sábado, 29 de abril de 2023

O Ouro Maldito João Rodrigues

 O OURO MALDITO

 

João Rodrigues

 

            O vento assoprava forte, as nuvens azuis que vinham do norte, e num passo de mágica todo o chão se cobria de água, as árvores bailavam com o vento e o relâmpago partia o céu em imaginárias fatias, o trovão quebrava a canção do cair das águas no telhado da velha casa lá nos confins do sertão...

            - Por que está chorando mãe?

            - É difícil esconder a saudade que sinto de seu pai Aprício. Quando chegam as chuvas e que o vento frio bate em meu rosto, sinto que nunca mais verei Honório.

            Maria falava com o seu filho olhando pela janela da velha casa, recebendo em sua face o vento frio que tocava em seu rosto as lembranças do seu marido que há muito tinha partido. Contudo ela olhava um velho retrato que existia na velha parede da casa, a única lembrança do seu amor.

            - Um dia ele vai chegar mãe. Quando a senhora menos esperar ele baterá à porta.

            - Não sei se isso acontecerá Aprício. Já faz muito tempo que ele se foi.  Eu pedi tanto para não ir, mas a ganância pelo dinheiro e o ouro era tanta que não vi a hora que ele disse: Cuide das crianças Maria. Que vou para o garimpo. E montou em seu cavalo e se foi.

            - E falou para onde ia?

            - Não filho. Disse que tinha um amigo em Mato Grosso. Talvez tenha ido para lá.

            - E a senhora se lembra do nome do tal amigo?

            - Disse que era José Pedro.

            Aprício olhou para o retrato do pai e meio triste relatou:

            - Não me lembro dele. Ele era bom para mim?

            - Ele gostava muito de você filho. Gostava da Diva e do Carlito. Ele gostava de todos por igual.

            - Não, ele gostava mais de mim, não era mãe? - indagou Diva que acabava de chegar com Carlito.

            - Ninguém está te chamando no meio da conversa - relatou Aprício.

            - Estão falando do meu pai - acrescentou Diva.

            - É meu também, se esqueceram - informou Carlito.

            Diva era a primeira filha do casal, depois veio Aprício e finalmente veio Carlito que quando Honório se foi, ele ainda estava dando os seus primeiros passos.

            - Hoje faz dezessete anos que Honório se foi, o certo é que ele deve ter morrido a essa altura,

            - E o amigo dele. A senhora teve notícias?

            - Não Aprício, de ninguém, ninguém sabe desse senhor. Eu acho até que Honório me deu o nome errado.

            - Pare de falar sobre isso gente. Toda época das chuvas vocês ficam tristes - relatou Carlito.

            - O que está acontecendo Carlito? Estamos relembrando de nosso pai. Estamos preocupados se ele está vivo ou morto. Ele é o nosso pai...

            - Eu sei que é o nosso pai Aprício. Contudo não podemos fazer nada por ele. Ele sumiu...

            - Quem sabe ele está preso em algum lugar!  - exclamou Diva.

            - Ou morto e enterrado - retrucou Carlito.

            - Ou vivendo feliz em algum lugar. Casado. Pai de outros filhos. Com muito ouro e gado. Quem sabe até uma das maiores fazendas de Mato Grosso - relatou Aprício olhando para sua mãe.

            - Não filho. Não está não. Honório nunca se casaria com outra mulher. Vai ver que ele não encontrou o ouro e está tentando encontrá-lo para trazê-lo para a gente.

            - Não acredito mãe. Dezessete anos são muita coisa. É muito tempo. Ele já devia ter voltado. 

            - A chuva já passou, acho melhor vocês irem para a roça - ordenou Diva sentindo-se preocupada com a plantação.

            - Está bem Diva. Vamos andando Carlito - convidou Aprício.

            Os rapazes foram para a roça cuidarem da plantação. Diva com sua mãe cuidavam da casa.

            - Diva, olha para o andado de Aprício, é como se visse Honório seguindo. Como ele puxou o pai!

            - Não sei mãe. Não me lembro como o papai andava.

            Enquanto as duas falavam, os dois caminhavam rumo à roça e comentavam:

            - Sabe Carlito. Eu bem que teria coragem de ir procurar o papai. Quem sabe eu o encontraria em algum lugar.

            - E aonde você iria encontrá-lo?

            - Não sei. Só sei que eu iria parar em Mato Grosso. Lá eu começaria a procurá-lo.

            - E se ele morreu? Você nunca iria encontrá-lo.

            - Assim seria bem melhor. Pois desta forma viveríamos tranqüilos por saber que já não temos pai.

            - Se fosse para resolver assim, sabendo que ele morreu, seria melhor a gente viver na ilusão. Pois mesmo assim com ele sumido, ainda nos resta à esperança de um dia ele aparecer. E se soubermos que ele morreu, acho que a minha alma morreria também.

            - Pois eu vou procurá-lo Carlito.

            - Pode ir sozinho. Eu não tenho coragem de sair por esse mundo afora. Tenho medo.

            Naquele momento que Carlito falava. Aprício olhava para a incomparável beleza do arco-íres e disse:

            - Veja Carlito. Longe lá nos céus se forma um grande arco-íres, com cores tão bonitas que jamais haveremos de imitar. E quisera eu ter o poder de poder ser como a natureza. Tão poderosa e exuberante. Assim eu encontraria com o nosso pai num piscar de olhos.  Sebe, às vezes eu fico pensando que o nosso pai está em algum lugar, precisando da gente. Até mesmo chego a pensar que ele pode estar passando necessidades. Sem ninguém do seu lado para lhe dar um apoio.  E quanto a nós, aqui a esperá-lo sem saber que ele nem mesmo tem condições de vir até a gente.

            E já em casa. Aprício relatou para Diva e sua mãe o que disse a Carlito lá na roça. E em seguida Maria falou:

            - A mente da gente é assim filho. Principalmente quando nos colocamos diante de um problema, aí ela fica girando como uma bola imaginária que voa de continente em continente á procura de inexistentes fronteiras.

            - Compreendo mãe.

            E o tempo passou. Foi à primavera, o verão... E a cada manhã que surgia, Aprício continuava com a vontade de ir á procura do seu pai.

            - Mãe! Como eu poderia reconhecer o meu pai? Com o retrato que temos não vai ser possível. Hoje ele deve estar com os cabelos grisalhos, com o rosto mudado, e um semblante diferente.

            - Ele tem uma marca de ferro no ombro direito. Tem também marcas de chifres de boi no braço esquerdo. E finalmente aquele dente de ouro que fazia embelezar o seu sorriso. Que sempre estampava aquele rosto moreno.

            E Maria falava como se estivesse vendo Honório em sua frente.

            Aprício confirmava olhando a sua mãe e dizendo:

            - É mãe. Eu quero ir à procura dele. Ele pode estar precisando de ajuda.

            Aprício falava com ar de muita tristeza.

            - É muito perigoso meu filho! Você tem que estar preparado. Pois vai enfrentar um mundo cruel.

            - Mundo cruel mãe!  Porque mundo cruel?

            - A crueldade filho, está nas pessoas que procuram passar as outras para trás. Tomar o que elas possuem.  Este é o mundo cruel que me refiro.

            - Acho difícil acontecer isso comigo mãe. Não sou dono de nada.

            - Você que pensa filho. Tem gente que ao ver você montar um cavalo com sela nova. E vê você trajando-se nova vestimenta, acha que você está nadando em dinheiro. E daí surge à maldita inveja que junto com ela vem a tal da maldade e quando você menos espera já está todo enrolado.  E num piscar de olhos aparece a tal da desgraça.

            - E o que devo fazer mãe?

            - Muitas coisas filho. Em primeiro lugar você tem que conhecer as pessoas. Na verdade e muito difícil conhecer as pessoas, mas pelo menos você tem que ter uma noção de cada tipo de gente.  E em segundo lugar você tem que saber lutar. Atirar, manejar armas de todos os tipos.  Pau, pedra, corda e o que estiver em seu alcance.

            - E com quem vou aprender tanta coisa mãe?

            - Comigo filho. Eu aprendi muito com o meu pai antes de morrer na luta contra o Coronel Cláudio Pires. 

E como um vento os dias se passaram. Maria não perdia tempo em ensinar os seus filhos a lutarem. Tanto Aprício como Carlito saiam bem no aprendizado. Diva, porém não ficava para trás. Com isso estava se formando um trio praticamente invencível. E Diva já até comentava atirando em pássaros voando:

            - Já estou boa mamãe?

            - Pode melhorar minha filha. Para um lutador os treinos nunca chegam ao fim.

            - Está gastando balas atirando em pássaros, Diva.

            - Atirar em pássaros é uma maneira de testar a nossa pontaria Carlito.

            - Nisso ela tem razão filho - relatou Maria demonstrando algo de estranho.

            - Está com algum problema mãe?

            - Estou só um pouco cansada Aprício.

            - Então porque não vamos para casa - relatou Carlito.

            E ao chegarem à casa uma surpresa estava à espera de Maria.

            - Mãe. Tem uma carta aqui.

            - De quem será filha. Leia para nós. Já nem mesmo recordo a época de que recebi uma carta...

            - Diz aqui que é do um tal Doutor Paulino.

            Maria ficou por algum tempo pensativa e em seguida relatou:

            - Nunca ouvi falar nesse nome filha. Leia a carta.

            E depois que Diva leu em voz alta a tal carta, surpresa Maria exclamou!

            - Ir a cidade tratar de assunto do meu interesse!

            - O que será mãe?  - indagou Carlito.

            - Só indo lá para ver - relatou Aprício.

            Maria meio triste murmurou:

            - É isso filho. Só indo até lá.

            - Quem será esse Doutor Mãe?

            - Deve ser algum Coronel novo na cidade Aprício.  Que a gente ainda não ouviu falar dele...

            - Deve ser mesmo - argumentou Diva mergulhada num interminável suspense.

            E a carta com o seu maldito mistério de crueldade só podia ter sido assinada por um maldito Coronel, pois acabou com toda a alegria daquelas criaturas.  Pois para cada olhar podia contemplar a tristeza, a dor, o remorso. A noite passou e Maria nem sequer conseguiu pregar os olhos. Pois aquela maldita carta estava no seu pensamento. De modo que ela relatou:

            - Aprício. Você fica cuidando da fazenda com sua irmã que eu e Carlito vamos a cidade ver do quê se trata esta maldita carta, ver quem é esse Doutor Paulino e o que ele deseja.

            - Ficarei a sua espera mãe. Mas desde já recomendo que a senhora e Carlito deva tomar muito cuidado. Pois esse povo de cidade não e um povo que merece confiança. Ainda mais quando se trata desses tais de Doutores.

            Maria e Carlito seguiram para cidade sem saber o que estava a sua espera. E já depois de algum tempo de viagem Carlito relatou:

            - Lá está a cidade mãe. Não acha que seria melhor a gente parar no mercado e informar de alguém sobre esse tal Doutor Paulino?

            - Não Carlito. Não. Vamos direto ao endereço da carta.  Pois não temos amigos. Somos só nós. Eu criei vocês sozinha, por isso aprendi a não confiar em ninguém. Vamos direto ao Doutor Paulino.

            E quando chegaram ao endereço da tal carta, Maria tocou campainha e logo foi atendida por um senhor...

            - É aqui que encontro Doutor Paulino.

            - Vou chamá-lo senhora. Pode entrar.

            Maria e Carlito esperavam o senhor chamar o Doutor Paulino. E assentados num grande banco de aroeira, ela tentava ainda mesmo que inútil descobrir por si só quem seria o tal doutor...

            - Olha só! Quanto tempo. Esse deve ser um dos seus filhos. Ele parece muito com Honório.

            - Honório. O senhor sabe do paradeiro de Honório?

            - Não. Na verdade eu procurei por ele. Já verifiquei em muitos endereços, contudo foi inútil.

            - E que interesse é o que lhe fez procurá-lo Doutor?

            - Bem senhora. A história é um pouco complicada. Eu devo relatar à senhora na verdade, que isso não tem muito valor para mim. O que eu quero mesmo é acertar umas contas com a senhora.

            - Contas! Que tipo de contas? O senhor deve estar enganado. Talvez seja outra pessoa que está procurando. Eu nunca comprei nada fiado. Eu não...

            - Não estou me referindo a despesas senhora. E sim a um acerto de contas. A uma vingança. Será que agora faço entender o que verdadeiramente estou querendo?

            - Ficou ainda mais complicado Doutor.

            - Sei que a senhora não se lembra do tal episódio. Pois eu ainda era muito pequeno. Contudo eu já era gente. Já parecia com gente. Merecia ser tratado como gente.  

            - Não compreendo aonde quer chegar Doutor!

            - Deixa o Doutor terminar a sua história filho. Fale Doutor.

            - Obrigado senhora. Como eu ia dizendo: Eu já era gente. Mas mesmo assim fui atirado nas águas do rio. E na aflição eu consegui com a ajuda da minha pobre mãe, a me agarrar a um tronco que descia na correnteza. Foi à última coisa que ela fez. Pois as piranhas devoravam o seu lindo corpo e na aflição ela me pediu para vingar a morte dela quando eu fosse um Doutor. E com as minhas lágrimas misturando com as águas do rio, eu a vi pela última vez, descendo nas profundezas das águas em forma de cambão de osso.

            - E como consegui se salvar?

            - Um pescador me socorreu.

            - E ele sabia que o senhor era filho do Coronel Cláudio Pires?

            - Ele ficou sabendo.

            - Mas se esse pescador te criou, e sabia que o teu pai morreu, porque ele não veio entregá-lo à polícia?

            - Atendeu ao meu pedido.

- Atendeu ao pedido de uma criança?

- Sim, talvez por remorso e a promessa que fiz a ele.

- Que promessa tão importante foi essa?

            - Que depois que eu me formasse a doutor eu resgataria tudo que fosse do meu pai e repartiria com ele.

            - E ele aceitou?

            - Sim, foi isso o que aconteceu.

            - E quem era o pescador?

            - Seu Isaurino.

            - Assim compreendo porque o seu Isaurino desapareceu da nossa região.

            - Isso mesmo senhora. Fomos naquela ocasião para a capital. Lá ele providenciou um emprego e me colocou na escola junto com o seu filho.

            - E agora que é doutor, vem acabar com a minha mãe?

            - Mantenha-se calmo filho. Deixa o Doutor Paulino contar a sua história.

            E o Doutor continuou meio triste:

            - Foi difícil tolerar aquela vida senhora. Enquanto o seu Isaurino trabalhava e recebendo um pequeno salário, e só mesmo a senhora Jandira lavando roupas para fora, pra que conseguíssemos alcançar o nosso objetivo.

            - Mas valeu à pena, não Doutor?

            - Até que ia valendo. Mas quando a gente nasce no barco do azar, não adianta querer embarcar na jangada da sorte.

            - E o que de tão terrível aconteceu?

            - Aconteceu que no dia da minha formatura, nós vínhamos cantando as nossas alegrias no carro, seguindo pela avenida movimentada daquela cidade maldita. Até mesmo o senhor Isaurino fazia planos para que logo estivesse aqui e assim tomaríamos o que pertenceu ao meu pai.  E sei que ele também estava com vontade de matar a saudade dos longos e tristes vinte anos. Mas como a vida é como uma caixinha de surpresas...

            - O que aconteceu Doutor?  

            - Quando as coisas vão indo bem, tudo se transforma. 

            - Um acidente?

            - Sim senhora. Fui acordar muitos meses depois numa cama de um hospital.

            - E o que aconteceu aos outros?

            - Fui visitar os seus túmulos.  Onde sinto que parte de mim ficou sepultada ali.

            - O senhor está aqui Doutor.

            - Sei. Contudo sinto que sou um pobre Doutor condenado ao sofrimento eterno.

            Melhor seria se eu tivesse morrido.

            - Mas não morreu Doutor. O senhor está vivo. E ainda pode vingar a morte da sua mãe.

            - Mãe, este Doutor está louco!

            - Não fale isso filho. Não falte com o respeito ao Doutor. Não é assim que devemos tratar as pessoas.

            - Não vê que ele quer matar a senhora!

            - Não devemos nos assustar com a morte filho. Ninguém morre antes da Hora determinada por Deus.

            - Ouça a sua mãe rapaz.

            De modo que Maria relatou ao Doutor Paulino:

            - Sabe Doutor. Da mesma forma que o seu pai matou o meu eu matei a sua mãe. Portanto acho que estamos zero a zero. Contudo não tiro a sua razão. É todo seu o direito de lutar para conseguir o que quer. Resta saber se vai alcançar o seu objetivo.

            - Vamos mãe. Não estou me sentindo bem neste local. Vamos embora.

            - Está com medo filho. Um homem não deve ter medo de nada.

            - Mas deve se precaver do perigo mãe.

            - Já que é assim, vamos meu filho.

            - Espere um pouco senhora.

            - O que quer Doutor?

            - Eu vou vingar a norte de minha mãe. Porém, não aqui na cidade. Não quero que essa gente saiba quem eu sou o que vim fazer aqui. Pretendo fazer o serviço num lugar que ninguém me conhece.  Para que eu mesmo não me recordo de tanta desgraça que me aconteceu.

            - Compreendo Doutor. Deve ser muito triste o sujeito viver num lugar sem ter o direito de ser reconhecido. E ainda num lugar como esse que só quem é Coronel é que tem valor. Afirmo que depois daquela ocasião foi muito grande o meu sofrimento.

            - A justiça divina existe senhora. Pois a senhora matou a mãe de uma criança.

            - Quanto a isso eu não contesto Doutor. Sei que faz parte do jogo. Ou seria ela ou eu.  E quanto à dor que o senhor sentiu e ainda sente, também consome a minha alma. Pois naquela maldita batalha eu perdi quase tudo na minha vida. Só me restou Honório que logo se foi em busca de ouro.

            - Antes tivesse sido a senhora ter ido à busca de ouro. Com isso eu poderia encontrá-la num lugar diferente. Ai sim. Eu poderia lutar e assim poder exibir o meu verdadeiro nome.

            - Pode usar o seu nome Doutor. Não vou contar a ninguém. Uma vez que não tenho amigos. Não tenho a quem contar.

            - Não senhora. Prefiro que isso seja um segredo.

            - Tudo bem Doutor. O que resolver, sabe que não vai me avisar. Contudo, faça o que achar melhor.

            - Certa senhora. Breve irei atacá-la em sua fazenda.

            - Estou esperando Doutor. Assim que desejar...

                        - E quanto ao seu marido? É verdade que não deu mais notícias?

            - Sim Doutor. Até hoje só a espera que ele apareça.

            Maria se despediu do Doutor Paulino e foi para sua casa, levando em seu coração algo que nem mesmo podia saber o quê. Pois a ameaça de morte, a saudade de Honório e aquela repentina lembrança do passado infernal que viveu. Agora estava ali em sua frente a sua sentença de morte. Doutor Paulino. Um menino do passado que nem mesmo ela sabia o nome...

            - Diva mamãe está vindo com Carlito. Será que encontraram o tal Doutor Paulino.

            - Quem sabe Aprício.

            Maria desmontou do seu cavalo e entrou em sua casa...

            - E então mãe. Como foi lá com o tal Doutor Paulino?

            - Tudo bem filho, foi tudo bem.

            Maria falava que estava tudo bem. No entanto Aprício parecia ler em seu pensamento que algo muito estranho tinha acontecido.

            - Como foi lá Carlito? Uma vez que a nossa querida mãe não quer dizer.

            - Encontramos o tal Doutor Paulino. E ele veio com uma história muito estranha.

            - Que história está se referindo?

            - Sobre vingança...

            E Carlito contou todo o acontecido lá na cidade para Aprício enquanto colocavam os cavalos na roça. De modo que podia ver na face do irmão o seu ar de estranheza...

            - Então a senhora é uma assassina? - indagou Aprício.

            - Por que está me dizendo isso filho?

            - Não foi à senhora que matou a esposa do Coronel Cláudio Pires nas margens do Rio Cipó?

            - Não foi bem assim como está pensando filho.

            De maneira que Maria contou o que verdadeiramente aconteceu...

            - Então o Coronel Cláudio Pires desonrava as filhas alheias e ficava por isso mesmo?

            - Sim. Ele abusava de qualquer uma.

            - E abusou da senhora?

            - Não Diva. Abusou da minha irmã Marli. Coitada não agüentou a vergonha e acabou se suicidando.

            - Com isso o Vovô Martim resolveu se vingar?

            - Sim Aprício, foi ai que tudo começou. Era duas, eu já casada e ela era a única solteira do papai. E quando se suicidou, deixou um bilhete que dizia que o Coronel Cláudio Pires tinha abusado da sua inocência.

            - E daí mãe? - indagou Carlito.

            - Aquilo foi como se tivesse tirado um pedaço de nossos corações.

            - Ai então acabou com o Coronel Cláudio Pires e a sua família?

            - Sim Diva. Foi esta a forma que encontramos para amenizar a nossa dor.

            Maria chorando parecia que não estancava as suas lágrimas por recordar daquela coisa tão terrível que tinha acontecido.

            - Que coisa diabólica - relatou Aprício.

            - Esse é o nome certo filho. Coisa diabólica. É uma vida maldita.

            Maria ali assentada no banco com os seus filhos do seu lado...

            - Continua a história mamãe.

            - Está bem Diva. Acho que já tenho forças para continuar...

            De modo que Maria continuou a sua estranha história...

            - Era meu pai e eu que formávamos uma dupla invencível. Ainda mais ao nos juntar a Honório que com ele éramos então um trio de dar inveja a qualquer um. Com isso foram muitas as paradas que enfrentamos. Acabamos com o Coronel Américo, e o meu pai ficou com tudo que ele tinha. Mais adiante fomos atacados pelo Coronel Manoel Pedro, nessa batalha meu pai ficou viúvo. Pois foi quando eu perdi a minha mãe e os meus dois irmãos.

            - E venceram a luta mesmo assim?

            - Sim Diva. Além de vencermos a luta nos rederam as terras do Coronel. Depois que eliminamos todos os seus pistoleiros.

            - Depois foi que veio a acontecer a luta com o Coronel Cláudio Pires?

O meu pai sem mulher ficou na boemia a jogou tudo que tínhamos nas suas aventuras com as prostitutas no cabaré da cidade. De sorte que até onde morávamos já pertencia ao seu Isidoro. O dono do cabaré.

            - Sabemos que quem mora na fazenda hoje é o Coronel Curió.

            - Sim Aprício. O seu Isidoro vendeu para ele logo após a morte do meu pai.

            - E para onde a senhora foi com o papai?

            - Fomos viver com um casal de velhos que tinha umas terras, e logo que eles morreram ficamos com elas. Que são essas terras que estamos agora.

            - E as terras do Coronel Cláudio Pires, com quem ficaram?

            - Hoje quem é dono de tudo é o Coronel Curió. Ele acabou com os posseiros e ficou com tudo.

            - E porque a senhora não lutou contra esses Coronéis?

            - Não Diva. Depois da batalha contra o Coronel Cláudio Pires que eu perdi o meu pai e que por fim Honório se foi, eu apenas me dediquei a cuidar de vocês.

            - Agora que estamos criados o que a senhora pretende fazer?

            - É a vida Aprício. Agora que estão criados como você disse, eu já até penso deixar você ir à busca do seu pai, e vejo que chegou uma herança do passado. Uma herança das malditas lutas do passado. Herança das batalhas malditas. Agora estou de frente a um caminho escuro.

            - E o que pretende fazer mãe? Essa é a minha pergunta.

            - Calma Aprício. A vida e um jogo, e vive mais quem souber jogar. Não é de uma hora para outra que a gente define as estratégias.

            - E a senhora não nos contou como foi à luta?  - interrompeu Diva.

            - Esqueça isso Diva - relatou Carlito.

            - Tudo bem. Eu vou contar...

            De modo que Maria contou aos seus filhos como tudo aconteceu...

            - Então o vô Martim era bom hem mãe!

            - Muito bom Aprício. Mas mesmo assim se foi.

            - Não fique triste mãe. Anime-se. Hoje a senhora não tem pai, mas seus três filhos estão do seu lado.

            - Ainda me restam vocês Diva...

            Já era noite na casa de Maria. Parecia que o tempo tinha parado. Tudo estava sem solução. Contudo já no dia seguinte...

            - Acordem. A vida continua. Não vamos ficar aqui esperando que o Doutor Paulino venha matar a nossa mãe. Vamos, acordem - ordenava aflita e senhorita Diva.

            - O que pretende fazer Diva? - indagou Aprício.

            - Não sei meu irmão. Porém sinto que temos que tomar uma providencia.

            - Calma Diva. Tudo vai dar certo - relatou Aprício se levantando.

            - E quanto à senhora mãe. Dormiu bem?

            - Muito bem Diva.

            Maria disse para a filha que tinha dormido bem, no entanto dava para perceber que não tinha pregado os olhos...

            - Carlito. Você fica com a mãe que Diva e eu vamos para a feira. 

            - Vocês devem redobrar os cuidados filhos - ordenou Maria.

            - Fique tranqüila mãe. Teremos todo cuidado do mundo.

            Ao chegarem a tal feira, Aprício falou com Diva:

            - Será que tal Doutor Paulino está por ai?

            - Da forma que a mãe nos contou é provável que não esteja.

            - Eu tenho as minhas dúvidas.

            E naquele lugar o que não faltava era forasteiros armados à procura de encrencas...

            - Já que estamos aqui, vamos às compras Diva.

            - E já na loja do seu Ignácio...

            - Senhorita Diva e Aprício. É uma honra tê-los conosco - relatou Alonso o filho do seu Ignácio.

            - Posso saber de onde veio esta beleza?

            E estendendo a mão para Diva falou:

            - Encantado com a sua beleza, nem mesmo posso medir a minha grande alegria. Desde já me coloco à sua disposição, e porque não me apresentar. Sou o seu humilde desde já admirador, Doutor Paulino.

Diva assustada, contudo não deu bandeira e por ter se encantado com o Doutor Paulino disse:

            - Sinto-me lisonjeada com isso Doutor. Contudo aqui está uma simples e humilde camponesa às suas ordens.

            Aprício procurou retirar a sua irmã de dentro da loja e foi logo dizendo:

            - Não percebe que é o homem que quer matar a nossa mãe!

            - Eu sei meu irmão. Só que temos de ter muita calma.

            E já no pátio da feira o Doutor Paulino se aproximou de Aprício e disse:

            - Percebo que algo está te incomodando jovem?

            - Não é nada Doutor. É que o meu irmão se sente na obrigação de tomar conta de mim. Com isso morre de ciúmes...

            - Até eu teria. Vejo que já estou mesmo com ciúmes.

            - Até mais Doutor Paulino.

            - Já está indo embora?

            - Não Doutor. Só iremos após o pôr-do-sol.

            - Sendo assim, ainda podemos nos ver princesa?

            - Estamos no barracão. Apareça por lá.

 E Diva seguia com Aprício o qual surpreso relatou:

            - Pode me explicar o que está acontecendo?

            - Você se lembra que a mamãe falou que as terras do Coronel Cláudio Pires estão hoje no poder do Coronel Curió.  E o Doutor Paulino não está a fim de matar a nossa mãe!

            - Sim. E o que tem a ver uma coisa com a outra?

            - Simples meu irmão. Faço o Doutor Paulino se apaixonar por mim. Daí exijo lutar contra o Coronel Curió. Na batalha o Doutor Paulino morrerá, e bum! A nossa mãe estará livre.

            - E caso você venha a se apaixonar de verdade por ele?

            - Vou correr esse risco. Contudo posso lhe afirmar que não tinha pensado nisso.

            - Pois é. O amor é uma coisa estranha. Procure pensar nisso.

            - Por nossa mãe eu acho que devo correr o risco.

            E lá num grande curral, debaixo de algumas árvores. Diva planejava um meio de destruir o Doutor Paulino.

            - Vamos para o barracão que o seu namorado deve estar à sua caça.

            - Vamos meu irmão. E ao chegarmos lá, procure ficar bem enciumado...

            E assim que chegou ao barracão, o Doutor Paulino se aproximou de Diva dizendo:

            - E então Diva. Como se sente?

            - Bem Doutor. No entanto acho que o senhor deve estar bem melhor do que eu.

            - Não entendo o por quê?

            - Simples, o senhor é um Doutor e quanto a mim, uma sempre simples mocinha do campo. Que grandeza tem nisso. Quanto ao Doutor, pode andar de peito aberto. Não tem o que temer.

            - Por que se sente tão inferior?

            - Como acha que uma pessoa quanto a mim deveria se sentir? Uma vez que nada tenho a oferecer.

            - Com esta rara beleza é certo que podem colocar o mundo aos seus pés.

            - Isso é coisa do momento Doutor. Quantas histórias já ouvimos sobre esta ilusão.

            - Foram histórias, Diva. Mas quanto a nós é pura realidade. Eu estou aqui e sou uma pessoa diferente.

            - Que diferente que nada Doutor. Depois que acontece o esperado e o senhor será como todos os outros. Na primeira oportunidade que tiver, serei uma carta trocada no jogo da sedução.

            - O que você esta falando com esse cara minha irmã?  Vamos sair daqui.

            - Calma meu irmão. Eu nem posso conversar com o Doutor!

            Naquele momento o Doutor Paulino falou:

            - Calmo amigo. Podemos ser amigos.

            - Amigos que nada Doutor. Como posso ser amigo de uma pessoa que nem mesmo sei de onde é!

            - Isso é verdade - relatou Diva.

            - De onde sou, acho que não é o caso. O importante é onde estou. Não é o lugar que faz a gente e sim a gente que faz o lugar.

            - Nada de filosofia Doutor. O senhor e de onde?

            - Eu sou da capital meu rapaz.

            E a minha missão aqui é simplesmente vingar a morte da minha mãe.

            - Não estou entendendo Doutor. Se for da capital, por que veio vingar a morte da sua mãe justamente aqui numa distância dessas?

            - Falando sério é que nasci aqui e fui para a capital, e agora voltei para cumprir o meu destino.

            - E para vingar a morte da sua mãe o que o senhor tem que fazer? - indagou Diva.

            - Matar a mulher que matou a minha mãe.

            - E quem é essa mulher? - indagou Aprício.

            - Maria. Uma senhora que vive sem marido numa fazenda por nome de milagre.

            - E pra onde foi o marido dela?

            - Dizem que foi em busca de ouro e nunca mais voltou. E sei que ela não está mentindo. Pois eu até já mandei procurar o marido dela, mas não foi encontrado.

            - E qual o nome do homem? - indagou Diva.

            - Honório é o nome do maldito que foi em busca do ouro maldito. Não me lembro muito dele, eu ainda era pequeno quando tudo aconteceu.

            - E o Doutor quer matar só a mulher ou o homem também?

            - Estou meio confuso. Acho que não vou matar nenhum dos dois. O que eu ouvi dela esses dias na cidade, não tenho coragem de fazer nada contra ela. Achei uma pessoa merecedora de todo o meu respeito.

            - Então! Por que não faz as pazes com ela?

            - Já estive pensado nisso Diva. No entanto recordo o momento de dor da minha mãe. E vejo os seus lábios pedindo pela vingança.

            Naquele momento que os três falavam uma confusão se formava no meio do salão e o tiroteio começou.

            - Diva saia com o Doutor - ordenou Aprício.

            Enquanto Diva saiu com o Doutor Paulino, Aprício eliminou os bandoleiros e com aquilo o Doutor Paulino sorria de alegria ao ver tamanha habilidade que possuía o irmão da sua amada. E para completar a satisfação, viu Diva eliminando um pistoleiro que vinha em sua direção.

            - Vamos Doutor, deixe que Aprício cuide deles - relatou Diva se sentindo à vontade.

            E o Doutor ficou olhando a habilidade de Aprício atirando naqueles forasteiros.

            - Vamos Doutor - relatou Diva atirando em uns forasteiros que se aproximavam.

E dando a sua delicada mão para o Doutor que se sentia mais feliz ao lado dela.

            - É Doutor Paulino, neste lugar as lutas sempre estarão presentes...

            - Não deixei de notar a grande habilidade do seu irmão!

            - Fez isso para nos defender.

            Com ar de apaixonado o Doutor relatou:

            - Por que me defender?

            - É o costume Doutor. Quem está com a gente, está com a gente. Se for preciso morremos junto - relatou Diva com ar de sedução.

            - Fico lisonjeado por isso, mas acho não merecer tanto apreço.

            - Não precisa se preocupar Doutor. Vamos saindo...

            E atirando em mais forasteiros a linda Diva levava o seu namorado para fora da feira. Pra todo lado que se via, lá estava um pistoleiro guerreando com outro.

            - Aqui neste curral ficaremos mais tranqüilos Doutor.

            - E quanto Aprício?

            - Já sabe se virar.

            De modo que Diva e o Doutor Paulino se abraçavam lá no meio dos animais e logo foram surpreendidos por Aprício que apontando o revólver para o Doutor Paulino falou:

            - Sinto estarem muito à vontade!

            - Não Aprício. Atire em mim. Sou a responsável por tudo.

            - Eu devia atirar mesmo era nos dois.

            Assustado o Doutor Paulino pediu:  

            - Não nos faça mal Aprício. Você não se arrependerá.

            Aprício colocou a sua arma na cintura e disse:

            - Diz o que está pensando Doutor.

            - Pensando em negócios.

            - Que tipo de negócios?

            - Vi a sua habilidade com ar armas. Você poderia fazer um serviço para mim. Pagar-lhe-ei muito dinheiro.

            - Não Doutor. Eu não sou pistoleiro de aluguel.

            Naquele meio da conversa Diva disse:

            - Meu irmão sempre foi muito modesto Doutor. Contudo posso afirmar ao senhor que aceitamos o serviço. O que quer que façamos?

            - Já que é assim Diva. Gostaria que fossem a cidade. Lá então em minha casa trataremos desse assunto.

            - De acordo Doutor - relatou Diva despejando toda a sua beleza num apaixonado olhar.

            Instantes depois o Doutor Paulino entregou o seu endereço a Aprício o qual ficou meio triste ao ver que era o mesmo endereço da carta que tinha chegado para sua mãe.

            - É esse o endereço Doutor?

            - Sim Aprício. Lá fica o meu empregado. Não quero que ninguém descubra o meu verdadeiro nome.

            - Então Paulino não é o seu nome?

            - Não Aprício. Contudo isso não tem muita importância. O bom seria se nós fossemos como os animais irracionais que não parecem se preocupar com nomes.

            E depois dos relatos do Doutor Paulino. Diva e Aprício despediram-se dele dizendo:

            - Amanhã estaremos lá Doutor.

            - Aguardarei anseio por vocês.

            Diva e Aprício se foram deixando ali naquela terra infernal um Doutor que vivia atrás de uma vingança...

            - Graças a Deus que chegaram. Já estávamos aflitos.

            - Foi tudo bem Carlito - relatou Diva.

            - Como foi lá Aprício?  Encontraram com o Doutor Paulino?

            - Encontramos.

            - Achei que ele fosse um homem estranho!

            - Estranho como Diva? - indagou Maria assustada.

            - Estavam entre beijos e abraços mãe.

            - Não acredito Diva. Você beijando o homem que quer matar a nossa mãe!

            - É duro, mas é a pura verdade Carlito.

O pior é que o Doutor Paulino nos convidou para irmos a casa dele amanhã.

            - E vocês irão?

            - Iremos sim mãe. Já deixamos tudo acertado.

            - E o que ele quer?

            - Quer que façamos um serviço.

            - Que tipo de serviço?

            - Não nos disse ainda. Contudo achamos que deve ser algum tipo de vingança.

            - Vingança. E vocês vão aceitar?

            - Depende do serviço não é mãe - relatou Diva olhando friamente nos olhos da mãe.

            - Não estão percebendo que a vingança dele é contra mim!

            - Ele falou de uma mulher e quem sabe é a senhora!

            - E se for eu? Vão lutar contra mim?

            - Claro que não mãe - Argumentou Aprício abraçando Maria.

            Já no dia seguinte...

            - Diva não acha que já é hora de irmos. O Doutor está à nossa espera. Fizemos um trato. E trato é trato. Vamos ver o que ele quer da gente. Até logo Carlito. Cuida da mamãe. Até logo mamãe.

            - Cuidarei Aprício.

            - Tome cuidado meu filho, cuida da sua irmã.

            - E eu tomarei dele mamãe - relatou Diva com alegria.

            Maria a Carlito ficaram olhando Diva e Aprício sumindo estrada afora como se fossem em busca de uma grande tragédia.

            - Diva. O que será que o Doutor Paulino quer de nós? 

            - Na certa é nos contratar para matar a nossa mãe.

            - E vamos aceitar a proposta?

            - Claro que não Aprício. Contudo temos que com muita habilidade conseguir colocá-lo contra o Coronel Curió.

            - Vê que ele não tem coragem de lutar contra a nossa mãe, vai lutar contra um coronel!

            - Fique tranqüilo meu irmão. Lá saberemos decidir o de melhor...

            Diva era uma moça que começava surpreender o irmão pela forma fria e maliciosa que conduzia as coisas...

            - Sabe Aprício! Têm certas coisas que a gente tem que estar pronto para resolver no momento.  - Compreendo Diva. No entanto é sempre bom a gente ter tudo planejado em nossas mentes.

            - Só devemos planejar o que sabemos Aprício.

            E no bate papo que iam, fez com que à distância ficasse menor...

            - Lá está a nossa cidade Diva!

            - É Aprício. A nossa linda Cruz da Serra. Dizem que ela foi fundada por um Coronel chamado Pedro de Tila. Deveria ser um grande homem.

            - Sim Diva. Dizem que foi morto numa trincheira por causa de uma mulher que nem mesmo era culpado da acusação.

            - Coitado. Morreu inocente!

            - Foi Diva. Contam que no lugar que o sangue dele jorrou, o gado foi chorar pela sua morte. E dois grandes touros cavaram um grande buraco na terra, até que ali começou a jorrar água e formando assim um riacho que corre até nos dias de hoje, regando o sertão. Como se as suas lágrimas eternas viessem agradecer aos animais que foram chorar a sua morte.

            Diva e Aprício amarraram os seus cavalos nos arvoredos da praça da cidade e foram para a casa do Doutor Paulino.

            - Estamos à procura do Doutor Paulino - relatou Aprício ao homem que atendeu a porta.

            - Um instante que vou chamá-lo.

            - Que homem estranho - relatou Diva apreensiva.

            - Não vejo nada de estranho Diva.

            Naquele momento o estranho senhor disse:

            - Entrem que o Doutor já está vindo.

            Aprício e Diva se assentaram no mesmo banco que Maria e Carlito teriam assentado...

            - Que grande prazer recebê-los em minha casa.

            - Obrigada Doutor - argumentou Diva abraçando o Doutor.

            - Como vai Aprício?

            - Estou bem Doutor. Quanto ao senhor, como passou de ontem?

            - Pensando em tudo que aconteceu.

            E depois de uns instantes de silêncio...

            - Estava com muita saudade de você Diva.

            - Eu também senti saudades Doutor.

            - Aprício. Pode ficar a vontade. A casa é toda sua.

            - Obrigado Doutor.

            - Vamos dar uma volta pelo jardim Diva. Quero mostrar-lhe uma rosa que desabrochou nesta manhã inesquecível para mim.

            - Deve ser linda Doutor.

            - Linda Diva. Contudo não chega aos seus pés.

            E o Doutor Paulino já no jardim com a sua linda Diva. Tomou à rosa em sua mão e falou:

            - Esta rosa será o símbolo do nosso amor Diva. Neste momento eu lhe concedo todo o meu coração e será você a partir de agora a dona do meu ser.

            - Convidou-me aqui para falarmos de amor ou de negócios?

            - A principio foi de negócios. Contudo, desde ontem quando você se foi, a minha mente ficou confusa. Eu sempre fui um homem sofrido. Nunca tive um amor. Acho que agora eu o tenho. Eu te amo Diva.

            Enquanto Diva e o Doutor Paulino falavam de amor lá no jardim, Aprício estava morrendo de curiosidade...

            - Veja como são lindas estas flores Diva. Mas nenhuma delas chega aos seus pés.

            De modo que os elogios de Doutor eram tantos que estavam levando a linda Diva para um inimaginável mundo de fantasia.    E ela se entregava aos beijos e abraços do Doutor Paulino.

            - Acho melhor falarmos de negócios Doutor. Aprício está à nossa espera.

            - Sim querida. Vamos ter com ele.

  Chegando até Aprício o Doutor Paulino relatou:

            - Aprício. O que termos a tratar é o seguinte: Quando eu era ainda pequeno fui atirado nas águas do Rio Cipó.

            - Atirado nas águas!

            - Sim Diva. Fui atirado nas águas. A minha mãe conseguiu me colocar sobre um tronco que flutuava na correnteza e aconteceram muitas coisas que isso já não interessa mais.

            - Eu o compreendo Doutor. No entanto seria melhor a gente ir logo ao assunto.

            - Certo Aprício. Eu os convidei até aqui para que vocês façam um serviço que eu não tenho coragem de fazê-lo.

            - E que tipo de serviço está se referindo?

- Matar para mim Diva. A mulher que matou a minha mãe.

            Quando o Doutor Paulino falou para Matar a mulher, assustado Aprício relatou:

            - Por que nós? Logo nós termos que matar a mulher que matou a sua mãe!

            - E por que não! Maria tem de ser morta. Ela matou a minha mãe.

            - Concordo com o senhor Doutor. Maria tem que morrer. Contudo para matarmos Maria, tenho uma condição.

            - Qual Diva?

            - Para matarmos Maria o que teremos em recompensa?

            - Em primeiro lugar te levarei para muito longe deste lugar. Este povo de Cruz da Serra parece serra a própria maldição.

            - Como deseja me levar sem ao menos saber se desejo?

            - Eu sinto Diva. Sinto que o nosso amor é grande. Meu desejo é levá-la para a capital. Aonde ali eu possa oferecer o de melhor a você.

            - É brilhante o seu desejo Doutor. No entanto eu estou muito feliz aqui. Eu gosto de tudo que vejo e respiro por aqui.

            - Aparentemente Diva. Quando você estiver na capital, jamais se lembrará deste lugar infernal.

            - Engana-se Doutor. Em qualquer lugar que estivermos ali estará o perigo do nosso lado. Todo lugar é infernal Doutor. A morte nos acompanha desde o momento do nosso nascimento. Não está ai o senhor querendo nos contratar para matarmos uma mulher! Lá na sua capital não morreram os que o amavam! Estamos num inferno Doutor.

            - Sei que é difícil de entender Diva. Contudo quando um dia você estiver comigo lá na capital, irá entender o que quero dizer.

- É esta a minha recompensa Doutor?

            - Sim. A não ser que você tenha outra sugestão.

            - Que sugestão?

            - Quero o de melhor para você. Quero te dar todo o meu amor.

            - Doutor. De tanto o senhor falar em amor, eu já não acredito no que diz.

            - Eu te compreendo Aprício. Falar em amor para um jovem igual a você é mesmo muito difícil. No entanto um dia quando o seu coração se apaixonar por uma linda mulher como a sua irmã, ai saberá o que estou sentindo.

            - Não Doutor. Vamos esquecer essa recompensa - relatou Diva.

            - Sim Diva. O que quer então?

            - As terras do Coronel Curió.

            - Por que essas terras?

            - Segredo meu Doutor. Esta é a condição para que façamos negócios.

            - Tudo bem Diva. Mate Maria que comprarei as terras do Coronel Curió para você.

            - Não quero terras compradas Doutor. Quero terras ganhadas à bala. Quero que o senhor lute contra o Coronel Curió e toma na raça todas as suas terras.

            - Isso seria ignorância minha. Se eu for lutar contra o Coronel Curió. Seria mais fácil lutar contra Maria...

            - Sem as terras Doutor. Não temos nada a tratar.

            De modo que o Doutor Paulino seguiu na direção de Diva e falou:

            - Eu te amo Diva.

            - Diva se afastou do Doutor e falou:

            - É bom não se aproximar Doutor. Se quiser o meu amor. Siga sem errar o que desejo.

            - Tudo bem Diva. Mas não sei o que fazer.

            - Descubra Doutor Paulino.

            - Não me chame de Paulino. Pode me chamar pelo meu verdadeiro nome.

            - Para mim o seu nome é e sempre será Doutor Paulino. Pois é constrangedor alguém se esconder por trás de um nome falso.

            - Cada caso é um caso Diva...

            O tempo passava e o combinado não chagava ao fim. O Doutor Paulino parecia sentir medo de lutar. Nem parecia ser filho do Coronel Cláudio Pires.

            - Doutor Paulino. Tudo indica que o senhor é filho de gente medrosa.

            - Não Aprício. Apesar da violência não compensar.  Eu nasci no berço da violência. Sou filho de um Coronel. No entanto eu acho que só por ser filho de um Coronel. Não tenho o direito de sair por ai matando. Por isso eu entendo que devo cuidar melhor das pessoas. Respeitá-las, amá-las e ser gentil em tudo que for possível.

            - Sinto cada vez mais que o senhor é um medroso - argumentou Diva.

            - Pode falar o que desejar Diva. Aqui na sua frente está um homem apaixonado. Mas não sou o medroso que pensa. Sou um Doutor.

            - Sei que a sua universidade fez a sua cabeça Doutor. Contudo, quero dizer ao Senhor que aqui a lei é a bala Doutor. Não a sua caneta de Doutor. Nosso lema é matar. Errou. Morreu. Não nos assentamos na frente de Doutores corruptos para ouvirmos das suas bocas sujas a suas sentenças combinadas. Não Doutor. Aqui é diferente. A bala é o veredicto. Se salva o mais rápido no gatilho. Pois a condenação aqui é a morte.

            - Diva. Eu entendo perfeitamente o que quer dizer. Porém, acho que chega de tanta violência.

            - Acho que matar um Coronel não é uma violência Doutor. Nota-se que eles vivem roubando, matando, estuprando. Eles têm que morrer Doutor.

            - São muitos Diva. Muitos...

            - Sei Doutor. Contudo alguém precisa iniciar a matança. Ai tudo vai seguir...

            - Não quero ser motivo de tristeza Diva. Mas vai ser difícil.

            - Vamos voltar ao assunto que nos trouxe aqui Doutor?

            - Tudo bem Aprício. Como vamos ficar Diva?

            - Lute contra o Coronel Curió que acabamos com Maria Doutor.

            - Estou disposto, Diva. No entanto, peço ajuda de vocês para eliminarmos o Coronel Curió.

            - É claro que ajudamos - argumentou Diva abraçando o Doutor Paulino e dizendo:

            - Gosto disso.

            - Eu não vou lutar contra o Coronel Curió.

            - Claro que vai Aprício. Nós vamos tomar as terras dele.

            - E que dia o enfrentaremos?

            - Assim que reunirmos alguns pistoleiros Doutor.

            - E onde iremos arrumar tantos pistoleiros?

            - Isso é comigo Doutor.

            - Em você eu confio Aprício.

            Podia ler no lindo rosto de Diva a alegria por ir lutar contra o Coronel Curió. Até demonstrava que o seu maior interesse não era defender a sua mãe. E sim para ficar com as terras do Coronel Curió.

            - Bem Doutor. Já vamos embora. Dentro de uma semana esteja preparado que iremos ao encontro do Coronel Curió. Assim Doutor, Quero ver o senhor ficar frente a frente com o Coronel. Quero ver se o senhor é mesmo filho de um Coronel.

            - Não acredita que sou filho de um Coronel Diva?

            - Tenho as minhas dúvidas Doutor.

            - Sabe Diva. Aquelas terras que o Coronel Curió vive. Pertencem a mim. Pertencia ao meu avô Pedro de Tila. O fundador desta cidade.

            - Dizem que ele foi assassinado por um esposo enciumado.

            - E injustamente Diva. Ele nada devia. O verdadeiro culpado foi o Coronel Hermínio.

            - E mataram o assassino do seu avô?

            - Sim Diva. Às vezes eu fico pensando quantas pessoas já morreram aqui em Cruz da Serra. Até me dá a impressão de que estou dentro de um grande cemitério.

            - Chega de falar em tantas mortes Diva. Já está ficando tarde. Não acha melhor irmos embora. Pois se ficarem falando de Coronéis, sempre encontrarão mortes na conversa.

            - Vamos Aprício. Vamos. Até logo Doutor Paulino.

            - Pode me chamar de Aureliano, Diva.

            - Aureliano! Eu hem Doutor Paulino. De Doutor Paulino para Aurelino! Que diferença.

            - Pois é Diva. Além de ser mais fácil, muito me alegra, e ainda mais se falar Liano.

            Diva olhou ternamente para o Doutor e disse:

            - Está bem Liano.

            - Agora que se chama Liano, acho que ficou mais fácil der sermos amigos - argumentou Aprício.

            - Desde já os meus sinceros agradecimentos por isso Aprício.

            Diva abraçou Liano e disse:

            - Já estamos indo.

            - Só mais um pedido quero fazer a vocês.

            - Fala Liano - ordenou Aprício.

            - Quando estivermos em público eu gostaria que o meu nome verdadeiro ficasse em segredo.

            - Tudo bem Doutor Paulino.

            Depois de tantos acertos, finalmente Diva e seu irmão se foram... Diva, no entanto estava perdidamente apaixonada pelo homem cheio de mistérios. O Doutor Paulino, o Aureliano que agora era o seu querido Liano.

            - Como vamos ajudar Liano, Diva?

            - Ajudando Aprício. Vamos ajuntar alguns pistoleiros lá pras bandas das terras do Coronel Curió.

            - E o que diremos a eles?

            - Que vamos lutar contra o Coronel Curió.

            - E aonde você quer chegar?

            - Salvar a nossa mãe!

            - E quanto ao Liano?

            - Faremos o possível para que ele morra na batalha.

            - Coração estranho o seu minha irmã. Há pouco estava entre beijos e abraços, agora deseja a morte dele. Achei que estivesse gostando dele...

            - Impressão sua meu irmão. Tudo isso é para que ele fique interessado em mim.

            - Espero que seja verdade Diva...

            Já na fazenda Milagre... Todos em casa podiam ver o rosto de Maria que não conseguia esconder o turbilhão de tristezas...

            - O que aconteceu lá na cidade?

            - Só esperava a senhora perguntar mamãe - informou Diva.

            - E o que aconteceu? - indagou Carlito.

            - Fomos contratados para por fim no Coronel Curió - informou Diva.

            - Ficaram loucos? Tinham que se preocupar em salvar a nossa mãe. Ai foi pegar serviço de pistolagem! - exclamou Carlito com ar de muita amargura.

            - Calma Carlito. Esqueceu-se da intenção do Doutor Paulino.

            - Sei Diva. E dai?

            - Daí que na luta acabaremos com ele. Ficaremos com as terras do Coronel Curió e ganharemos a liberdade de nossa mãe.

            - Ah! Estou entendendo que é um jogo e um jogo sujo.

            - E desde quando existe jogo limpo Carlito. Todo jogo é pura sujeira - argumentou Aprício.

            - Parece uma maneira inteligente. Mas não passa de burrice. Pois todo jogo é burrice.

            - É mamãe. É um grande jogo - relatou Diva meio triste.

            O tempo passou e os três cuidavam dos preparativos para a grande batalha...

            - Aprício. Amanhã iremos à cidade informar ao Doutor Paulino que já estamos prontos.

            - Não seria melhor que eu fosse sozinho, Diva?

            - Bem pensado meu irmão.

            De modo que Aprício selou o seu cavalo e foi avisar o Doutor. Enquanto Diva ficou pensando como seria a batalha contra um maldito Coronel lá nos confins do sertão. Onde a vida se esconde entre a fumaça da pólvora e o assopro quente das balas.

            - Vem vindo Aprício Diva - informou Carlito.

            - E lá meu irmão?

            - Vamos nos encontrar na encruzilhada da boca da serpente.

            - Dia e hora Aprício!

            - Amanhã minha irmã. Amanhã ao anoitecer.

            - Pois estaremos lá. A senhora vai com a gente mãe?

            - Não Diva. Vou ficar aqui torcendo por vocês.

            - Acha muito difícil acabar com o Coronel Curió mamãe?

            - Não é isso Aprício. É que toda luta contra um Coronel requer muita habilidade. Ele pode estar nesse momento preparando para recebê-los.

            - Isso não importa mãe - relatou Diva preparando as suas armas.

            Aprício parecia sentir algo estranho em Diva. Contudo procurou ficar calado.

            - Acho que já é hora de dormirem. Pois amanhã vocês irão se encontrar com o diabo em pessoa. Lutar contra um Coronel é come se fosse lutar dentro do inferno.

            - Então vamos dormir - ordenou Diva.

            A manhã alegre com os pássaros coloridos fazia parecer um grande espetáculo de despedida. As nuvens brancas pareciam varrer os céus querendo dizer alguma coisa...

            - Gente prepare os seus cavalos. A luta não vai ser fácil. Atirem em tudo que virem pela frente. Pois no inferno que vamos, só encontraremos demônios.

            - Compreendemos o que quer dizer Diva - informou Aprício.

            - Mãe. Se por acaso não voltarmos, procure fugir em busca do papai.

            - Farei o que me pede minha filha. Vai me deixar algum pistoleiro ou vai levar todos?

            - Porfírio fica com a senhora mamãe.

            - Obrigada filha, e boa luta para vocês.

            Diva montou o seu cavalo gambá. Um enorme cavalo com três patas brancas, uma cruz na testa e o resto do seu pelo na cor de um gambá. E ainda as grandes crinas que se dividiam no meio do grande pescoço.

            - Vamos pessoal! - exclamou Diva descendo a montanha indo na direção do Doutor Paulino.

            - Ainda está longe Diva? - indagou Carlito.

            - Não Carlito, podemos preparar, pois fica logo ali, atrás daquelas árvores. E volto a afirmar que devemos tomar muito cuidado, pois o Doutor Paulino não é de confiança.

            Antes mesmo de Diva terminar as suas recomendações, surgiu do nada, pistoleiros de todos os lados. E o tiroteio começou.

            - Cuidado Diva. Só pode ter sido o Doutor Paulino que nos traiu - relatava Aprício atirando para todos os lados.

            - Aprício. Ajuda Carlito - pediu Diva sentindo pena do irmão.

            Ao som de relinchos de cavalos e explosões de dinamites, nem dava para notar quantas balas voavam pelos ares naquele encontro macabro.

            - Estão diminuindo Diva? Fique firme que vamos vencê-los.

            Antes mesmo que o otimismo de Aprício fosse anunciado Carlito gritava por socorro.

            - Socorro, Diva. Eu fui atingido. Não quero morrer, socorro...

            Diva foi atender ao chamado do irmão enquanto Aprício não dava trégua para os malditos pistoleiros.

            - Parada ai mocinha. Ordene aos seus homens para pararem de atirar.

            - Com quem estou falando?

            - Com o Coronel Curió, beleza.

            - Como sabia que íamos te atacar

            - Doutor Paulino. Não deve ser estranho para você, não é?

            - Não conheço tal pessoa Coronel Curió.

            - Ouvi dizer que estão até apaixonados!

            - Não sou eu Coronel. Dever ser outra pessoa.

            - E ia me atacar assim sem mais nem menos?

            - Sim Coronel. Sem mais nem menos.

            - Já que é assim pessoal, amarre os três com o seu bando e vamos embora.

            Quando o Coronel Curió ordenou aos seus homens a marrarem os homens de Diva a coisa ficou feia. Carlito mesmo com a perna quebrada continuou atirando, Aprício parecia ser vinte e Diva nem tem com que comparar. O certo é que no meio de tantos tiros, dava ainda para ouvir Carlito, Diva e Aprício gritando:

            - Os filhos de Honório jamais serão vencidos Coronel Curió. Nunca!

            E a luta continuou subindo e descendo montanhas, cortando rios e vales até chegaram à fazenda do Coronel Curió. E Diva como uma fera, perseguia o Coronel Curió sem se importar com os seus irmãos. E como a voz da morte ela dizia:

            - Não adianta fugir Coronel. Não adianta. Ninguém escapa de mim.

            O Coronel Curió já se sentia perdido. E desesperado gritava:

            - Abram as porteiras, abram as porteiras.

            De nada adiantava, pois o cavalo gambá pulava por cima das mais altas cercas que encontrava, conduzindo Diva sempre do lado do Coronel Curió. Que só parou quando estava dentro da sua casa e disse:

            - O que quer de mim filha do diabo?

            - Calmo Coronel. Eu só quero mesmo é saber se foi o Doutor Paulino que me traiu. Fale Coronel desgraçado. Miolo contaminado de grandeza e covardia.

Enquanto Diva interrogava o Coronel uma filha dele apareceu numa janela e disse:

            - Atire nessa mocinha pobre papai.

            Diva atirou uma faca no peito da filha do Coronel e disse:

            - Sou pobre, mas não sou prostituta sua vaca, filha de satã.

            Ao ver a filha morta no chão o Coronel gritou:

            - Vou te matar sua filha do cão.

            - Estou esperando a resposta Coronel. Quem te avisou do meu plano? 

            - Foi o Doutor Paulino. Ele está na cidade.

            - Cuidado Diva - gritou Aprício.

            Quando Diva deitou no chão, Aprício encheu o peito do Coronel Curió de balas.

            - Por que fez isso meu irmão?

            - Não devemos falar muito com Coronéis minha irmã. Eles são perigosos.

            - Abaixe-se Aprício.

            Aprício obedeceu à ordem da irmã que atirava na esposa do Coronel Curió.

            - Obrigado minha irmã.

            Agradeceu Aprício olhando para os cadáveres do Coronel e da sua esposa, atirados no chão do terreiro da grande fazenda.

            - Que cara é essa Aprício?

            - Está vendo aí Diva. Se todos os pistoleiros do mundo fossem como nós, logo estas pestes seriam extintas da face da terra.

            - Seria muito difícil meu irmão...

            - Veja como eles se parecem como bichos!

            E depois do fim do Coronel Curió. Aprício mandou Diva ir ter com Carlito enquanto ele foi organizar os pistoleiros que tinham sobrevivido à batalha.

            - Vamos Azulão. Precisamos chegar a casa.

            Aprício falava com o seu cavalo e já dava para ver a luz que refletia na escuridão, o seu olhar cheio de dúvidas...

            - Aprício está vinda mãe.

            - É filha. Vem vindo com o resto dos pistoleiros.

            Aprício se aproximou dizendo:

            - Como ele está Diva? Como está o nosso Carlito?

            - Muito mal meu irmão. Muito mal. Ele perdeu muito sangue.

            Coberto de tristeza, Aprício aproximou-se do irmão e disse:

            - Coitado. Não há salvação para ele.

            Carlito parecia ouvir o irmão. Pois naquele momento falou:

            Aprício. Eu estava pensando ir com você atrás do papai. Contudo sei que só você irá. Sabe Aprício. Se encontrá-lo, diz a ele que foi grande o meu amor por ele.

            Aprício colocou a sua mão na testa de Carlito e disse:

            - É grande a sua febre...

            - Não é febre Aprício. É a morte. Eu estou morrendo...

            Diva chorando disse:

            - Não Carlito. Você não merece morrer.

            - Deixe-o em paz minha filha - relatou Maria muito triste.

            - Eu sou a culpada - informou Diva.

            Carlito ainda vivo falou:

            - Diva Você foi à culpada. No entanto não vou lhe culpar. Só gostaria de lhe pedir uma coisa. Você promete a mim Diva?

            - Peça Carlito. Peça o que quiser. Eu prometo.

            - Mate o Doutor Paulino.

            - Está bem Carlito. Eu o matarei.    

            Comprometeu Diva com o coração cortado.

            - Mãe. Volte pras terras do Vô Martim e faça uma casa nova para receber o papai quando Aprício o trouxer. E diz a ele que sempre o amei.

            - Eu farei isso Carlito. E direi a ele do seu amor.

            - Aprício. Eu estou vendo o arco-íres. É lindo...

            - É meu irmão. São lindas as suas cores.

            - Mãe. A chuva com o vento frio que vem do norte.

            - Sim filho. Sei como são frios.

            - Diva. Está me ouvindo?

            - Estou Carlito

            - É boa a sua pontaria.

            - É Carlito. Não vou me esquecer.

            Depois que Carlito morreu. Aprício saiu para o quintal da casa aonde via dali à lua testemunhando a sua dor. Os pistoleiros que tinham sobrevivido à batalha ainda estavam de prontidão. De modo que ele disse:

            - Eduardo, solte os cavalos no pasto. Deixe somente o Azulão.

            Depois da ordem. Aprício entrou na casa e disse:

            - Mãe. Dê um funeral digno ao Carlito. Pois vou buscar do papai.

            - Eu vou com você Aprício - interrompeu Diva.

            - Não minha irmã. Você deve ter um encontro com o seu amor. Contudo a minha vontade era ir com você. Porém, confio no seu taco. Quero dizer. Se for isso mesmo que você quer. 

            - Não estou entendendo o que você quer dizer Aprício!

            - Sobre o trato que fizemos com o Doutor Paulino.

            - Mas ele nos traiu, não somos obrigados a cumprir.

            - Isso mesmo.

            - Vamos acabar com ele?

            - Não minha irmã. Você não precisa de mim. Você acaba com ele facilmente. Depois, como a mamãe não tem mais ninguém. Cuide dela até a minha volta com o papai.

            - Eu gostaria de ir com você.

            - Não pode Diva.

            - Está bem meu irmão. Eu vou acabar com o Liano.

            - Que Liano é esse Diva?

            - O Doutor Paulino mãe. O nome dele é Liano.

            - Ah! Deve ser Aureliano. Agora que me recordo, o afilhado do Coronel Curió.

            - Afilhado do Coronel! - interrompeu Diva apreensiva.

            - Isso filha. Afilhado do Coronel Curió.

            - Ele é um traidor.

            - Sim Diva. Um traidor. Afinal ele é filho de um Coronel. Não podia ser uma pessoa confiável.

            - Sei mãe. São todos filhos do diabo.

            - Demônios minha filha, demônios - relatou Maria olhando o corpo de Carlito estirado em cima da mesa na peque sala da casa.

            Depois de tudo preparado Aprício falou:

            - Mãe. Fique com Deus. E dê um funeral digno ao Carlito.

            - E você Diva. Acabe com aquele mostro.

            - Sim Aprício. Acabarei com ele.

            Aprício partiu montando o seu Azulão. Indo na direção de Mato Grosso. Pois seria ali que começaria a procura do seu pai. Diva, porém ficou com o coração partido. Pois a sua vontade era de poder ir junto com Aprício ao encontro de Honório.

            - Vamos Azulão. Teremos muitas batalhas pela frente.

            E num passo ligeiro Azulão deixava terras para trás. Logo Cruz da Serra começava ficar distante. Aprício parecia triste, e ao mesmo tempo feliz. Pois no seu intimo já dava para sentir que parecia estar mais perto do seu pai. Lá estava ele já no estado de Goiás quando ali mesmo começou a procura pelo misterioso Honório.

            - Senhor, por favor. Já faz muitos dias que estou andando á procura de garimpos. Por acaso o senhor conhece algum?

            - Você veio de onde?

            - Cruz da Serra.

            - Onde fica isso?

            - Minas Gerais senhor.

            - Pensei que Cruz da Serra ficasse na Bahia!

            - Sim, é na divisa.

            - Mas é na Bahia. Pois ela foi fundada por um grande amigo do meu pai.

            - E quem é o seu pai senhor?

            - Era o Coronel Virgílio, Deus que o tenha.

            - Não me lembro desse nome.

            - Já faz muitos anos que ele morreu.

            - Lamento a sua perda senhor.

            - Não faz importância. Ele era muito ruim.

            - Que tipo de ruindade senhor?

            - Muito filho. Perversidade, Covardia, Luxuria e outras coisas que até me envergonha.

            - Espero que o senhor não seja como ele.

            - Não! Quer dizer. Não deixo de ser. Afinal você sabe como são os filhos dos Coronéis.

            - Não precisa dizer mais nada que já entendi senhor.

            - E qual a razão de estar à procura de garimpos?

            - A procura do meu pai. Foi em busca de ouro e já se passaram 20 anos.

            - E quem é o seu pai?

            - Honório.

            - Honório. Não deve ser de Cruz da Serra. Meu pai nunca falou nesse nome.

            - A minha mãe diz que ele era um forasteiro.

            - E quem é a sua mãe?

            - Maria, filha de Martim.

            - Ah! Martim Pedro. Meu pai falava muito dele. Morreu numa luta, não foi?

            - Contra o Coronel Cláudio Pires.

            - Isso mesmo.

            Apesar de o mundo ser grande, Aprício encontrou ali no estado de Goiás.

Alguém que conhecia alguém do seu passado. Com isso a sua vontade de procurar o seu pai aumentou. E foram muitas informações que coletou por Goiás afora.  

            - Vamos conferir ali que parece ser um garimpo Azulão.

            E era o garimpo ouro da morte.

            - Senhores, por acaso conhecem o senhor Honório?

            Naquele momento o silêncio imperou e instantes depois uma gargalhada tomou conta do momento.

            - Posso saber por que o sorriso? - indagou Aprício meio triste.

            No meio daqueles homens, um com cara de malfeitor disse:

            - A boneca apaixonada está à procura do seu amor!

            Aprício atirou no homem e disse:

            - Esse homem que procuro é o meu pai senhores. E eu não estou brincando.

            Assustado com o acontecido um velho garimpeiro relatou:

            - Não sabemos do seu pai moço.

            - E de um homem chamado José Pedro?

            - Não moço. Também não.

            - Agradeço a gentileza senhor - agradeceu Aprício indo para outro garimpo.

            - É Azulão. Outro garimpo...

            E era o garimpo ouro quente.  Assentados ao lado de uma barraca estavam alguns garimpeiros. E quando Aprício se aproximava um deles ordenou:

            - Parado ai forasteiro. Não recebemos visita.

            Aprício parou e disse:

            - Posso fazer algumas perguntas?

            - Desde que seja daí.

            - Certo senhor. Contudo gostaria de deixar uma coisa bem clara.

            - O que deseja forasteiro? - indagou outro senhor.

            - Em primeiro lugar quero afirmar que não tenho medo de vocês.

            - Então diz o que quer - ordenou um senhor aparentando uns quarenta anos.

            - Já ouviram falar em Honório.

            No meu deles um baixinho de cabelos e barbas grandes disse:

            - Seria um que andava com um cara por nome de José Pedro?

            Um brilho apareceu nos olhos de Aprício que disse:

            - Isso mesmo senhor.

            - Há uns dez anos atrás estávamos no garimpo poeira grande nas margens do Rio Araguaia. Perto do povoado chamado Mosquito.

            - E o que aconteceu?

            - Os índios nos atacaram.  Foi terrível aquela batalha. José Pedro morreu. Sei que só sobrou Honório e um negro chamado Sinval. Uma coisa eu sei que nunca vi ninguém atirar como Honório. E o que você é dele?

            - Filho senhor. Sou filho de Honório. Meu nome é Aprício.

            - O meu nome é Mário, Aprício. E ele falava mesmo em você e em Maria. Deve ser a sua mãe.

             - Isso mesmo Mário. E para onde ele se foi?

            - Não sei Aprício. Sei que ele me abandonou com um grande ferimento no pé.

            - Ele foi sozinho ou levou o Sinval?

            - Foi sozinho. Sinval queria ficar com a maior parte do ouro e assim Honório acabou matando ele.

            - Então meu pai levou o ouro?

            - Sim Aprício. Só pra ele. E onde estiver, deve ser muito rico. Pois era grande a quantidade de ouro. Como são as coisas. Eu não tenho raiva dele e sim agradecimento. Pois se ele achasse que eu fosse sobreviver, teria me matado.

            - Você gostaria de ir comigo à procura dele Mário?

            - Não Aprício. Não tenho coragem. Eu não confio em ninguém. Pois você sendo filho dele, eu não posso confiar em você.

            - E porque me deu esta informação?

            - Deus deve ter atendido ao meu pedido. Eu tinha que encontrar alguém para contar isso. Nada melhor do que um filho daquele desgraçado.

            - E fica muito longe daqui Mário?

            - Fica muito longe Aprício. Uns trinta dias a cavalo.

            - Então eu já vou indo.

            - Não Aprício. Passa essa noite com a gente. Viajar a noite por esses lados é muito perigoso. Um perigo são os índios e o outro são os pistoleiros do Coronel Zequinha.

            - Já que quero, eu vou ficar.

            E assim Aprício se acomodou no meio dos garimpeiros sem sucesso. E juntos apreciavam ao luar e tentavam matar a saudade dos seus entes queridos que para muitos deles nem mesmo soubessem se ainda estavam vivos.

            - Não sabe tocar violão Aprício? - indagou Mário.

            - Sei Mário. A minha mãe me ensinou. Tem até uma música que ele disse que o meu pai cantava para ela.

            - Então cante para nós.

            Falaram ao mesmo tempo.

            - Sim. Cantarei para vocês.

            De maneira que Aprício disse:

            - O nome da música é caminhando na fantasia.

            - Eu vou, eu vou. Em busca do meu bem. Eu vou, eu vou, eu vou e ela virá também. Sem meu bem. Eu não sei viver. Sem o seu amor. Minha vida é só sofrer.  Eu vou, eu vou, eu vou. Eu vou, eu vou. Com o meu amor do meu lado, serei feliz. Num mundo encantado. Eu vou. Eu vou viver. Vou. E juntos batemos palmas em busca da emoção.  Eu vejo no seu olhar, a luz da ilusão.

            E todos cantavam junto com Aprício. O sereno pousava sobre a relva e fazia ali parecer um pedaço do paraíso. No entanto só faltavam ali umas Evas.  Pois só existiam ali homens solitários, em busca de um pedaço de ouro. Do maldito ouro maldito. Do ouro que se escondia na suja lama do Rio Araguaia. Aprício olhava para a densa floresta que parecia um ser gigante.

            - Gente, o dia chegou, eu já estou indo. Vamos Mário?

            - Desejo a você uma boa viagem Aprício. Espero que encontre o seu pai. Porém te peço para não dizer a ele que me encontrou.

            - Não direi a ele amigo.

            De modo que Aprício despediu-se dos demais e se foi.

            - Deve ser ali Azulão. O tal garimpo poeira grande.

            Parecia um lugar que habitavam os fantasmas. Pois o vento forte fazia bater portas e janelas assombradas que tentavam resistir ao tempo.

            - Será que não existe ninguém Azulão? 

            E naquele mormaço misturado com medo e tensão, Aprício avistou uma velha leprosa.

            - Olá senhora. Aqui é o garimpo poeira grande?

            Ao invés de responder Aprício a velha leprosa se pôs a sorrir.

            - Rá rá rá rá...

            - Posso saber o motivo da graça senhora mal cheirosa?

            Com uma voz rouca e assombrada ela disse:

            - Poeira grande. Era assim que eles falavam. Poeira grande...

            - Conheceu Honório senhora?

            Quando Aprício falou de Honório a valha se dirigiu a uma tapera. Aprício desmontou-se de Azulão e a acompanhou. Logo ela entrou numa tapera.

            - Posso entrar dona mal cheirosa?

            E com um lenço no nariz, Aprício assustou quando viu no chão, ali num couro de boi, a velha deitada ao lado de um senhor com muitas feridas pelo corpo e em seguida lhe disseram:

            - Mate-nos pelo amor de Deus.

            - Não tenho motivos para matá-los senhor.

            - Eu te pago para isso.

            - Pagar com que senhor. No estado que se encontra.

            - Veja debaixo desse tronco ao seu lado.

            E quando Aprício retirou o tronco, pode ver a grande quantidade de ouro que ali estava.

            - É todo seu. Basta nos matar.

            - O que aconteceu a vocês?

            - Os homens do Coronel Bahia. Mataram todos. Eu e Amélia ficamos nesse estado. Melhor seria se eles tivessem nos matado.

            - E por que não levaram o ouro?

            - Levaram todo o ouro que encontraram. No entanto não sabiam desse.

            - E de onde é esse Coronel Bahia?

            - Dizem que ele é do pantanal.

            - Obrigado velho. E morra em paz - relatou Aprício atirando na cabeça de velho e de velha e logo em seguida disse:

            - A coisa mais nojenta que já fiz em minha vida.

            Aprício apanhou o ouro e depois colocou fogo em tudo e ficou de longe assistindo tudo aquilo se transformar em cinzas.

            - Vamos Azulão. Precisamos saber quem é esse Coronel Bahia.

            E depois de alguns dias de viagem. Aprício chegou num arraial por nome de Lamal. E que na sua praça central aonde mais parecia um grande tapete vermelho. O palco dos forasteiros que transitavam como ferozes cães, para lá e para cá.  E chegando num salão Aprício falou:

            - Quero um lugar para que eu possa repousar um pouco senhora.

            - Não vai tomar uma bebida?

            - Cachaça com pratudo.

            Assim que a mulher serviu Aprício, esse foi obrigado eliminar dois forasteiros quem vieram desafiá-lo.

            - Nem deu tempo a eles. Deve ser pistoleiro do Coronel Bahia.

            - Meu nome é Aprício e estou procurando por um Homem chamado Honório. Ele é o meu pai.

            A mulher ficou um pouco assustada com Aprício e disse em seguida:

            - Marta. Leve o cavalheiro às suas acomodações.

            - Pode me acompanhar Aprício?

            Marta e Aprício seguiram pela praça da cidade enquanto Azulão os acompanhava.

            - Vejo que o se cavalo é ensinado.

            - Sim. Foi a minha mãe que o ensinou.

            - Como se chama a sua mãe?

            - Maria. Esposa de Honório. É uma linda mulher.

            - Só pode ser. Pra ter o filho que tem...

            - Obrigado Marta. Você também é muito bonita. De onde veio?

            - Garimpo poeira grande. Já ouviu falar?

            - Sim. Estive lá, dias atrás.

            - Tenho vontade de voltar lá.

            - Deixou algo importante por lá?

            - Perdi tudo que eu tinha lá. Meu pai, minha mãe e os meus irmãos. Fugi naquela noite do maldito que queria me levar para si.

            - E quem é essa pessoa?

            - O Coronel que você trabalha para ele. Coronel Bahia. Maldito que tirou a minha vida sem me matar. Melhor seria se ele tivesse me matado. Assim eu não estaria carregando essa dor infernal dentro de mim.

            - Quer dizer que muitos trabalham para ele?

            - Sim. Muitos...

            - Você deve saber de onde é o Coronel. Não trabalha para ele!

            - Não. Eu trabalho para essa senhora. Só na esperança de um dia eu ir trabalhar para ele. Desta forma encontrarei um meio de matá-lo.

            - Pra vingar a morte dos seus pais?

            - Sim. Quanto eu os amava.

            - Você se lembra de alguma coisa ligada ao ouro dos seus pais?

            - Era um garimpo muito grande. Sei que meu pai tinha um lugar secreto para guardar o nosso ouro.

            Aprício deu um dos seus revólveres para Marta e falou:

            - Atire em mim Marta.

            - Por que devo atirar em você?

            - Aqueles sacos que estão no meu cavalo, estão cheios de ouro. E ele é todo seu. Eu matei o seu pai e a sua mãe em troca do ouro. O estado deles era horrível.

            - Se foi pagamento para matá-los o ouro é seu - relatou Marta devolvendo a arma para Aprício dizendo:

            - Mais tarde eu voltarei.

            Marta se foi. Aprício soltou Azulão no pasto e foi tomar banho e só a noite foi para o salão.

            - Vai beber alguma coisa, cavalheiro?

            - Sim. Cachaça com limão.

            Aprício tomou umas cachaças e comeu um pouco de farofa, em seguida foi para a hospedagem. E ao entrar em seu quarto...

            - Gostaria de lhe dar um grande presente...

            Aprício ficou perdido ao ver o lindo corpo nu da linda Marta estendido em sua cama.

            - Nuca imaginei que fosse assim.

            - Não imagine Aprício. Vamos viver o momento.

            De modo que Aprício se atirou nos braços de Marta...

            - Já está ficando tarde Aprício. Tenho que voltar ao salão. A Senhora Odete não pode sentir a minha falta.

            - Não gostaria de ir comigo. Quem sabe eu ajudaria você a vingar a morte da sua família.

            - Matando o Coronel Bahia?

            - E por que não. Depois seguiremos em busca do meu pai. E quem sabe ele não é o meu pai.

            - E se for ele o seu pai? Você não deixará que eu o mate.

            - Por que não. Afinal eu não matei o seu pai.  O que tem você matar o meu.

            Tudo demonstrava uma grande confusão no tocante à missão de Aprício. Deixar até mesmo a Marta matar Honório. Será que tinha se esquecido da sua mãe. Ou estava mesmo apaixonado por Marta. Tudo por ser ela a sua primeira mulher.

            - Eu estou de acordo Aprício - relatou Marta beijando o pistoleiro apaixonadamente.

            - Então partiremos nessa madruga minha querida.

            Já na manhã do novo dia...

            - Olhe como é lindo, Marta...

            E os olhos de Marta pairavam ao ver o lindo amanhecer naquelas terras que nem mesmo teve palavras para descrever...

            - Nem sei o que dizer meu amor.

            - Quanto a mim posso afirmar que me encontro ainda como criança e que por vezes a saudade do meu pai era tanta que eu ficava assentado no mourão da porteira do curral olhando o amanhecer. Eu até achava que o meu pai estivesse vivendo naquelas escuras nuvens que sempre fazia a minha mãe chorar.

            - Você ficou triste de uma hora para outra.

            - É Marta. É muito difícil vir sem um pai do seu lado.

            - Agora que está aqui Aprício. Já depois de grande sinto tanta dor. Imagino com uma criança.

            - Mudando de assunto Marta. Você já tinha imaginado fugir com um pistoleiro?

            - Lá no garimpo poeira grande, sempre tinha forasteiros e esse convite já ouvi por muitas vezes.

            - E você se lembra do nome de algum, como por exemplo: Mário.

            - Não Aprício. Não me lembro...

            De modo que o sol começava subir ao céu. Azulão com o seu passo faceiro cortava estrada. Levando em sua garupa a linda Marta que tanto animava Aprício a completar a sua missão. Agora Azulão compartilhava com a mais nova aventura do seu dono.

            - Esta região pertence ao Coronel Bahia. A fazenda dele fica numa grande planície antes de chegar ao pantanal.

            - E você conhece toda a região Marta?

            - Não. Só sei alguns detalhes que consegui com a senhora Odete.

            - Na verdade Marta. Quem é a senhora Odete?

            - Uma puta esperta. Vive ali arrumando mulheres para os forasteiros e os Coronéis.

            - E tem outros Coronéis por aqui?

            - Tal de Coronel Cobra.

            - Coronel Cobra! Que nome estranho. Mas, contudo é o nome mais acertado para um Coronel assassino que eu já ouvi.

            E naquele instante que Aprício e Marta falavam de Coronéis avistaram um grupo de pistoleiros que vinham pela estrada que eles seguiam.

            - É homem do Coronel Bahia Marta?

            - Com certeza.

            Aprício mandou Marta se esconder com Azulão e foi sozinho enfrentar o bando.

            - Tome cuido Amor, eles são muitos!

            - Não se preocupe querida...

            E como um touro Aprício ficou no meio do caminho à espera dos pistoleiros.

            - De onde vem forasteiro? - indagou um dos pistoleiros.

            - Do inferno - informou Aprício atirando a sangue frio.

            De dentro do mato Marta avistava encantada a maneira incomparável que Aprício atirava. E em instantes só restou um deles e Aprício falou:

- Aonde encontrarei o Coronel Bahia?

- Está na fazenda dele.

            - Obrigado amigo - relatou Aprício atirando no homem.

            Quando Marta viu que não sobrou nenhum dos forasteiros, alegre relatou:

            - Agora sei que me entreguei a um homem de verdade.

            E se atirou nos braços de Aprício perdidamente apaixonada.

            - Vamos meu amor. Temos muito trabalho a fazer. Apanhe um dos cavalos deles Marta. Você sabe atirar não sabe?

            - Sei querido. O meu pai me ensinou. Vamos acabar com o Coronel Bahia.

            - E se ele for o meu pai. Vai matá-lo?

            - Só depois que você levá-lo a sua mãe.

            E aquelas duas almas ainda jovens seguiam no maldito rastro da vingança. As nuvens azuis faziam Aprício se lembrar da sua mãe ao sentir a brisa fria acariciar o seu rosto.

            - Estou chegando perto Mamãe - murmurou Aprício.

            - Está com algum problema Aprício?

            - Só falando com a minha mãe!

            - Você ainda tem mãe para falar...

            - Você também tem Marta. Poder falar com ela.

            - Não devemos falar com os mortos.

            - Eu compreendo Marta.

            - O que vamos fazer agora? Parece que aquela casa é a casa do Coronel Bahia.

            - Vamos pra lá Marta. Não viemos pegá-lo!

            - É. Vamos lá.

            - E aquele dente de ouro que embelezava o seu sorriso. Foi isso que minha mãe falou.

            - Então vamos ter que fazê-lo sorrir?

            - Sim meu amor. E se for ele viajará para Cruz da Serra.

            - Assim eu vou conhecer a minha sogra.

            - É. E que logo ficará viúva.

            - Isso mesmo Aprício. Sinto muito, mas vou ter que matá-lo. Pois só assim poderei viver em paz.

            E os planos de Marta e Aprício pareciam não chegar ao fim. Pois a cada momento parecia que eles tinham nascidos um para o outro.

            - Estamos chegando Marta. Prepare os seus revólveres.

            Na entrada da fazenda do Coronel Bahia existia algumas pequenas casas que ficavam ao redor do grande casa da fazenda. Ali residiam os pistoleiros do poderoso Coronel Bahia. De modo que assim que Aprício a Marta chegaram próximo da grande casa o tiroteio começou. O certo é que minutos depois Aprício falou:

            - Não sabia que atirava tão bem Marta.

            - O meu pai me ensinou querido.

            Aprício se alegrou ao ver aqueles pistoleiros estendidos no chão, completamente sem vida. E mais feliz ainda quando Marta falou:

            - Vamos ver o Coronel Bahia sorrir.

E ao chegarem à entrada principal da grande casa ainda tinha uns pistoleiros que foram logo eliminados. E na porta da casa estava um homem que relatou:

            - Por que estão matando os meus homens?

            - Procuramos pelo Coronel Bahia.

            - Está falando com ele. E quem está querendo falar comigo?

- Eu sou Aprício e esta é a minha namorada Marta. Já ouviu falar da gente?

            - Nunca me preocupo com nome de pobre. Para mim são como gado. O homem é o boi e a mulher é a vaca.

            Naquele momento Marta desmontou-se do seu cavalo e disse:

            - Eu sou Marta. Sou filha daquele homem que o senhor o matou no garimpo poeira grande.

            - Já matei tanta gente. Que mal faz isso minha jovem. Você falou pai. Pai pobre tem mesmo é que morrer. Pois se é um pobre pra que por filhos no mundo.

            - Sinto que não tem medo de morrer Coronel - relatou Aprício.

            - Acertou meu rapaz. Eu já nasci na luta. Cresci lutando. Vivo lutando. Portanto nunca sobrou espaço para o medo. Além disso, eu tenho o corpo fechado. Balas não entram em mim.

            Quando o Coronel falou que balas não entravam nele Marta ficou pensativa e em seguida falou:

            - Não tenho medo Coronel. Eu também tenho o corpo fechado. Vamos ter um grande desafio.

            - Comece quando quiser mocinha idiota.

            - Pode matá-lo por mim Aprício?

            - Primeiro quero o ouvir sorrir, Marta.   Coronel! Poderia dar um sorriso?

            - Por que deve sorrir? - indagou o Coronel curioso com tudo aquilo.

            - Se vai mesmo nos vencer Coronel, dê um sorriso. Assim morremos felizes.

            O Coronel ficou meio triste e disse:

            - Está bem mocinha. Rá rá rá...

            - Obrigado Coronel. Agora tira a sua camisa se é verdade que tem o corpo fechado - pediu Aprício.

            - Está bem pistoleiro idiota - relatou o Coronel tirando a sua camisa.

            - É o bastante Coronel - relatou Aprício meio triste ao ver que ele não tinha nenhuma marca de ferro ou chifre em seu corpo. Com isso falou:

            - Marta! Ele é todo seu. Ele não é o meu pai.

            - Pensou que eu fosse o seu pai pistoleiro?

            - Sim Coronel. Com isso não devo brigar com o senhor. Contudo a minha namorada é que tem algo a acertar com o senhor.

            Assim que Aprício terminou de falar o Coronel falou:

            - Então garota! Quer entrar? Eu não tenho mulher mesmo. Todas que uso, tenho que matá-las. Pois só assim é que sinto prazer. E quando não tenho mulher eu fico olhando as cabeças daquelas que me deu prazer. Venha para a minha coleção.

            - Você deve ser louco Coronel - argumentou Marta atirando no Coronel Bahia. E para a tristeza de Marta o Coronel do mesmo jeito que estava ficou. Até parecia que a sua arma não tinha balas.

            - Pode guardar a sua arma mocinha. Eu quero você viva.

            Marta com um ar de terror gritou:

            - Preciso de ajuda Aprício. Esse Coronel é o próprio diabo...

            Aprício montado em seu cavalo gritou:

            - Deita no chão, Marta.

            E assim que Marta se deitou no chão. Aprício disparou o seu clavinote batizado contra reza brava e logo viu pedaços do Coronel Bahia espalhados pelos ares.

            - Vamos Marta. Não temos tempo a perder. Precisamos encontrar o Coronel Cobra. Só pode ser ele o meu pai.  

            Marta montou em seu cavalo e seguiu Aprício dizendo:

            - Se eu já era sua Aprício. Agora é que serei de verdade.

            - Não fique assim Marta. O amor está acima dessas coisas. Quem ama tem sempre o dever de defender o seu amor.

Eu não ia deixar aquele idiota zombar do meu amor.

            De modo que Marta e Aprício viajaram meses...

            - É Marta. Deve ser por essas bandas que esse tal Coronel Cobra vive. E assim que Aprício falou, Marta disse:

            - Veja meu amor. Que linda aquela casa. De quem será?

            - Vamos ver de quem é - relatou Aprício sentindo-se feliz.

            - Eu já estou me sentindo como uma verdadeira onça Aprício. De Tanto comer carne de caça.

            - Estamos mesmo precisando de uma comida diferente Marta.

            De maneira que Aprício e Marta chegaram à linda casa que ficava a beira da estrada aonde ali pousavam os forasteiros.

            - O que desejam? - indagou uma simpática senhora.

            - Meu nome é Aprício e essa é a minha namorada, Marta. Eu sou da Bahia. Lá de Cruz da Serra e Marta é do garimpo poeira grande.

            - Já ouvi falar do garimpo poeira grande. No entanto essa tal de Cruz da Serra eu não tenho lembranças.

            - Como ficou sabendo do garimpo poeira grande?

            - Através do Coronel Cobra.

            - A senhora o conhece?

            - Sim. Não mora muito longe daqui. Logo ali na fazenda desejo.

            - Ele é uma boa pessoa?

            - Não. É o que se pode dizer demônio. Dizem que ficou rico matando e roubando as pessoas e os garimpeiros que passam por essas bandas.

            Ao ouvir a mulher, Aprício se perdia na dúvida. Será que o maldito Coronel Cobra era mesmo o seu pai!

            - Marta. Esta noite iremos ao encontro do Coronel Cobra. Tudo indica que ele é o meu pai.

            - Tudo bem Aprício. Estarei do seu lado para o que der e vier.

            E assim que anoiteceu. Aprício pagou as despesas da pousada e disse para a mulher:

            - Nesta madrugada senhora. Estaremos de partida. Pois antes do amanhecer quero me encontrar com o Coronel Cobra.

            - Desejo toda sorte do mundo a vocês. Meu nome é Catarina e desde quando vim pra cá, procurei não me intrometer nos negócios de ninguém.

            E na escuridão da noite, aqueles dois seres condenados a sofrer, seguiam em direção a fazenda desejo.

            - Marta. As sete estrelas já estão no alto do céu. Daqui a pouco o galo estará cantando. Estou ansioso pra ver a cara do Coronel Cobra.

            - Também quero ver. Quero conhecer o pai do homem que amo.

            E por entre as brisas frias. Naquela madrugada. Aprício a Marta avistaram as luzes da casa do Coronel Cobra...

            - Lá está à casa do Coronel, Marta. Deve estar deitado ao lado de uma mulher. Enquanto que a minha pobre mãe vive chorando a sua falta há vinte e cinco anos.

            - Imagino o quanto a minha querida sogra tem sofrido.

            - É Marta. Às vezes eu tenho pena dela. Mas se for esse Coronel o meu pai. Logo o sofrimento dela chegará ao fim.

            De modo que Aprício e Marta estavam prontos para dar um basta na maldita façanha do seu Honório. O maldito Coronel Cobra.

            - Vamos matar todos Aprício?

            - Sim Marta. Só pouparemos o Coronel Cobra se for ele o meu pai.

            E assim lá nas brenhas de sertão de Mato Grosso, os revólveres de Aprício e Marta fizeram brilhar a madrugada escura.

            - Tome cuidado Marta...

            E por entre explosões de dinamites os homens do Coronel Cobra acordavam para a morte...

            - Vai pela frente da casa que eu entrarei pelos fundos, Marta.

            O gritou aflito de Aprício parecia dizer que estava apavorado. Contudo ao entrar pelos fundos da casa, deparou-se apenas com poucos pistoleiros que logo os venceu e já dentro da casa ele foi quebrando cada porta de cada quarto e atirando em quem estivesse ali e gritando:

            - Coronel Cobra. Saia de dentro da toca seu maldito.

            Em um dos quartos Aprício atirou em duas lindas garotas e com remorso murmurou:

            - Perdão Senhor se elas eram minhas irmãs.

            E na porta de outro quarto estava uma linda mulher que falou:

            - Por que está nos matando pistoleiro?

            - Preciso encontrar com o Coronel Cobra - informou Aprício atirando na mulher.

            Marta naquele momento vinha entrando no terreiro de frente da casa e ouviu Aprício gritar:

            - Cuidado Marta.

            No entanto foi tarde. Pois o Coronel atirou em Marta dizendo:

            - Por que está a minha procura pistoleiro?

            Aprício não sabia se acudia Marta ou se respondia o Coronel.

            - Procuro pelo meu pai. Se for você me responda uma pergunta.

            - Na escuridão não dá pra saber se você é meu filho. No entanto acho que é muito burro pra ser meu filho. Segure-se que o que tenho para você é bala.

            Quando o Coronel falou na ameaça acabou recebendo um tiro no braço que Marta mesmo agonizando nos seus últimos momentos lhe deu.

            - Veja se ele é o seu pai Aprício. Pois só assim eu morrerei em paz.

            Aprício acendeu o seu fósforo e falou:

            - Tire a sua camisa Coronel. Quero ver se têm as marcas de chifre de boi e marca de ferro em seu corpo.

            Quase chorando o Coronel falou:

            - Tenho Aprício. Foi quando eu marcava os bezerros.

            - E o chifre?

            - Você ainda era muito pequeno. Diva era um pouco maior. Carlito nem era nascido. Aquele touro. Como era valente.

            - Sim senhor Honório. Coloque as suas mãos para trás.

            Aprício amarrou Honório e em seguida foi socorrer a sua amada.

            - Marta. Você não pode morrer.

            Marta, porém já com o seu corpo gelado disse:

            - Estou feliz Aprício. Você encontrou o seu pai. Leve-o para a sua e diz a ela que gostei muito dela.

            - Como Marta. Você nem a conheceu!

            - Porque ela te ensinou a lutar. Ela é maravilhosa.

            - Ela morreu Aprício. Ela morreu. É sempre assim meu filho. Mesmo antes de eu conhecer a sua mãe. Eu já vivia sofrendo pelo mundo afora. Meu pai matou a mulher que eu amei. Agora eu matei a sua. Como é duro o destino meu filho. Como é duro...

            - E de onde era o seu pai?

            - Garimpo ouro quente. E tudo por esse ouro maldito o mundo nunca teve paz.

            - Sei pai. Sei que foi grande a dor que o senhor sentiu. Pois agora estou sentindo.

            - Foi filho. E por isso fui pro mundo e lá na Bahia eu conheci a sua mãe. Ela nunca soube que eu era dessas terras. Eu só falava que tinha amigos pressas bandas.

            - Um deles era José Pedro?

            - Sim filho. Morreu no garimpo em uma grande batalha...

            E quando o dia amanheceu Aprício já tinha feito uma sepultura e enterrou Marta. Depois colocou fogo na casa do Coronel Cobra e disse:

            - Gostaria que eu te chamasse de pai ou de Coronel Cobra seu Honório?

            - Do jeito que preferir.

            - Então vamos para Cruz da Serra, seu Honório.

            E depois de meses de viagem, Aprício cuidava do ferimento no braço do seu pai para que ele chegasse vivo, e só assim poderia cumprir a sua missão em levá-lo para sua mãe.

            - Estamos chegando papai. Dentro de instantes avistaremos a fazenda capão.

            - Não é fazenda Milagre?

            - Quando Carlito morria pediu para que a mamãe fizesse uma casa nova para receber o senhor. Disse ainda que sentiu muito não poder ter visto o senhor novamente.

            E que muito te amou.

            - Eu não tenho nem palavras para dizer meu filho.

            - Não fique triste pai. Todo errou. E a única saída que temos é pagar pelos nossos erros.

            - Eu estou pagando filho. Veja que já perdi até a minha mão.

            - Se não fosse o Cigano Tobias que amputou a sua mão o senhor já estava alimentando os vermes.

            - É filho. Tudo por causa do maldito ouro.

            - Pai. Qual a razão que faz os humanos viverem em busca do ouro?

            - Um dia você entenderá filho. Sei que estes sacos de ouro que estão em seu cavalo, um dia lhe trarão uma grande maldição.

            Aprício e Honório falavam do ouro estrada afora...

            - Alguma coisa aconteceu pai. Mãe não atendeu o desejo de Carlito. Não existe nenhuma casa nova na fazenda Capão.

            - A vida é assim filho. É sempre uma surpresa atrás da outra.

            E ao chegarem numa velha casa, Aprício gritou:

            - Ei morador.

            De dentro da casa surgiu um homem e disse:

            - Devem ser Aprício e Honório!

            - Sim amigo. Pode-me dizer onde está à casa nova da minha mãe?

            - Ela não fez nenhuma casa por essas bandas Aprício.

            - O que aconteceu?

            - Aconteceu que sua mãe vive no mesmo lugar. Diva se casou com o Doutor Paulino. E tudo ficou como estava.

            Aprício meio triste disse:

            - Obrigado amigo.

            - De nada Aprício. Eu vou avisar o Doutor Paulino que vocês chegaram.

            Assim Aprício meio triste se dirigiu com o seu pai para a fazenda Milagre e pensativo com as promessas quebradas por parte da sua mãe e da sua irmã.

            - Elas não cumpriram o que prometeram - relatou Aprício ao seu pai.

            - Não fique triste filho. Poucas são as pessoas que cumprem o que prometem.

            - Tudo por culpa de Diva. Ela vai ver o que vou fazer.

            Parecia que Aprício era outra pessoa...

            - Ela prometeu a ele quando morria. Ela prometeu...

            E depois de algum tempo em silêncio...

            - Prepare o seu coração meu velho. Pois o grande momento que é esperado há muitos anos pela minha mãe está chegando.

            - Será que não dá pra me soltar

            - Não papai. Eu não confio em cobra. Coronel Cobra.

            - Você irá pagar muito caro por isso.

            - Já estou pagando seu Honório. Há muito vivo pagando pelo que não fiz. Bom seria seu eu tivesse feito.

            E naquele instante...

            - Está vendo quantas luzes nos esperam seu Honório?

            E nas pontas das estacas da cerca da casa existiam uma vela acesa dando as boas vindas a Honório.

            - Estou chegando mamãe - murmurou Aprício com alegria e triste ao mesmo tempo.

            Naquele momento Maria saiu no terreiro da casa e gritou:

            - Aprício. Onde está você meu Aprício?   Aprício soltou Honório e em seguida disse:

            - Vamos ao encontro dela pai.

            Honório com as penas fracas saiu cambaleando pelo terreiro e logo se encontrou com Maria.

            - Minha Maria! Quanto tempo minha Maria!

            - Honório. Quanto tempo meu Honório.

            Depois dos cumprimentos Maria falou:

            - Venha abraçar a sua mãe meu querido.

            Aprício abraçou a mãe e disse:

            - O que aconteceu com a senhora e Diva?

            Antes mesmo de Maria responder Aprício a casa já estava cercada de pistoleiros e o tiroteio começou.

            - Posso saber com quem estou lutando?

            - Doutor Paulino.

            - Prepare para morrer seu maldito...

            Logo Aprício avistou Honório e Maria estirados no chão.

            - Pai. Falou para Maria como era o seu nome em Mato Grosso? Falou seu idiota?

            - Coronel Cobra.

            - De onde você era? Fale seu maldito.

            - Mato Grosso. Eu sempre fui de lá.

            Aprício via a claridade da luz a sua mãe morrendo abraçado com o seu Honório.

            - Diva. Você está ai?

            - Sim Aprício. Estou te ouvindo. Não foi possível cumprir a promessa. Eu me apaixonei de verdade meu irmão.

            - Pois a sua pena de morte chegou Diva. Eu te falei.

            E na direção da voz de Diva, Aprício mandou uma chuva de balas. O Doutor Paulino foi atingido e assim o ódio de Diva aumentou e disse:

            - Vou te matar Aprício. Vou te matar.

            Aprício então deu um tiro na mão de Diva e disse:

            - Sua idiota. Apaixonou-se por filho de um Coronel.

            Aprício atirou numa perna de Diva e falou:

            - Você não tem direito de andar.

            - Aprício. Porque não me mata de uma vez?

            Aprício atirou na outra mão de Diva e depois na outra perna e disse:

            - Poderia me dizer por que veio nos matar?

            - Poderia ver se o Doutor Paulino já morreu?

            Aprício rolou o corpo do Doutor Paulino com o bico da sua bota e disse:

            - Essa coisa já foi pro outro mundo.

            - Então veja se mamãe já morreu.

            - Sim Diva. Ela já está morta.

            - E quanto ao nosso pai?

            - Já se foi também Diva. Todos já morreram. Só restou você e eu.

            - Sabe Aprício. Eu gosto de ver este jeito interessante de você lutar. Você é o melhor meu irmão. Eu tenho muito orgulho de você.

            Aprício ouviu os elogios de Diva e em seguida falou:

            - Quero saber o porquê de ter nos atacado.

            - Queria matar vocês e depois eu mataria o Doutor Paulino. Assim todas as terras ficariam para mim. Como sou uma idiota!

            Aprício assentou-se no chão e colocou Diva em seu colo. Vendo assim o sangue dela jorrando pelo chão e se misturando na areia. Em seguida ele falou:

            - Como é a vida minha irmã. Vendo o seu sangue se despedindo de ti. É fácil imaginar o nosso valor. Viemos de uma mentira. Somos filhos de um mentiroso. Nossa vida sempre foi uma espera que nunca chegou ao fim.

            - Chegou Aprício. Chegou o de Carlito. E hoje o da mamãe e o do papai. Agora está chegando o meu.

            Aprício beijou o rosto frio da irmã e disse:

            - E como será o meu?

            - Deverá ser diferente do nosso meu irmão. Você deve ser um ser especial que veio para por fim em toda maldade na terra...

            E Aprício acabou dormindo com a conversa de Diva. Acordando no dia seguinte com a sua irmã morta em seu colo.

            - Devo ser mesmo minha querida - relatou Aprício se levantando.

            E no terreiro da casa de Maria estavam os cadáveres espalhados pelo chão. Aprício fez quatro sepulturas e ali sepultou os seus últimos parentes. Pai, mãe, irmã e o cunhado maldito. Depois apanhou o ouro e o colou um pouco em cada sepultura dizendo:

            - Está ai o seu ouro maldito papai. O seu mamãe. O seu Diva. E um pouco para você Doutor Paulino. Seu Liano...

            Depois que distribuiu o ouro, Aprício montou o seu cavalo Azulão e se foi sertão afora, talvez à procura de algum lugar aonde pudesse ser útil. Uma vez que ali não tinha mais nada para fazer.     

 

 

FIM

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