza, Pedro foi até a cozinha e disse pra mãe.

            - Sabe quem está no telefone?

            - Quem?

            - Ela, Luiza Carvalho.

            - Que bom filho, será que um dia você vai me livrar desta cozinha maldita.

            - Vou mamãe, acho que vou, pela aquela voz que soou no meu ouvido, acho que vou.

            - Gostou dela querido?

            - Sim, na verdade eu já gostava dela, mas nunca tinha imaginado o que a senhora acabou colocando no meu pensamento.

            - Que bom filho, com isso tudo está ficando melhor, quem sabe acabamos de uma vez com os nossos problemas...

            Carmem mexia o angu, segurando a panela...

            - Pois é mamãe...

            Logo em seguida Andréa chegou abraçou a mãe e disse:

            - A senhora está conseguindo, gostaria de lhe fazer uma pergunta.

            - Pode fazer filha.

            - Tem muito tempo que a senhora vem matutando esta idéia?

            - Sim, esperei por uma oportunidade.

            - Esta de hoje, foi certa?

            - Fiquei um pouco afobada, mas sei que ela entendeu o que eu quis dizer.

            - Mas ela não precisava entender nada mamãe, o que tem a ver ela com a gente, uma moça rica pode conhecer alguém e viver a sua vida nos palácios, e quanto a gente! Pobre operário só nos resta mesmo os ossos do ofício.

            Carmem deu muita atenção no que disse o filho e pediu que a filha pronunciasse.

            - Ela me convidou para uma viagem mamãe.

            - Uma viagem?

            - Sim, para América.

            - Estados Unidos?

            - Sim, é que o pai dela vai participar de uma convenção e vai demorar muito tempo, de modo que ela me convidou.

            - E você vai?

            - Não dei a resposta definitiva.

            - Pode dizer que você vai, mas com  uma condição.

            - Qual mamãe?

            - Só se o Joel for.

            - E seria bom se eu pudesse ir, mas não sou uma mocinha pobre que tem uma amiga rica, filha de um senador, nunca irei a América, nunca conhecerei os Estados Unidos.

            - Não fique assim filho, você também não está perdendo nada em conhecer ou não a América, lá não é mesmo esta coisa...

            - A senhora está falando só para me consolar, mas lá é primeiro mundo, lá tem civilização, lá tem grandezas, mas a gente tem mesmo que ficar aqui, servir o mundo em que vivemos, servir, servir...

            Andréa olhou tristemente para o irmão  e depois falou:

            - Se eu for com ela, vou pedir se você pode ir.

            - Nossa! Não é possível a família toda, mas seria bom a família Silva nos Estados Unidos.

            - Não fique assim mamãe, não faça seu filho sofrer.

            - O que é isso Pedro, não vejo nada difícil, pois é por outro lado uma maneira do senador justificar suas despesas para o estado.

            - Sim mamãe, isso mesmo. É lógico. A minha irmã está ficando cada vez mais inteligente.

            - E que dia você iria?

            - No fim da semana.

            - Não precisa esperar tanto filha, pode ligar para ela, diga que você está pronta, pronta para ir.

            - E fala se eu posso ir!

            - Você não, nós, somos só três, não vai fazer tanta diferença.

            E assim Andréa resolveu ligar para a Senhorita Luiza Carvalho.

            - Gostaria de falar com a Senhorita Luiza Carvalho.

            - Ela está filha? - indagou a senhora Carmem.

            - Quem quer falar com ela?

            - Senhorita Andréa Silva.

            - Aguarde um minuto.

            Andréa ficou aguardando sua amiga ao telefone, e ansioso, Pedro ali do lado parecia querer estar lá na casa dela e vê-la por entre as cortinas de seda por sobre os tapetes de veludo, dentro de uma camisola de cetim.

            - Alô!

            - Querida, eu estava pensativa, por não ter lhe dado de imediato a resposta, eu gostaria muito de ir.

            - Que ótimo, Andréa, você é a minha melhor amiga, eu te amo.

            - E então filha?

            Andréa colocou a mão no fone e disse:

            - Calma mamãe, estamos conversando.

            - Sabe Andréa, seria bom que você e sua mãe,  será que ela pode ir com a gente?

            - Fale com ela Luiza.

            - Posso?

            - Claro minha amiga, só um instante.

            De modo que Andréa passou o telefone para a Senhora Carmem, dizendo:

            - Ela quer falar com a senhora mãe.

            Quando Andréa deu o telefone para a Senhora Carmem, que naturalmente ficou muito surpresa:

            - Oi querida, queria pedir desculpas pelo que falei hoje, eu fiquei até...

            Luiza Carvalho não deu muito papo para a coitada, pois o que ela queria na verdade era ao seu lado a sua filha que por sua vez estava sendo sua amiga...

            - Tudo bem Senhora Carmem, o que eu gostaria mesmo era da companhia de vocês, se for possível?

            - Mais é claro querida, apesar de não gostar muito desta coisa de ficar andando pelo mundo a fora, mas tudo bem, se for para agradar a vocês, o que não faço por Andréa, e quem ela gosta. Escute, o seu pai vai levar todo mundo?

            - Sim, é claro, a família inteira, pode levar seu filho também.

            - Ah! o Pedro, é ele vai adorar.

            Enquanto a Senhora Carmem falava com a Senhorita Luiza Carvalho, tirava o telefone do ouvido e dizia:

            - Ela falou o seu nome.

            - Pois é senhora Carmem, pode passar o telefone para Andréa?

            - Claro, querida, um beijo e muito obrigada pela gentileza.

            E assim a senhora Carmem falou com a filha:

            - É para você Andréa.

            Carmem saiu para cozinha dando pulos de alegria e gritando em voz alta:

            - Eu sabia que um dia tudo ia ficar diferente nesta casa, eu sabia.

            Mas de repente a pobre Carmem ficou meio triste...

            - O que foi mãe? - Indagou o rapaz.

            - Não sei filho, sabe como é, como será que vou me sentir na América, no meio deste povo elegante, falando inglês, não sei nem se elas ou eles estariam me cumprimentando ou falando mal de mim.

            - Não fique assim minha querida, tudo vai dar certo, a vida é assim, tudo vai dar certo.

            - Já terminou de falar com Luiza querida.

            - Sim, ela me disse que não preciso ficar preocupada com a viagem, essa semana ela vai nos levar ao professor Edgar, para que possamos inteirar um pouco a respeito da língua que falam lá.

            - E não terá interprete?

            - Cada família ilustre quando vai pra outros países tem sim mãe, na sua comitiva, interpretes, e além de todas as despesas pagas.

            - Isso é que é coisa boa ser rico -  argumentou a senhora Carmem se sentindo...

            - Mamãe, a senhora está feliz, e ao mesmo tempo triste?

            - Não filho. Só estou pensando se é isso mesmo que eu quero.

            - O que quer, por exemplo, mamãe? - Indagou Pedro.

            - Não sei Pedro, depois que vocês estiverem no poder...

            Pedro olhou ternamente para a mãe e disse:

            - Não fique triste minha querida, quando chegarmos no poder, a sua cabeça será outra, tudo vai ser diferente.

            - Como tudo vai ser diferente?

            - Sim mamãe, o que Pedro está  querendo dizer é que quando eu formar o meu trono a senhora não precisa de se preocupar com coisas deste mundo comum que a senhora nos criou, eu não estou querendo dizer que papai era um comum, pois ele lutou muito para deixar esta velha casa, um telefone e uma pensão mixuruca.

            - Uma casa. Sei que muitas vezes tive que medir a água e o fubá para poder ajudar ele a pagar as prestações.

            - Sei mamãe, mas quando eu conseguir conquistar o coração daquele gato, estará terminado de uma só vez o nosso...

            - Eu nem quero me lembrar, vou chegar naquela fábrica e dizer aquele gerente puxa saco, adeus seu puxa saco, eu nunca mais quero olhar para sua cara.

            - Não Pedro, não é assim que você vai ser meu filho, os políticos não podem ter determinado comportamento, político deve ser mais jeitoso, ter jogo de cintura, se não você perde voto.

            - Já sabe que o dele eu vou perder, pois o que quero mesmo é dizer àquele imbecil o que eu bem desejar.

            - Gostaria de fazer o mesmo naquela escola de filhos de burgueses do terceiro mundo, dos consumidores das histórias estrangeiras, dos que só sabem valorizar as coisas das outras nações e com isso deixar que os nossos artistas morram de fome.

            - Você também minha filha, está verdadeiramente errada, nós precisamos conhecer os trabalhos dos mais evoluídos, pois foram eles que lutaram, sei que é duro valorizar coisas dos estrangeiros, mas bem melhor assim do que ficarmos perdidos no tempo, atrás da parede do nada, temos que conhecer o que é verdadeiramente bom e inteligente.

            A senhora Carmem tentava de certa forma informar aos seus filhos que no momento parecia que alguma coisa poderia sair melhor, alguma coisa poderia ser melhor, ser melhor.

            - Acho que devemos dormir, amanhã temos muito que fazer.

            - Está bem filho, mas dentro de pouco tempo...

            - Pedro, se eu fosse você preocuparia em entrar de férias, pois temos que atender tudo que Luiza quiser.

            - Está bem, e você?

            - Só vou telefonar para aquela megera.

            - Está bem, vou me repousar.

            E no dia seguinte...

            - Acorda filha, Luiza está ao telefone!

            Andréa se levantou e ao atender ao telefone...

            - Pois é Andréa, vou mandar o motorista apanhar vocês e nos encontramos lá no professor Edgar...

            - Mãe, onde está o Pedro?

            - Deve ter ido falar os desaforos pro gerente, ele não disse ontem do gerente puxa saco!

            - É mãe, o Pedro ainda é muito criança.

            - O que Luiza queria?

            - Vai mandar o motorista nos apanhar pra irmos ao professor Edgar.

            - Ligue para o Pedro, assim ele já vai direto pra lá...

            De modo que mais tarde a família Silva estava reunida com o professor Edgar, aprendendo as primeiras palavras da famosa língua dos norte Americanas.

            - Por que Luiza não veio Andréa? - Indagou Pedro curioso.

            - Só mandou o motorista, isso não é o bastante?

            - Eu queria estar perto dela, já começo a gostar da idéia de dar o golpe do baú.

            - Se fosse você esperaria com paciência a sua hora chegar.

            - Se ela chegar!

            E uma semana depois...

            - O que você está lendo Luiza?

            - Uma história de João Rodrigues, Pedro.

            - Qual?

            - Miralva, uma mulher diferente.

            - Andréa também gosta das histórias de João Rodrigues, já a vi lendo O Ouro Maldito.

            - Você não gosta?

            - Só de histórias em quadrinhos, ainda é uma criança - Interrompeu Andréa que vinha chegando de mãos dadas com Joel.

            - Pelo jeito quando voltarmos ao Brasil já seremos cunhadas - brincou Andréa dando um beijo na face de Pedro.

            - Acho que você está coberta de razão maninha - relatou Joel beijando arduamente os corados e sensuais lábios de Andréa.

            - Vejo que meus filhos estão felizes...

            - Nem é preciso falar Senador - relatou à senhora Carmem que acabava de chagar com a senhora Luzia esposa do senador que disse:

            - Só falta alguém para completar a felicidade de todos.

            - Já não falta mais - relatou o professor Edgar beijando a face da senhora Carmem com muito amor.

                                   Fim.

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