A OFICINA
JOÃO RODRIGUES
As pessoas pensativas passavam pela rua como se estivessem indo em busca de alguma coisa que na verdade nem mesmo sabiam o quê.
No entanto elas nem mesmo percebiam que Marquinho estava ali observando tudo.
- Vejam os seus olhares, vejam como as pessoas passam, parece que elas estão dormindo.
- Como você consegue observar que as pessoas estão dormindo? - Indagou o senhor Manoel.
- Sim senhor, não está vendo que as pessoas passam, veja como, parece que elas estão dormindo.
- Mas eu não estou aqui para observar as pessoas que passam pela rua, aqui é uma oficina, a gente tem que observar é o trabalho, isso sim, não ficar olhando o que não é da nossa conta.
- Em parte posso concordar com o senhor, mas por outro lado não...
- Por que não?
- Simples, se observarmos as pessoas, temos condições de podermos na verdade dar asas a nossa imaginação, de modo que assim a nossa mente capta novas informações o que nos faz aliviar as nossas tensões.
Ao ouvir o menino o senhor Manoel meio triste relatou:
- Pode me dizer mais algumas coisas a respeito desta coisa de aliviar as tensões.
- Sim, claro que posso.
- Então diz o que devo fazer.
- Venha cá e comece observar as pessoas.
Ao ver na verdade o velho Manoel vir observar as pessoas, Marquinho se prontificou dizendo:
- Sabe seu Manoel, veja nelas o semblante de tristeza.
- Mas o que tem a ver com isso?
- Simplesmente pela tristeza é que se descobre onde estão os valores...
- Valores de quem?
- Nosso, dentre de pouco instante que o senhor estiver observando as pessoas em sua mente se encontrará com o que o senhor queria fazer e ainda não tinha conseguido.
- E como isso funciona?
- Exercitando.
- Exercitando como?
- Assim como estamos, aposto que o senhor está pensando.
- Ah, um minuto Marquinho, deixe-me apertar aquele parafuso.
- Qual o parafuso?
- Do centro de processamento do vídeo.
- Mas o senhor ainda...
Marquinho ficou olhando o que o senhor Manoel fazia, pois logo percebeu que o técnico foi direto ao problema...
- Será que ele resolveu o problema? -Murmurou Marquinho.
- Marquinho, venha cá?
- O que quer comigo seu Manoel?
- Fique em frente o espelho, quero ficar te observando.
- Mas por que o senhor quer ficar me observando?
- Foi você mesmo que falou que temos que observar as pessoas.
- Sim, mas só funciona com as pessoas que passam pela rua.
- Não, você deve estar enganado.
- Por quê?
- Os pintores não retratam as figuras que observam.
- Sim, mas elas são o que se dizem modelos.
- Sim, mas eles as observam para pintarem, eu não sou nenhum pintor.
- Ótimo, agora o senhor está entendendo o que estou querendo dizer.
- Como assim?
- Os pintores observam alguém para simplesmente reproduzir os seus reflexos, mas, no entanto para quem não é o pintor só pode observar de uma maneira distante do que se diz.
Marquinho tentava dizer que na verdade o senhor Manoel jamais pudesse imaginar.
- Sabe Marquinho, é muito difícil falar com você.
- Não senhor Manoel, é mesmo muito fácil falar, mas o que se torna difícil é querer ouvir.
- Mas eu estou ouvindo e inclusive estou até mesmo interessado.
- Não vejo o real interesse.
- Como assim?
- É fácil entender quando a pessoa está interessada, pois o que eu estou percebendo é que o senhor está ouvindo apenas com a mente o que na verdade se deve ouvir com a alma, com a consciência.
- Um minuto Marquinho. Lembrei-me que o problema da tv do seu Roberto está no sincronismo central do lado esquerdo.
- Não seu Manoel, está do lado direito.
- Por que você sabe que está do lado direito?
- Fácil, o senhor se lembrou quando falava a letra m.
- Não sei por que, o que tem a letra m.
- Uma questão de sabedoria, isso na verdade leva muito tempo de pesquisa pra que possamos...
O senhor Manoel apertou o parafuso e logo veio à porta da oficina pronunciando de maneira espontânea.
- Marquinho, desde que você chegou com estas suas palavras estranhas já consegui consertar dois aparelhos.
- Ah sei, não sei por que não conseguiu consertar cinco.
- Cinco, porque cinco?
- Sim, os reparos ou consertos de cada coisa que um dia foi montada por pessoa se torna fácil quando estudamos em primeiro lugar os costumes das pessoas.
- Quais estas pessoas?
- As que fizeram a montagem de cada aparelho.
- Mas, por quê?
- Todo invento tem um pormenor que faz a ligação com as pessoas.
- Você, por exemplo, já inventou alguma coisa?
- Não seu Manoel, eu não sou um inventor, mas sou um menino que de certa forma tem as suas qualidades.
- O que tem a ver suas qualidades com inventos?
- Nada, não ver na verdade, mas tem uma coisa muito parecida que se chama reação.
- O que tem...
O seu Manoel deixou as suas vozes no ar e saiu desesperado para o aparelho de som dizendo:
- Só pode ser no circuito, só pode ser no circuito...
Marquinho ficou olhando friamente os momentos e vendo os lentos movimentos de seu Manoel.
- Está na última placa seu Manoel.
- O que está querendo dizer?
- O defeito que o senhor procura.
Depois que o seu Manoel encontrou o defeito pela dedicação do menino, falou:
- Gostaria de vir trabalhar comigo?
- Não posso dizer ao senhor que sim e nem que não.
- Por que não?
- Sabe, o senhor é como todos os seres que habitam a terra, assim como eu, mas na verdade não somos iguais em certos pontos, não é na verdade aconselhável que dissemos às pessoas o que pensamos, apenas para nos contentarmos de certa forma.
- Vejo que você é muito especial.
- Em que sentido?
- No sentido de positividade, você é muito positivo.
- Obrigado seu Manoel, pelo referido elogio.
- Simples, como é simples, só assim seu referido elogio.
- Isso seu Manoel, como vê, não é muito assim, o importante... Ah, não gostaria de apertar o parafuso na placa que o senhor estava consertando?
- Sim, isso você tem razão, mas mesmo assim como foi que descobriu que não tinha apertado o tal parafuso?
- Pelo seu semblante, o senhor ficou por alguns minutos pensando no que tinha a resolver.
- Sim, fiquei. E o que tem a ver com isso?
- Quando observamos o que as pessoas não conseguiram concluir é fácil por formar rugas em seu rosto.
- Já observei isso, principalmente em minha testa.
- Não só na testa como em muitos lugares, até mesmo perto da orelha.
- Você é mesmo diferente Marquinho, mas não vai me dar a resposta?
- Ah sim, do trabalho.
- Isso. Vai ou não vai?
- O senhor está falando de uma maneira muito direta senhor Manoel, isso não produz bons resultados nos negócios, em geral as pessoas que agem desta forma são passivas de esquecimentos.
- Isso. Eu esqueço mesmo das coisas.
- Mas o senhor tem grande vantagem a seu favor.
- Qual a vantagem?
- A calma, o senhor não entende nem mesmo o teu valor. É isso que acontece porque o senhor vive à procura dos valores dos outros e de certa maneira se esquece dos seus.
- Sim Marquinho, quando me preocupei em descobrir o meu interesse por você trabalhar para mim não foi o que fui imaginar.
- Não é necessário o senhor vir falar o que estava pensando, pois é muito simples perceber a hipocrisia das pessoas.
- Hipocrisia, que hipocrisia?
- Está vendo quanto é a hipocrisia, o senhor é tão hipócrita, só em falar...
- Marquinho, eu acho que não podemos ficar juntos.
- Ah é, quando falei de tal forma o senhor já se predispôs ou se revoltou na sua inescrupulosa visão de querer só o que lhe seja útil, não se importando com o que na verdade eu fosse ou me sentisse.
- E o que vamos fazer?
- Não sei se respondo ou não.
- Marquinho gostaria que você fosse embora.
- Sim senhor Manoel, eu já estou indo.
Marquinho saiu levando consigo mais uma experiência de que na verdade nunca se pode contar com nada e nem também nas pessoas hipócritas que se escondem atrás do seu eu e se esquece que todos somos na verdade completamente dependente dos outros, pois a vida humana é como se fosse o átomo que forma o seu valor até mesmo na menor parte.
- Agora vejo as pessoas andando indo em busca do nada e eu, o que posso ver é quem anda, anda, anda...
Marquinho se foi, pensando o que poderia estar acontecendo com aquele pobre senhor, pois até murmurou:
- O que será que ele vai fazer quando se lembrar de mim...
FIM
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