A CERCA
JOÃO RODRIGUES
Certo dia Marquinho sonhou que estava em certo lugar e falava com muitos homens... Pois ouviu um homem dizer:
- Meu Deus, pra onde foram às pessoas que viviam aqui, aonde foram, aonde foi à linda Isabel!
- E porque o homem falava assim Marquinho?
- Não sei seu doutor, mas era mesmo muito triste a situação, sei que aquele pobre homem dizia:
- Quantos anos eu fiquei naquele lugar infernal, quantos anos trabalhei naquela indústria, quanto sofri para depois vir parar neste sertão, voltei para viver o meu amor e agora me encontrei com esta coisa que se chama cerca, cerca, coisa infernal, saia da minha frente, saia da minha frente, saia, saia...
- E ele parecia estar louco Marquinho?
- Não doutor, eu não sei se era loucura, só sei que pelo que ele dizia tinha algo de estranho, sei que ele comentou:
- Vou ver até aonde esta coisa que se chama cerca vai, quero saber aonde.
- E o que se deu, ou melhor, até aonde foi à cerca?
- Ele beirou a cerca até que chegou ao pé da serra, mas o certo é que ela, a cerca ah! Deixa que ele mesmo fale.
- Sua cerca “marvada” aonde foi o meu amor! Pra que tanto sofrimento, tantas horas extras sem a satisfação de poder ver alguém, sonhando num futuro que pudesse pelo menos se realizar em minha mente e agora cerca, cerca, cerca, cerca...
- Marquinho, o que você tem?
- Nada doutor Palmiro. Estou bem, está tudo bem.
- Não sei se esta de verdade, você parece que na verdade é o homem que fala.
- Parece doutor, mesmo assim não sou ele deveria ser diferente.
E assim Marquinho continuava dizendo, tentando imitar a voz desesperada do homem.
- Vou seguir agora rumo ao rio, quero ver se encontro com alguma porteira, quero saber pra onde foi o meu amor.
- Marquinho, você não é o homem, é você quem está falando ou foi o homem?
- O homem doutor Antero, foi o homem.
- Deixe que ele continue.
- Sim doutor Palmiro - argumentou o doutor Eduardo
- Posso falar o que falou o homem?
Todos ficaram em silêncio a ponto de Marquinho continuar...
De modo que ele dizia triste:
- Um rio, veja um rio, e esta coisa dos coronéis continuou até nele!
- Está falando sozinho moço? - indagou um homem.
- O misterioso senhor olhou pro lado que veio a voz e disse:
- Quem é o senhor?
Meio calmo ou inibido o homem que vigiava o lugar falou:
- Sou eu, Antônio de Antero.
- Seu Antônio de Antero!
- Sim, às suas providências.
- De quem é esta cerca? - Indagou o homem.
- É do seu doutor.
- Homem idiota - argumentou Marquinho dando um murro na mesa.
- Tenha calma Marquinho, conte a história.
- Sim doutor Palmiro.
Assim Marquinho continuou:
- Sei senhores, que aquele homem, antes tivesse ficado calado e ido embora, mas ele abriu a boca e disse:
- O senhor está cuidando desse lugar há muito tempo?
- Sim, pra sua consciência.
- Lembra-se de uma família que vivia ai dentro?
- A qual tinha boa parte de gente!
O homem olhou pro Antônio de Antero e relatou:
- Seu Julio de Almeida, já ouviu falar nesse nome?
- Ah! Não moço, sei que muitas pessoas que viviam ai dentro o seu doutor mandou matar umas e outras foram para cidade.
- Mandou matar, mas isso é coisa que se faz com um ser humano?
- Se for não sei seu moço, e vê se me dá licença que tenho mais o que fazer.
Assim Antônio de Antero foi saindo o homem, porém, falou:
- Eu sou Pedro Castelo Branco.
- É moço, pra mim não importa se o castelo do senhor é branco ou preto e nem mesmo azul, o que é certo é que tenho mais o que fazer!
- Mas eu preciso saber aonde vive hoje o meu amor!
- Procure por ele moço. Coisa feia, um homem procurando por outro.
De modo que o homem saiu resmungando.
- E o Castelo Branco? - indagou o doutor Palmiro.
- Ele foi para o pequeno arraial de Lagoa Grande, e o que ele queria mesmo era encontrar o seu amor, a linda Isabel, era ela que ele vivia à procura, ele tinha que saber aonde ela se encontrava de uma maneira ou de outra, mas o certo que esse era o seu intento.
- E ele conseguiu Marquinho?
- Vamos esperar, não é Marta?
- Sim doutor, ele chegou ao pequeno arraial e como era tarde, o sol começava a se pôr deixando o seu clarão fazer com que as vermelhas nuvens do sertão iluminassem à distância o pé da serra grande onde ainda tinha alguma coisa em comum com a lembrança de Castelo Branco, pelo menos da sua infância inesquecível e porque não dizer o início de sua juventude aonde aprendeu amar com a simplicidade de Isabel.
- Ele chegou ao arraial?
- Sim doutor, Pedro procurou logo a delegacia e se apresentou dizendo:
- O Senhor é o doutor delegado? Eu venho vindo de muito distante sei que o senhor não me conhece e nem mesmo teria por onde, pois já faz muitos anos que fui embora, mas como passei estes anos na capital, vivendo a minha verdadeira fantasia quando lembrava do último beijo que dei em Isabel.
- O que você está querendo mesmo forasteiro? O que quer dizer? Seja breve e vamos logo com isso ou vai pro pote!
- Assim Castelo Branco...
Assustado pela falta de paciência ou pela grande competência do doutor, e seu doutor delegado, ele disse:
- Mas o que o senhor quer dizer com isso?
- Não escutou direito, diga o que quer ou vai dando no pé!
- Mas eu sou daqui, quero dizer, sou filho desse lugar, voltei pra cá.
- Já que é daqui o que quer com tantas perguntas?
- Sim, faz muitos anos que fui embora.
- Com mais paciência o delegado falou:
- Quem é o seu pai?
- Lucas Castelo Branco.
- Não tem este homem por aqui não.
- Mas o que aconteceu com ele?
- Você que é filho não sabe rapaz, eu é que vou saber!
- Meu Deus - disse Antônio.
- Mas até o meu pai, estes coronéis de não seio de onde consumiram com ele?
- Não sei forasteiro, só sei que não vi falar nesse homem!
- E quanto a seu Martiniano, que era o pai de Isabel?
- Ah! Desse eu me lembro.
- Onde está então?
- A velha ainda vive, mas ele morreu num tiroteio.
- E sabe aonde vive a velha, a senhora Hortência?
- Lá perto do porto.
- Ele correu pro porto? - interrompeu a doutora Marlene.
- Sim senhora - respondeu Marquinho argumentando:
- E quando Antônio desmontou do seu cavalo, o seu olhar já se misturava no emaranhado das trevas, naquela pequena casa escura.
- Dona Hortência... Ô! Dona Hortência!
De lá de dentro daquela casa estranha uma voz meio baixa soou.
- Alguém quer falar comigo?
- Sim, quero. Eu sou Antônio, Antônio Castelo Branco.
- Antônio deixou o seu cavalo amarrado no pequeno poste e foi entrando.
- Dona Hortência!
- Estou aqui filho.
- Quando o pobre rapaz olhou pro lado, só tinha um resto de gente prostrado sobre um couro.
- A senhora!
- Ela não pode sofrer emoções Antônio Castelo Branco, e acho que você veio muito tarde.
- Por que muito tarde, quem é você?
- Sou uma amiga de Isabel, fiquei cuidando da senhora Hortência a seu pedido.
- E pra onde foi o meu amor?
- Meu nome é Maria José, gostei de você bonitão.
- Você também é muito linda Maria José, mas o que quero mesmo é saber de Isabel!
- Está com muita pressa, logo agora! Tenha calma filho, você não tem outra escolha, o seu amor já se foi.
- Pra onde se foi? Como! Fale, ala morreu?
- Não Antônio, quer dizer, Toninho, era assim que ela dizia:
- Maria, o dia que você se encontrar com Toninho, fale para ele que o amei de verdade.
- Eu também a amei, ela foi o meu único amor - gritou de maneira apaixonada o Antônio.
- Mas o que tinha na verdade acontecido com a moça?
- Tenha calma doutor Palmiro, calma!
- Diz Marquinho, diz! - exclamou a doutora Marlene.
- Sim doutora.
- Pois foi assim que ela falou quando foi raptada ou obrigada a servir aquele homem elegante. Eu até tive vontade de ir com ela para capital, mas ele preferiu Isabel, só por ser mais bonita do que eu.
- Então ela se foi pra cidade?
- Isso, pra capital. Deveria estar perto de você.
- Perto de mim Maria José?
- Isso, vivendo mesmo obrigada com o coronel, enquanto nós dois estamos ainda à espera de alguma coisa que se chama de amor, amor, ah! Será que um dia vou saber o que é o amor? Como será o amor!
- Esta moça era louca, Marquinho? - interrompeu doutor Justino.
- Não sei doutor, só sei que ela continuou dizendo:
- Solte o seu cavalo nas roças do fundo Antônio, e seja bem vindo ao lar do seu amor. E o que Isabel não pôde fazer por você, eu farei o possível para fazer.
- Maria. Só quero que me responda uma coisa?
- Sim bonitão.
- O que quero saber é pra onde foi a minha família.
- Agora que está se lembrando da família, eu hem!
- Não brinque comigo Maria, pra onde se foram?
- Só sobrou na tempestade o seu irmão mais novo, mas mesmo assim não durou muito tempo.
- Morreu?
- Sim, o delegado José de Juliano, deu cabo da vida dele.
- Por que fez isso com o Paulinho?
- Paulinho quando você se foi, mas depois ninguém agüentava o rapaz, era um as no gatilho.
- Mas acabou morrendo?
- Sim, com o delegado mingúem pode.
- Dava-se pra notar nos olhos de Antônio a grande revolta que nascia, mas mesmo assim ele disse:
- Qual o nome do coronel que provocou tanta tragédia Maria?
- Doutor Júlio Mesquita.
- Mesquita, Mesquita, Mesquita! E foi saindo.
- Por que ele saiu falando assim Marquinho?
- É duro, mas a verdade tem que ser relatada doutor Palmiro,
- E que verdade você está se referindo?
- Ouça o que ele mesmo falou doutor.
E marquinho imitava o homem:
- Mesquita, quantos anos trabalhando pro senhor, quantos anos, quantas histórias contei pro senhor, como eu era o seu amigo coronel, quantos anos.
FIM
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