sábado, 29 de abril de 2023

A Oficina João Rodrigues

 A OFICINA

 

JOÃO RODRIGUES

 

            As pessoas pensativas passavam pela rua como se estivessem indo em busca de alguma coisa que na verdade nem mesmo sabiam o quê.

            No entanto elas nem mesmo percebiam que Marquinho estava ali observando tudo.

            - Vejam os seus olhares, vejam como as pessoas passam, parece que elas estão dormindo.

            - Como você consegue observar que as pessoas estão dormindo? - Indagou o senhor Manoel.

            - Sim senhor, não está vendo que as pessoas passam, veja como, parece que elas estão dormindo.

            - Mas eu não estou aqui para observar as pessoas que passam pela rua, aqui é uma oficina, a gente tem que observar é o trabalho, isso sim, não ficar olhando o que não é da nossa conta.

            - Em parte posso concordar com o senhor, mas por outro lado não...

            - Por que não?

            - Simples, se observarmos as pessoas, temos condições de podermos na verdade dar asas a nossa imaginação, de modo que assim a nossa mente capta novas informações o que nos faz aliviar as nossas tensões.

            Ao ouvir o menino o senhor Manoel meio triste relatou:

            - Pode me dizer mais algumas coisas a respeito desta coisa de aliviar as tensões.

            - Sim, claro que posso.

            - Então diz o que devo fazer.

            - Venha cá e comece observar as pessoas.

            Ao ver na verdade o velho Manoel vir observar as pessoas, Marquinho se prontificou dizendo:

            - Sabe seu Manoel, veja nelas o semblante de tristeza.

            - Mas o que tem a ver com isso?

            - Simplesmente pela tristeza é que se descobre onde estão os valores...

            - Valores de quem?

            - Nosso, dentre de pouco instante que o senhor estiver observando as pessoas em sua mente se encontrará com o que o senhor queria fazer e ainda não tinha conseguido.

            - E como isso funciona?

            - Exercitando.

            - Exercitando como?

            - Assim como estamos, aposto que o senhor está pensando.

            - Ah, um minuto Marquinho, deixe-me apertar aquele parafuso.

            - Qual o parafuso?

            - Do centro de processamento do vídeo.

            - Mas o senhor ainda...

            Marquinho ficou olhando o que o senhor Manoel fazia, pois logo percebeu que o técnico foi direto ao problema...

            - Será que ele resolveu o problema?  -Murmurou Marquinho.

            - Marquinho, venha cá?

            - O que quer comigo seu Manoel?

            - Fique em frente o espelho, quero ficar te observando.

            - Mas por que o senhor quer ficar me observando?

            - Foi você mesmo que falou que temos que observar as pessoas.

            - Sim, mas só funciona com as pessoas que passam pela rua.

            - Não, você deve estar enganado.

            - Por quê?

            - Os pintores não retratam as figuras que observam.

            - Sim, mas elas são o que se dizem modelos.

            - Sim, mas eles as observam para pintarem, eu não sou nenhum pintor.

            - Ótimo, agora o senhor está entendendo o que estou querendo dizer.

            - Como assim?

            - Os pintores observam alguém para simplesmente reproduzir os seus reflexos, mas, no entanto para quem não é o pintor só pode observar de uma maneira distante do que se diz.

            Marquinho tentava dizer que na verdade o senhor Manoel jamais pudesse imaginar.

            - Sabe Marquinho, é muito difícil falar com você.

            - Não senhor Manoel, é mesmo muito fácil falar, mas o que se torna difícil é querer ouvir.

            - Mas eu estou ouvindo e inclusive estou até mesmo interessado.

            - Não vejo o real interesse.

            - Como assim?

            - É fácil entender quando a pessoa está interessada, pois o que eu estou percebendo é que o senhor está ouvindo apenas com  a mente o que na verdade se deve ouvir com a alma, com a consciência.

            - Um minuto Marquinho. Lembrei-me que o problema da tv do seu Roberto está no sincronismo central do lado esquerdo.

            - Não seu Manoel, está do lado direito.

            - Por que você sabe que está do lado direito?

            - Fácil, o senhor se lembrou quando falava a letra m.

            - Não sei por que, o que tem a letra m.

            - Uma questão de sabedoria, isso na verdade leva muito tempo de pesquisa pra que possamos...

            O senhor Manoel apertou o parafuso e logo veio à porta da oficina pronunciando de maneira espontânea.

            - Marquinho, desde que você chegou com estas suas  palavras estranhas já consegui consertar dois aparelhos.

            - Ah sei, não sei por que não conseguiu consertar cinco.

            - Cinco, porque cinco?

            - Sim, os reparos ou consertos de cada coisa que um dia foi montada por pessoa se torna fácil quando estudamos em primeiro lugar os costumes das pessoas.

            - Quais estas pessoas?

            - As que fizeram a montagem de cada aparelho.

            - Mas, por quê?

            - Todo invento tem um pormenor que faz a ligação com as pessoas.

            - Você, por exemplo, já inventou alguma coisa?

            - Não seu Manoel, eu não sou um inventor, mas sou um menino que de certa forma tem as suas qualidades.

            - O que tem a ver suas qualidades com inventos?

            - Nada, não ver na verdade, mas tem uma coisa muito parecida que se chama reação.

            - O que tem...

            O seu Manoel deixou as suas vozes no ar e saiu desesperado para o aparelho de som dizendo:

            - Só pode ser no circuito, só pode ser no circuito...

            Marquinho ficou olhando friamente os momentos e vendo os lentos movimentos de seu Manoel.

            - Está na última placa seu Manoel.

            - O que está querendo dizer?

            - O defeito que o senhor procura.

            Depois que o seu Manoel encontrou o defeito pela dedicação do menino, falou:

            - Gostaria de vir trabalhar comigo?

            - Não posso dizer ao senhor que sim e nem que não.

            - Por que não?

            - Sabe, o senhor é como todos os seres que habitam a terra, assim como eu, mas na verdade não somos iguais em certos pontos, não é na verdade aconselhável que dissemos às pessoas o que pensamos, apenas para nos contentarmos de certa forma.

            - Vejo que você é muito especial.

            - Em que sentido?

            - No sentido de positividade, você é muito positivo.

            - Obrigado seu Manoel, pelo referido elogio.

            - Simples, como é simples, só assim seu referido elogio.

            - Isso seu Manoel, como vê, não é muito assim, o importante... Ah, não gostaria de apertar o parafuso na placa que o senhor estava consertando?

            - Sim, isso você tem razão, mas mesmo assim como foi que descobriu que não tinha apertado o tal parafuso?

            - Pelo seu semblante, o senhor ficou por alguns minutos pensando no que tinha a resolver.

            - Sim, fiquei. E o que tem a ver com isso?

            - Quando observamos o que as pessoas não conseguiram  concluir é fácil por formar rugas em seu rosto.

            - Já observei isso, principalmente em minha testa.

            - Não só na testa como em muitos lugares, até mesmo perto da orelha.

            - Você é mesmo diferente Marquinho, mas não vai me dar a resposta?

            - Ah sim, do trabalho.

            - Isso. Vai ou não vai?

            - O senhor está falando de uma maneira muito direta senhor Manoel, isso não produz bons resultados nos negócios, em geral as pessoas que agem desta forma são passivas de esquecimentos.

            - Isso. Eu esqueço mesmo das coisas.

            - Mas o senhor tem grande vantagem a seu favor.

            - Qual  a vantagem?

            - A calma, o senhor não entende nem mesmo o teu valor. É isso que acontece porque o senhor vive à procura dos valores dos outros e de certa maneira se esquece dos seus.

            - Sim Marquinho, quando me preocupei em descobrir o meu interesse por você trabalhar para mim não foi o que fui imaginar.

            - Não é necessário o senhor vir falar o que estava pensando, pois é muito simples perceber a hipocrisia das pessoas.

            - Hipocrisia, que hipocrisia?

            - Está vendo quanto é a hipocrisia, o senhor é tão hipócrita, só em falar...

            - Marquinho, eu acho que não podemos ficar juntos.

            - Ah é, quando falei de tal forma o senhor já se predispôs ou se revoltou na sua inescrupulosa visão de querer só o que lhe seja útil, não se importando com o que na verdade eu fosse ou me sentisse.

            - E o que vamos fazer?

            - Não sei se respondo ou não.

            - Marquinho gostaria que você fosse embora.

            - Sim senhor Manoel, eu já estou indo.

            Marquinho saiu levando consigo mais uma experiência de que na verdade nunca se pode contar com nada e nem também nas pessoas hipócritas que se escondem atrás do seu eu e se esquece que todos somos na verdade completamente dependente dos outros, pois a vida humana é como se fosse o átomo que forma o seu valor até mesmo na menor parte.

            - Agora vejo as pessoas andando indo em busca do nada e eu, o que posso ver é quem anda, anda, anda...

            Marquinho se foi, pensando o que poderia estar acontecendo com aquele pobre senhor, pois até murmurou:

            - O que será que ele vai fazer quando se lembrar de mim...

 

FIM

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