sábado, 29 de abril de 2023

A Cerca João Rodrigues

 A CERCA

 

JOÃO RODRIGUES

 

            Certo dia Marquinho sonhou que estava em certo lugar e falava com muitos homens... Pois ouviu um homem dizer:

            - Meu Deus, pra onde foram às pessoas que viviam aqui, aonde foram, aonde foi à linda Isabel!

            - E porque o homem falava assim Marquinho?

            - Não sei seu doutor, mas era mesmo muito triste a situação, sei que aquele pobre homem dizia:

            - Quantos anos eu fiquei naquele lugar infernal, quantos anos trabalhei naquela indústria, quanto sofri para depois vir parar neste sertão, voltei para viver o meu amor e agora me encontrei com esta coisa que se chama cerca, cerca, coisa infernal, saia da minha frente, saia da minha frente, saia, saia...

            - E ele parecia estar louco Marquinho?

            - Não doutor, eu não sei se era loucura, só sei que pelo que ele dizia tinha algo de estranho, sei que ele comentou:

            - Vou ver até aonde esta coisa que se chama cerca vai, quero saber aonde.

            - E o que se deu, ou melhor, até aonde foi à cerca?

            - Ele beirou a cerca até que chegou ao pé da serra, mas o certo é que ela, a cerca ah! Deixa que ele mesmo fale.

            - Sua cerca “marvada” aonde foi o meu amor! Pra que tanto sofrimento, tantas horas extras sem a satisfação de poder ver alguém, sonhando num futuro que pudesse pelo menos se realizar em minha mente e agora cerca, cerca, cerca, cerca...

            - Marquinho, o que você tem?

            - Nada doutor Palmiro. Estou bem, está tudo bem.

            - Não sei se esta de verdade, você parece que na verdade é o homem que fala.

            - Parece doutor, mesmo assim não sou ele deveria ser diferente.

            E assim Marquinho continuava dizendo, tentando imitar a voz desesperada do homem.

            - Vou seguir agora rumo ao rio, quero ver se encontro com alguma porteira, quero saber pra onde foi o meu amor.

            - Marquinho, você não é o homem, é você quem está falando ou foi o homem?

             - O homem doutor Antero, foi o homem.

             - Deixe que ele continue.

            - Sim doutor Palmiro - argumentou o doutor Eduardo

            - Posso falar o que falou o homem?

Todos ficaram em silêncio a ponto de Marquinho continuar...

             De modo que ele dizia triste:

            - Um rio, veja um rio, e esta coisa dos coronéis continuou até nele!

             - Está falando sozinho moço? - indagou um homem.

            - O misterioso senhor olhou pro lado que veio a voz e disse:

             - Quem é o senhor?

             Meio calmo ou inibido o homem que vigiava o lugar falou:

             - Sou eu, Antônio de Antero.

             - Seu Antônio de Antero!

             - Sim, às suas providências.

            - De quem é esta cerca? - Indagou o homem.

            - É do seu doutor.

            - Homem idiota - argumentou Marquinho dando um murro na mesa.

             - Tenha calma Marquinho, conte a história.

             - Sim doutor Palmiro.

             Assim Marquinho continuou:

            - Sei senhores, que aquele homem, antes tivesse ficado calado e ido embora, mas ele abriu a boca e disse:

            - O senhor está cuidando desse lugar há muito tempo?

              - Sim, pra sua consciência.

              - Lembra-se de uma família que vivia ai dentro?

              - A qual tinha boa parte de gente!

             O homem olhou pro Antônio de Antero e relatou:

             - Seu Julio de Almeida, já ouviu falar nesse nome?

             - Ah! Não moço, sei que muitas pessoas que viviam ai dentro o seu doutor mandou matar umas e outras foram para cidade.

             - Mandou matar, mas isso é coisa que se faz com um ser humano?

             - Se for não sei seu moço, e vê se me dá licença que tenho mais o que fazer.

            Assim Antônio de Antero foi saindo o homem, porém, falou:

            - Eu sou Pedro Castelo Branco.

            - É moço, pra mim não importa se o castelo do senhor é branco ou preto e nem mesmo azul, o que é certo é que tenho mais o que fazer!

            - Mas eu preciso saber aonde vive hoje o meu amor!

            - Procure por ele moço. Coisa feia, um homem procurando por outro.

De modo que o homem saiu resmungando.

- E o Castelo Branco? - indagou o doutor Palmiro.

              - Ele foi para o pequeno arraial de Lagoa Grande, e o que ele queria mesmo era encontrar o seu amor, a linda Isabel, era ela que ele vivia à procura, ele tinha que saber aonde ela se encontrava de uma maneira ou de outra, mas o certo que esse era o seu intento.

            - E ele conseguiu Marquinho?

            - Vamos esperar, não é Marta?

            - Sim doutor, ele chegou ao pequeno arraial e como era tarde, o sol começava a se pôr deixando o seu clarão fazer com que as vermelhas nuvens do sertão iluminassem à distância o pé da serra grande onde ainda tinha alguma coisa em comum com a lembrança de Castelo Branco, pelo menos da sua infância inesquecível e porque não dizer o início de sua juventude aonde aprendeu amar com a simplicidade de Isabel.

            - Ele chegou ao arraial?

            - Sim doutor, Pedro procurou logo a delegacia e se apresentou dizendo:

            - O Senhor é o doutor delegado? Eu venho vindo de muito distante sei que o senhor não me conhece e nem mesmo teria por onde, pois já faz muitos anos que fui embora, mas como passei estes anos na capital, vivendo a minha verdadeira fantasia quando lembrava do último beijo que dei em Isabel.

            - O que você está querendo mesmo forasteiro? O que quer dizer? Seja breve e vamos logo com isso ou vai pro pote!

            - Assim Castelo Branco...

            Assustado pela falta de paciência ou pela grande competência do doutor, e seu doutor delegado, ele disse:

            - Mas o que o senhor quer dizer com isso?

            - Não escutou direito, diga o que quer ou vai dando no pé!

            - Mas eu sou daqui, quero dizer, sou filho desse lugar, voltei pra cá.

            - Já que é daqui o que quer com tantas perguntas?

             - Sim, faz muitos anos que fui embora.

             - Com mais paciência o delegado falou:

             - Quem é o seu pai?

- Lucas Castelo Branco.

             - Não tem este homem por aqui não.

             - Mas o que aconteceu com ele?

             - Você que é filho não sabe rapaz, eu é que vou saber!

              - Meu Deus - disse Antônio.

             - Mas até o meu pai, estes coronéis de não seio de onde consumiram com ele?

             - Não sei forasteiro, só sei que não vi falar nesse homem!

            - E quanto a seu Martiniano, que era o pai de Isabel?

            - Ah! Desse eu me lembro.

             - Onde está então?

             - A velha ainda vive, mas ele morreu num tiroteio.

              - E sabe aonde vive a velha, a senhora Hortência?

             - Lá perto do porto.

            - Ele correu pro porto? - interrompeu a doutora Marlene.

            - Sim senhora - respondeu Marquinho argumentando:

              - E quando Antônio desmontou do seu cavalo, o seu olhar já se misturava no emaranhado das trevas, naquela pequena casa escura.

            - Dona Hortência... Ô! Dona Hortência!

             De lá de dentro daquela casa estranha uma voz meio baixa soou.

             - Alguém quer falar comigo?

             - Sim, quero. Eu sou Antônio, Antônio Castelo Branco.

             - Antônio deixou o seu cavalo amarrado no pequeno poste e foi entrando.

             - Dona Hortência!

             - Estou aqui filho.

             - Quando o pobre rapaz olhou pro lado, só tinha um resto de gente prostrado sobre um couro.

            - A senhora!

            - Ela não pode sofrer emoções Antônio Castelo Branco, e acho que você veio muito tarde.

            - Por que muito tarde, quem é você?

            - Sou uma amiga de Isabel, fiquei cuidando da senhora Hortência a seu pedido.

            - E pra onde foi o meu amor?

            - Meu nome é Maria José, gostei de você bonitão.

            - Você também é muito linda Maria José, mas o que quero mesmo é saber de Isabel!  

- Está com muita pressa, logo agora! Tenha calma filho, você não tem outra escolha, o seu amor já se foi.

            - Pra onde se foi? Como! Fale, ala morreu?

            - Não Antônio, quer dizer, Toninho, era assim que ela dizia:

            - Maria, o dia que você se encontrar com Toninho, fale para ele que o amei de verdade.

             - Eu também a amei, ela foi o meu único amor - gritou de maneira apaixonada o Antônio.

             - Mas o que tinha na verdade acontecido com a moça?

             - Tenha calma doutor Palmiro, calma!

            - Diz Marquinho, diz!  - exclamou a doutora Marlene.

            - Sim doutora.

            - Pois foi assim que ela falou quando foi raptada ou obrigada a servir aquele homem elegante. Eu até tive vontade de ir com ela para capital, mas ele preferiu Isabel, só por ser mais bonita do que eu.

            - Então ela se foi pra cidade?

            - Isso, pra capital. Deveria estar perto de você.

            - Perto de mim Maria José?

            - Isso, vivendo mesmo obrigada com o coronel, enquanto nós dois estamos ainda à espera de alguma coisa que se chama de amor, amor, ah! Será que um dia vou saber o que é o amor? Como será o amor!

            - Esta moça era louca, Marquinho? - interrompeu doutor Justino.

            - Não sei doutor, só sei que ela continuou dizendo:

            - Solte o seu cavalo nas roças do fundo Antônio, e seja bem vindo ao lar do seu amor. E o que Isabel não pôde fazer por você, eu farei o possível para fazer.

            - Maria. Só quero que me responda uma coisa?

            - Sim bonitão.

            - O que quero saber é pra onde foi a minha família.

            - Agora que está se lembrando da família, eu hem!

            - Não brinque comigo Maria, pra onde se foram?

            - Só sobrou na tempestade o seu irmão mais novo, mas mesmo assim não durou muito tempo.

            - Morreu?

            - Sim, o delegado José de Juliano, deu cabo da vida dele.

            - Por que fez isso com o Paulinho?

            - Paulinho quando você se foi, mas depois ninguém agüentava o rapaz, era um as no gatilho.

            - Mas acabou morrendo?

                        - Sim, com o delegado mingúem pode.

            - Dava-se pra notar nos olhos de Antônio a grande revolta que nascia, mas mesmo assim ele disse:

            - Qual o nome do coronel que provocou tanta tragédia Maria?

            - Doutor Júlio Mesquita.

            - Mesquita, Mesquita, Mesquita!  E foi saindo.

            - Por que ele saiu falando assim Marquinho?

            - É duro, mas a verdade tem que ser relatada doutor Palmiro,

            - E que verdade você está se referindo?

            - Ouça o que ele mesmo falou doutor.  

            E marquinho imitava o homem:

            - Mesquita, quantos anos trabalhando pro senhor, quantos anos, quantas histórias contei pro senhor, como eu era o seu amigo coronel, quantos anos.                       

 

         FIM

 

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