sábado, 29 de abril de 2023

À Beira da Estrada João Rodrigues

 À BEIRA DA ESTRADA

 

JOÃO RODRIGUES

 

             - O que está fazendo aí Nega?

            - Nada não Mãe, só estou ouvindo o ronco, como ele é lindo!

            - Que ronco minha filha?

            - Ronco Mãe, ronco do motor, eu vou ver de quem é.

            Nega  com  os seus treze anos de idade. Saiu descalço indo em direção a estrada, o vento assoprava os seus lindos cabelos e em sua fisionomia estava estampada uma expressão de mistério.

            - Não sei o que faço pra Nega ficar quieta Rodrigues.

            - Não esquenta a cabeça mulher. Deus sabe o que faz.

            - Esta coisa é muito antiga Rodrigues. Esta coisa de Deus sabe o que faz já deu muitos problemas pras pessoas.

            - Não estou entendendo Raimunda!

            - Não entende porque não quer Rodrigues. Lembra-se do meu pai. Não sei por que ele ficou louco. Só sei que ele falava aí com esse Deus. Mesmo assim ele morreu louco e na miséria. Acho que de tanto falar com esse Deus invisível que nunca deu a mínima pra ele.

            - Pode ter sido falta de fé mulher!

            - Que é isso Rodrigues. Como pode ter um Deus desta forma. Pois o homem só vivia falando com Ele e Ele nunca deu a mínima pra ele.

            - Mas ele falava sem fé mulher. Deveria falar da boca pra fora. Não vinha do coração.

            - Pode ser Rodrigues. Contudo acho que mesmo assim Deus podia ter dado uma força pra ele.

             - E quem sabe Deus deu.

            - Não Rodrigues, ninguém jamais falaria com Deus se não fosse uma ordem do coração.

            - Não concordo Raimunda. Tem gente que fala por falar.

            Rodrigues era um velho de cabeça dura. No entanto se tratando de Deus ele era diferente. Mas parecia que as coisas não iam lá muito bem pro seu lado. Vivia meio triste a continuar pobre e vendo a sua filha crescer e ainda correndo pra beira da estrada procurando por apenas um ronco de um motor misterioso.

            - Mãe! Eu o vi. Ele está lindo!

            Antes de Nega terminar de falar Rodrigues falou:

            - Nega! Não quero saber de você sair pra beira da estrada pra falar com esse tipo de gente.

            - Que tipo de gente Rodrigues - interrompeu Raimunda.

            - É claro que só pode ser algum caminhoneiro idiota.

            - O que tem a ver pai. Eu gosto do ronco do motor e se no caminhão tiver alguém que me interessar é claro que o amarei. Sou uma virgem e sou livre para escolher quem eu bem desejar. Pois o corpo é meu e o darei pra quem puder me amar de verdade.

            - Quem lhe disse isso sua idiota!

            - Eu não sou mais uma criança pai. Já cresci e tenho que seguir o meu destino.

            Rodrigues deu um soco na face de Nega dizendo:

            - Se você não se afastar desta coisa de beira de estrada não precisa mais contar comigo. Deixo de ser o seu pai.

            - Rodrigues, você não pode fazer isso.

            Rodrigues tentou bater no rosto da mulher, porém ela relatou:

            - Bate! Bate seu idiota. Se desejar morrer bate!

            Nega com aquele lindo olhar que se atirava para o firmamento e ouvindo o seu pai brigar com a sua mãe e ainda sentindo o ardor da mão do Rodrigues falou:

            - O senhor é valente porque é um pobre e burro, bate em mim seu velho, porque sou uma garota indefesa. 

            - Vamos calar a boca, vamos calar - exclamou Raimunda meio triste, olhando pro rosto de Nega e dizendo:

            - Nega, se você ama mesmo esse homem misterioso. Aproveita sua vida minha filha, vai com ele. Vai querida, enquanto ainda é nova e bonita.

            Raimunda com os seus cabelos grisalhos ainda longos que faziam cobrir as suas costas e no seu rosto parecia esconder alguma coisa do passado que queria ser de muito amor, contudo o maldito destino lhe traçou uma vida cheia de tragédia e assim se foi o sonho de ser feliz.

             - Não chore mãe, sei que todos têm um destino. Por isso não adianta chorar, pois nem mesmo o sorriso e a lágrima vão mudar o que está marcado.

            - Está querendo falar alguma coisa pra mim Nega?

             - Não só pra senhora como pra mim mesma. Sei que o que é meu destino espera por mim na esquina da vida.     

            Nega era uma menina com espírito de mulher. E o mais interessante era que ela falava demonstrando grande sabedoria. No entanto o que tinha a ver ela ficar à procura de um simples caminhoneiro à beira da estrada.

             - Já passaram muitos dias mãe. E o pai não voltou.

            - Quem sabe ele nem vai voltar - argumentou Raimunda olhando pra filha dizendo:

            - Se ele não voltar, logo você ira viver o seu destino e eu, pobre de mim, me entregarei à morte aos poucos sem ao menos ter o direito de escolher o momento sequer.

            - Mas a senhora já escolheu o seu mãe. Agora sou eu que vou escolher os meus. Quero me entregar ao gosto que dizem. Quero provar o sabor do sexo. É bom mãe?

            Raimunda fez um rosto de respeito e ao mesmo tempo não deixou de mostrar  no seu olhar a vontade de voltar ao passado. Pois até disse:

            - Foi bom filha. Muito bom. Sei que me encontro nessa situação, mas muitas vezes mergulho no passado e me contento com o presente. Aí sim, me sinto como uma ferida que vai se fechando aos poucos me dando uma sensação de prazer. Assim sei que só mesmo na minha imaginação está guardado momento por momento.

            - Será que quando eu estiver na idade da senhora estarei com uma filha na minha situação!

            - Não sei minha filha. Pode estar e pode não estar. Tudo depende do seu destino.

            - É mãe. Isso é. Nem mesmo sei como é esse caminhoneiro. Quem sabe ele vive do mesmo jeito que eu vivo.

             - Não filha. Isso você pode deixar de pensar. Pois ninguém vive como você.

            - A senhora que pensa. Vai ver que ele vive sim. Numa situação até mesmo pior do que a minha.

            Nega parou de falar, e olhando pro lado da estrada disse:

            - Está ouvindo, deve ser ele. Eu vou dar uma olhada.

            - Vai minha filha, e tome muito cuidado.

            Nega nem ouviu direito o que a mãe falou, pois pelo amor ela se foi à busca de encontrar prazer. Que na verdade nem sabia o que.

            - Hoje eu falo com ele - argumentou Nega vendo o caminhão que lhe convidava através do som do motor.

            Lá estava parado à beira da estrada o caminhão azul com uma faixa verde e amarelo da cada lado da cabine.

            - É seu o ronco que ouço, só pode ser seu - murmurava Nega passando a mão no pára-choque do caminhão.

             Ali perto em um restaurante alguém gritou:

            - Vou te matar seu desgraçado, vou te matar!

            Nega foi ver quem estava brigando e logo se encontrou com um homem ainda jovem de cabelos pretos e lisos, lábios finos e olhos grandes, nariz afilado e vestindo uma camisa de meia com uma bermuda jeans, calçando chinelos de couro que saia do restaurante aos empurrões.

            - Isso não vai ficar assim, eu vou apanhar o meu revólver. Isso não vai ficar assim...

            Reclamava o homem indo direto para o caminhão azul com as faixas verde e amarelo onde estava Nega.

            Nega ficou feliz ao vê-lo e ao mesmo tempo triste. Pois sentia que era ele o dono do seu coração. O dono da sua honra. Contudo ele nem mesmo sabia que era ela a sua admiradora. Pois ela nem mesmo podia dizer a ele, uma vez que estava tomado pelo ódio e nem mesmo pôde admirar a real beleza que ali estava. Pois logo foi abrindo a porta do caminhão dizendo:

            - Merda, onde está o meu revólver.

             Aflito o homem procurava a arma...

             - Onde está...

            Nega pedia a Deus para que ele não encontrasse a tal arma...

            - Achei! Agora eu vou mostrar aquele otário o que é um homem de verdade.

            Nega percebeu o quanto era valente aquele homem com a arma na mão, e com um estranho olhar ele adentrou-se no restaurante e em poucos instantes, Nega aflita esperava pelo pior. Um grande vazio correu na sua mente e deixando o seu coração chorando como se toda a sua ilusão morresse ali. Pois só tristeza lhe restou atrás da fumaça e gritos de horror.   

             - Isso é o que você merece seu desgraçado. Para que nunca mais chamará um caminhoneiro de veado seu pilantra. Só por ser dono de um restaurante, acha que caminhoneiro é veado, morra seu idiota.

            A tristeza de Nega aumentou junto com a sua alegria, pois quem acabava de entrar na bala era o seu Isidoro que já por vezes a tinha humilhado a si, sua mãe e seu pai. Pois  o desgraçado além de humilhar as pessoas, arrumava moças para se prostituir com os caminhoneiros e roubava lhes todo o dinheiro que as coitadas conseguiam naquele trabalho forçado e até mesmo em troca de uma péssima alimentação. De certo que quando o homem que atirou viu que o velho Isidoro estava sem vida no chão, saiu dizendo:

             - Não voltarei nunca mais nesse lugar. Contudo essa lembrança eu levo comigo.

             - Que tipo de lembrança - indagou Nega.

            - Morte mulher. Morte de um pilantra.

            - Não gostaria de levar outra lembrança?

             - Que lembrança?

            - De onde você matou um homem e conheceu o verdadeiro amor de uma virgem...

            - Rá rá rá rá virgem. Está me achando com cara de otário garota. Quer levar um tiro também sua piranha?

            - Pelo amor que sinto por você o melhor é levar esse tiro do que ficar sofrendo pelo destino sem fim...

            Assim que Nega terminou de falar, olhando com uma nuvem de ternura o assassino se conteve e falou:

             - Está falando sério, mocinha?

            - Sim, o meu nome é Nega, e estou falando sério. Desde pequenina quando ouço o som do motor, alguma coisa acontece com o meu coração que fica como se estivesse querendo sair de dentro do meu peito.

             - Tudo bem garota, você gosta é do caminhão e não de mim.

            - Não tem como um coração gostar de um carro, do jeito que sinto só pode ser de você. Vai me levar ou não?

            - Entre aí sua tonta. Não quero ser responsável por virgem nenhuma. Contudo já estou encrencado mesmo...

            Com o caminhão quase andando Nega entrou pela primeira vez na cabine e se assentou no banco aveludado como se chegasse ao seu verdadeiro destino. Pois de forma muito sutil sentia que o veludo parecia lhe dar boas vindas num jeito de sedução.  O som do motor lhe encorajava fazendo esquecer de que quem dirigia o caminhão era um homem que tinha acabado de matar um homem. Além disso, a velocidade fazia com que Nega e o seu amor assassino se sentissem grandes ao ver o potente caminhão superando as montanhas com muita facilidade.

            - Aí sua virgem, como se sente?

            O som do motor, e o vento não deixava que Nega ouvisse o que o motorista falava. Porém a paixão fazia com que ela respondesse o que o homem falava.

            - Você disse que se chama Nega. Só isso. Se é que isso é nome de gente.

            - Meu nome verdadeiro é Julieta Campos, o meu apelido é que é Nega.

            - Julieta Campos, é melhor eu te chamar de Nega!

             - E você, qual é o seu nome?

             - Rafael Medeiros, mas pode me chamar de coruja!

            - Não, prefiro te chamar de amor.

            - Você é muito burra. Não existe esta coisa de amor.

            - Existe amor. Existe sim.

            - Deixe de ser otária mocinha. É melhor me chamar de coruja mesmo. Sinto melhor assim.

            - Está bem coruja. Mas um dia eu vou te provar que o amor existe.    

            - Pode até existir. Mas na verdade eu continuo achando que é uma grande burrice sua. Vai provar me dando o seu corpo. Isso qualquer mulher faz. A única coisa que vai acontecer é o sexo. E depois que passa acabou. Você será como todas as outras.

            - Tem algo errado em você Rafael. Sinto que existe algo errado.

             - Errado, o que de errado?

            - Sim, eu sou uma virgem. Guardei-me para o homem que eu o amasse e se alguém se guarda para alguém isso só pode ser amor!   - Não vou discutir com você. Na verdade eu nunca tive uma virgem em meus braços. Todas as mulheres que se deitaram comigo já eram bulidas. Talvez o que você está me dizendo não pode bater com o meu pensamento. Pois nunca tive contato com uma virgem. Mas lá dentro de mim, algo não permite que eu acredite que você é uma virgem de verdade.

            - Estou aqui coruja, e você pode verificar a hora que bem desejar.

            Nega falou com Coruja colocando a sua saia no meio das suas duas lindas coxas que nunca tinham sido tocadas por nenhum homem e disse logo em seguida:

            - Nem sabia que quem estava atrás do som do motor era você. Aqui está o que sempre guardei.

            Coruja passou suavemente a sua mão assassina nas aveludadas coxas de Nega e em seguida falou:

            - É a coisa mais delicada que já vi em toda a minha vida.

            Nega quase sem voz disse:

            - Sou toda sua!

            Coruja nervoso, falou:

            - Por que isso veio acontecer a mim. Hem, porque a mim! Hem Nega?

            - Foi o som do motor que me fez querer você. Eu ouvia o som e me perdia na paixão. Sei que foram várias vezes que corri pra beira da estrada para ver quem dirigia o caminhão que com o seu som incomparável me fazia te amar.

             - Então você chamava o meu amor não era tubarão?

            O ronco do motor do caminhão tubarão tocava mais forte parecendo querer dizer que sim.

            - Tubarão! Porque tubarão? Eu gostei desse nome - relatou Nega beijando a face de Coruja.

            Quando Nega beijou a face de Coruja ele percebeu que até mesmo o beijo dela era diferente de todas as mulheres que já tinha beijado. De modo que assim ele relatou:

            - Como você é linda Nega. Você é verdadeiramente uma jóia preciosa que veio para minha vida!

            - Não sou nada mais nada menos do que uma virgem Coruja, a sua virgem.

            - Claro, beleza. Você é a minha virgem. Eu gostei de você. Estou feliz por ter te conhecido.

            - Já que está feliz eu também fico feliz por isso meu amor.

            - De tão feliz que estou Nega eu vou até mudar os meus planos.

            - O que pretende fazer Coruja?

            - Vou para minha terra. Quero que a minha mãe conheça a mulher virgem que me ama.

            - Será que ela vai acreditar que sou uma virgem?

             - Está chamando a minha mãe de burra.

            - Mãe , eu não quis dizer isso. É que às vezes as mães não acreditam muito no que dizem os filhos.

            - Só se for a sua. Pois a minha tem que acreditar no que eu digo.

             Você briga com ela?

             - Não. Acha que vou fazer mal a minha mãe?

            - Não estou me referindo a isso. Eu mesma amo a minha mãe.

             - Como se chama a minha futura sogra?

            - Raimunda. A velha Raimunda Campos. E a sua mãe como se chama?

            - Elza Medeiros. E esposa do seu Mauro Medeiros.

            - Seu pai tem um nome diferente do nome do meu pai que é Rodrigues Campos.

            - Não gostou do nome do meu pai?

            - Não é isso Coruja. Só achei um pouco diferente. E ele vive com a sua mãe?

            - Não. Já foi pro outro mundo. Eu ainda era muito pequeno. Não me lembro muito dele. A minha mãe se juntou com um velho caminhoneiro, foi ele praticamente que me criou e me ensinou os segredos da estrada. Hoje eu vivo provavelmente o que ele viveu.

            - Será que ele se encontrou com uma virgem?

             - Isso eu não sei. Só sei que ele se encontrou mesmo foi com a minha mãe que era uma viúva de não se jogar fora.

             - E quem lhe apelidou de Coruja. Foi ele?

            - Não. Foram os caminhoneiros e o nome do caminhão foi ele mesmo.

            - Herdou o caminhão dele?

            - Sim, e ao mesmo tempo não. O meu pai deixou uma terra para minha mãe. Ele tinha um velho caminhão com o nome de boi velho. Minha mãe vendeu a terra e com o dinheiro ele trocou o boi velho por um caminhão novo que lhe deu o nome de tubarão. Dai pra cá todo caminhão novo que compro é batizado com o nome de tubarão em sua homenagem e em homenagem ao meu pai.

            Coruja falava com tanta naturalidade, nem mesmo parecia que tinha matado um homem.

            - Você é mesmo linda Nega. Até o seu cheiro é diferente de todas as mulheres que já conheci.

            Nega se sentia feliz e ao mesmo tempo preocupada, pois estava com medo de se entregar verdadeiramente ao Coruja...

            - Pra onde estamos indo?

            - Não te falei...

            - Sim, pra casa da sua mãe. E onde fica?

            - Num pequeno sítio perto de uma cidade. Caso alguém do seu Isidoro vir a minha procura não irá descobrir onde estou.

            De modo que quando anoiteceu Coruja já tinha deixado muitos quilômetros  pra trás. A linda Nega dormia como se fosse uma princesa no sofá do caminhão. Sendo ninada pelo ronco do motor que tanto lhe fez sofrer. Coruja contemplava aquele corpo nu ali do seu lado. E suavemente de vez em quando ele tocava os seios de Nega um lugar que nenhum homem jamais tocou. E ele via que lentamente a saia de Nega deixava que ele visse a sua nudez que fazia qualquer homem enlouquecer...

            - Já está amanhecendo querida! Chegaremos assim que o sol sair.

            - Nossa! Como é lindo aqui. Eu dormi com muita alegria.

            - Esta noite foi a mais estranha que eu já vivi em toda a minha vida!

            - Estranha por quê?

            - Sim, passar uma noite dirigindo com uma virgem do meu lado sem eu ter a oportunidade de tocar nela sequer.

            - Você terá sua vida inteira para me tocar quantas vezes assim desejar.

            Nega já se sentia como se fosse de Coruja. E ao ver os primeiros raios de sol ela disse:

             - Devemos estar chegando?

            - Sim, logo a senhora Elza conhecerá a sua linda nora.

            - Você já apresentou outras mulheres a ela?

            - Sim Nega. Foram muitas. Ela nunca gostou de nenhuma delas. Contudo tenho a plena certeza de que ela irá gostar plenamente de você.

            - Espera que eu possa retribuir toda a satisfação que ela sentir por mim.

            Nega percebia que a sua felicidade estava aportada no coração de Coruja. No entanto tudo seria ainda melhor se ela agradasse a mãe dele. A mãe de um assassino...

            - Veja lá Nega. Lá está a casa da minha querida mãe.

            Nega olhou pro quintal que cercava o pequeno casebre e seus lindos olhos pôde ver alguém que ocupava uma cadeira de rodas. No entanto não imaginou que fosse a sua sogra. Podia ser alguém que estivesse ali. Até de certa forma decente pro lado da velha.

            - Estamos chegando querida - argumentou Coruja tocando a buzina do tubarão.

            Nega via estampado no rosto do caminhoneiro a expressão de alegria por estar chegando e não dava, no entanto para saber se essa alegria era por sua causa ou por outro motivo qualquer. Será que seria por um filho estar voltando pra casa com saúde. Na verdade foi muito bonito para Nega. Pois desta forma ela pôde ver de perto a reação de alegria que tinha um frio assassino. Como era grande a sensibilidade e o profundo sentimento. Ele sorria e dizia:

            - Chegamos meu amor. Venha conhecer a minha velha. Venha conhecer a casa da minha mãe que a partir de agora será também a sua casa.

            Nega desceu do tubarão esbanjando beleza e se segurando na mão do seu amor. Parecia que nem estava ali. Sentia-se pairada no ar e com um estranho sentimento de não saber no que aquilo ia dar.

            - Está é Nega, a minha futura esposa mamãe. Não é linda!

            A pobre velha assentada na cadeira de rodas nem mesmo podia falar direito, pois a sua trêmula voz se misturava a baba que descia com abundância nos velhos cantos da sua boca. E não deixando de falar que não encontrava adjetivo para qualificar a sua estranha aparência que fazia a pessoa mais feia do mundo não sentir inveja.

            - Um grande prazer senhora - relatou Nega sem esconder o medo que sentia.

            - Não fique com medo de mim minha filha. Essa doença não pega.

            Nega meio triste relatou:

            - Que nada senhora, não estou com medo, é que eu nunca tinha visto uma pessoa assim.

            - Sei como você se sente minha filha. Como você é linda. Como é bonito o seu olhar. É tão inocente...

            A velha falava e chorava ao mesmo tempo. E observando aquilo Coruja falou:

            - Não fique assim mãe. Ela é sua também, ela é a sua nora. Eu vou me casar com ela.

            Quando Nega ouviu Coruja falar em casamento uma grande alegria invadiu o seu coração. E se atirou nos braços do assassino como se estivesse se atirando nos braços de um rei. E aquele homem pobre. Aquele elemento de baixa qualidade, sem educação, sem religião, era dono de uma virgem. Dono de um corpo de incomparável beleza. Que passou um dia e uma noite do seu lado sem sequer ter tocado direito nele. Até parecia que estivesse esperando uma hora que nem mesmo compreendia que hora seria. Até mesmo a Nega não sabia que seria a coisa que estava acontecendo ou que vinha acontecendo desde aquela época que corria pra beira da estrada quando ouvia o ronco do motor. Coruja, porém parecia desesperado por não chegar a hora tão desejada, pois Nega por sua vez nem é preciso falar, se atirou nos braços de Coruja e se perdeu num interminável beijo.

             - Eu sinto vergonha da minha mãe Nega.

            - O que tem a ver, ela compreende o que é o nosso amor.

            - Fique a vontade filho. Ela é linda.

            - Obrigado mãe - agradeceu Coruja com ar de compreensão.

            Coruja parecia estar feliz com a permissão da sua mãe ao seu namoro. Pois a sua alegria aumentava e em seu sentimento estava presente a certeza de que logo estaria casado. Nega porém ficou apreensiva quando notou que até aquele momento Coruja não se manifestou nada além de beijos e abraços. 

            Mas como o tempo não espera por ninguém. Ali o tempo voava e Nega cuidava da sua futura sogra naquela maldita cadeira de rodas. Coruja, no entanto só se preocupava com o seu caminhão. Até que por fim ela se desesperou dizendo:

            - Que dia vai ser o nosso casamento?

            - Não sei Nega, eu não sei que dia vai ser o nosso casamento.

            Nega ficou olhando Coruja e pressentia que algo estava errado... Pois em todo esse tempo ele se distanciava cada vez mais dela. Até parecia que ele nem era um homem normal. Pois Nega observava o seu comportamento até que num belo dia:

            - Não mãe, não, eu não posso falar pra ela que sou doente. Não sei o que vou fazer mãe.

            - Arrume uma desculpa filho. Diga qualquer coisa pra ela, diga que você nasceu assim.

            - Não posso mãe. Não posso confessar isso pra ela.

            Nega ouvia isso do seu quarto e mordia os seus lábios de ódio pelo seu triste destino. Pelo seu cruel destino.

            - Pra que eu fui desobedecer ao meu pai. Bem que ele falou que eu não devia me envolver com esse tipo de gente - murmurava Nega enxugando as suas lágrimas. 

            O dia amanheceu lá nos confins da terra. Pois depois das densas e frias trevas o sol brilhava soberano. Iluminando tudo que era de escuro. Só não clareou a tristeza dos olhos de Nega. Que na sua mente dizia:

            - E agora Julieta! Como vai enfrentar este problema. Hem! Nega. A coisa agora ficou preta de vez.

            Contudo Nega compreendeu que o problema não era seu. Que já que estava ali, tinha que encontrar agora uma solução e não se desesperar. Pois voltou a lhe dizer:

            - Nem tudo está perdido senhorita Julieta.

            Nega se levantou e cumprimentou normalmente o seu noivo como se de nada soubesse. Pois o que tinha a fazer agora era tentar consertar o que provavelmente estava perdido. E não se entregar totalmente ao o que lhe aconteceu. Afinal ela fez tudo àquilo por amor. No seu coração estava o seu desejo de conhecer aquele que estava atrás do ronco do motor. E já que o conheceu e que agora estava com ele mesmo com problema, mas era ele. Não adiantava chorar e já não tinha como voltar atrás. O seu pai já tinha sumido e quanto a sua mãe deveria estar torcendo por ela. Contudo o seu desejo era que eles nunca soubessem da sua enrascada.

            - Bom dia, Nega - cumprimentou Coruja com o semblante entristecido.

            - Bom dia meu amor, como passou à noite?

            - Não passei lá muito bem. Contudo sinto que alguma coisa estranha está acontecendo comigo...

            - E eu posso saber o que está acontecendo?

            - Eu sou um homem que muitas vezes não merece tal coisa!

            - Seja claro comigo Coruja. Você não me deve nada. Eu, no entanto é que sou a culpada de estar aqui com você.

            Naquele momento a senhora Elza chegava na sua cadeira de rodas e disse:

            - Bom dia minha filha, como passou a noite?

            - Muito bem, e a senhora?

            - Não muito bem minha filha, É que meu filho e eu temos que lhe dizer algo, não é filho?

            - Sim mãe. No entanto eu mesmo gostaria de pedir a senhora pra me ajudar contar a Nega, o que aconteceu.

            - Então conte meu filho. Para que essa doçura de mulher possa entender o que aconteceu a você.

            De modo que inibido o pobre Coruja falou:

             Foi quando eu comecei a viajar com o meu velho padrasto. Aprendi com ele a usar todas as mulheres que encontrássemos pela nossa frente à beira da estrada. Eu ainda era muito jovem e não tinha lá muita experiência. Talvez se eu tivesse o meu destino não seria assim. E eu não teria de estar hoje aqui morrendo de vergonha para me explicar para você diante da minha própria mãe o que me aconteceu.

            Nega um pouco nervosa interrompeu

dizendo:

            - Pode ficar tranqüilo Coruja. Eu tenho todo o tempo do mundo pra te ouvir.

            - Como eu ia dizendo Nega. Num dia como qualquer outro dia eu me encontrei com uma mulher morena que se prostituia com os caminhoneiros à beira da estrada. Tão bonita que para mim ela era a rainha das prostitutas.

            - E o que aconteceu?

            - Fui com ela pra casa dela Nega. Onde ali passei momentos inesquecíveis.

            A tristeza aportou o semblante de Nega quando Coruja relatou os tais momentos inesquecíveis, pois logo ela disse:

            - Já que é assim, tudo bem Coruja. É com o meu coração coberto de dor mas vejo que você tem que ir ser feliz com essa mulher.

            - Não é nada disso Nega.

             - E o que é então? Pode ser mais claro?

             - Sim Nega eu vou ser mais claro...

            A mente de Nega voava ao longe tentando voltar atrás e apagar tudo até o momento do seu nascimento. Mas sabendo que nada podia fazer só lhe restava entender que a sua aventura estava indo rumo ao nada... De modo que Coruja falou:

            - Foi o seguinte, Nega.

            - Pode falar Coruja. Já sei que estou ferrada mesmo. Pode despejar de cima de mim o veneno que me foi reservado por a minha ingenuidade.

             - Será que posso falar Nega?

            - Não só pode como deve falar Coruja.

             Com isso Coruja continuou...

            - Depois de alguns dias que tive com aquela mulher, os meus testículos começaram apodrecer e dias depois eu troquei a minha vida pelo que me fazia ser um homem diante de uma mulher. Aquela prostituta tirou de mim o que de mais importante tem um homem.

            - E o que aconteceu a ela?

            - Depois que fui operado eu fiquei por algum tempo revoltado. A minha vontade era morrer. Contudo eu venci a morte e a vida tinha que continuar Os meus testículos não me deram o direito de me aposentar. Assim teve que continuar trabalhando. E lá num determinado dia eu me encontrei com ela e fomos pra a beira da estrada. Ela não sabia o que tinha me acontecido.  De sorte que ela me abraçava e tocava a mão em meu corpo e percebendo que eu não era um homem como antes ela disse:

            - Tiraram algo importante em você Coruja?

            - Não, é que ultimamente eu estou viajando muito. Estou me sentindo fraco.

            - Não minta para mim Coruja. Você está castrado. O que aconteceu a você homem!

            - O que você disse pra ela?

            - Friamente eu falei que foi ela que me deu a última oportunidade de conhecer o que de bom tem uma mulher.

            - Ela falou o que Coruja - indagou Nega curiosa com a história.

            - Nada Nega. Ela não pôde falar nada. Pois naquele momento eu cortei a garganta dela com uma navalha que eu já tinha levado com essa intenção.

             - Você matou a coitada Coruja?

            - Sim, a mandei de volta pro inferno. Pois acho que ela tinha vindo de lá. E já que eu tinha cortado a garganta dela. Não adiantava voltar atrás. Pois o meu ódio junto com uma incomparável tristeza continuou fazendo com que eu cortasse também as suas faces morenas que carregavam o falso sorriso da prostituição. Em seguida cortei os seus lindos seios que serviam a luxúria da sua carne, e finalmente tirei aquilo que me fez deixar de ser homem.

            - Você fez isso com ela. Nem mesmo pensou nos filhos dela!

             - Não Nega. Eu não conseguia pensar em nada. Pois é duro enfrentar a vida da forma que ela me fez ficar. Sabe Nega, você olhar para uma mulher linda como você e saber que nunca na vida terá o privilégio de possuí-la. Só mesmo sendo homem e depois virar o que virei pra sentir o que sinto e sentia naquele momento de acerto de contas.

             - E depois?

            - Depois que a cortei toda, a minha vontade era morrer. No entanto fiquei imaginando como ficaria a minha pobre mãe sozinha numa cadeira de rodas. O que seria dela. Contudo vivo nessa depressão e por muitas vezes a minha vontade é morrer.

            - Sinto que a sua tristeza é muito grande Coruja. Contudo algo desta tristeza também está presente em mim.

             - Não estou entendendo Nega - relatou a dona Elza.

            - Na verdade é o amor que cada dia se solidifica entre eu e o seu filho.

            - Como Nega, que tipo de amor?

            Coruja não conseguia entender o que Nega falava. Pois depois de escutar que ele era inútil para uma mulher, ela insistia em continuar a falar de amor.

            - O amor que sinto por você Coruja. Não é um amor simplesmente envolvido com a carne. É uma coisa que nem mesmo eu consigo entender. Pois meu coração batia forte quando eu ouvia o som do motor do tubarão. E hoje meu coração está confortado desde o dia que nos encontramos lá naquele lugar que jamais gostaria de ali voltar. Sem que você também pode se sentir feliz Coruja. Não devamos rejeitar o nosso amor por causa de uma coisa . Estou disposta a superar essas diferenças.

            - Compreendo o quer dizer Nega. Mas, no entanto quero lhe afirmar que mesmo com esse grande problema esses dias que estamos juntos foram os melhores dias da minha vida. Pois sinto que o que sinto por você está bem acima de tudo que me aconteceu. Você é a coisa mais importante que me aconteceu. Contudo me envergonho de não poder dar a você o que uma mulher precisa. E ainda mais por eu achar que você tem todo direito de procurar alguém que seja normal. E que te faça feliz. Você é nova, bonita, tem todo direito de ser uma pessoa normal. Não viver do lado de um coitado como a mim.

            Nega acariciou o rosto do assassino e disse em seguida:

            - Não sei o que dizer!

            A dona Elza saiu na sua cadeira de rodas e deixou que os dois resolvessem aquela inexplicável tragédia.

            - Sabe Coruja, o que vale é a vida, não como viver a vida. Estamos aqui juntos a nos amamos. Não é preciso que ninguém saiba dos nossos problemas. As pessoas jamais saberão o que aconteceu. Nem mesmo a minha mãe saberá. Pois acha que quando uma pessoa tem um problema e que divide ele com outra esse fardo acabará ficando menos pesado.  Acho que esse é o verdadeiro sentido da vida Coruja.

            Coruja meio confuso, relatou:

            - Tudo indica que você está querendo dizer que vai sacrificar a sua vida pra ficar comigo. Logo eu, um inútil...

            - Isso Coruja. Nada vai impedir o nosso amor. O amor que encontrei à beira da estrada.

             - Está falando isso de mim?

            - E quem foi que encontrei, se não você! A vida é um grande mistério Coruja. Muitos homens fortes, assassinos, valentões se tornam carneiros indefesos quando conhecem o verdadeiro amor.

            Por instantes Coruja olhou pra Nega e disse:

            - Você é a coisa mais linda e doce que já vi. O que devo fazer pra recompensar tamanha compreensão?

            - Beija-me...

            De modo que Coruja se sentiu na obrigação de fazer tudo que aquela linda garota desejasse. Sabia que não tinha nada para oferecer a não ser aquele seu corpo que ele mesmo considerava inutilizado. Mas, no entanto pelo menos ainda estava vivo e já que ela o amava ele se entregava a ela de corpo e alma.

 Mas mesmo assim ele relatou:

            - É  como você diz, podemos nos amar mesmo  assim.

            Nega beijava aquele homem incompleto com todo amor que ela sentia. E instantes depois eles dois estavam na cozinha da casa e ali encontraram a dona Elza que ao ver o casal feliz  falou:

            - Venham tomar café meus filhos!

            - É muito difícil a sua vida mamãe! Nessa maldita cadeira.

            - Mas desses dias pra cá sinto a minha perna direita se mexer meu filho.

            - Deus permita que a senhora fique boa mamãe!

            - É filho, parece que vou - argumentou a dona Elza chorando e dizendo:

            - Gostaria tanto de vê-los casados!

            - Isso é com Coruja senhora - argumentou Nega beijando a face do assassino.

             - Agora é só providenciar os papeis mamãe.

            Os dias passavam devagar para Rafael. Para Julieta, no entanto não fazia diferença. Pois tanto fazia se casar como não, para ela ia ser a mesma coisa.  Aquela coisa de honra que o seu Rodrigues tanto se preocupava de nada adiantou. Pois aí estava a sua filha se casando com um homem castrado.

            E numa tarde de um certo dia:

            - Nega, você vai convidar o seu pai e a sua mãe pro seu casamento?

            - Não dona Elza. Melhor que não saibam que vou me casar.

            E numa outra linda tarde...

            - Já é hora de irmos para igreja?

            - Quem vai entrar comigo na igreja?

            - O meu amigo Damião. Ele sempre esteve do meu lado nas minhas horas de alegria.

            Nega meio triste falou:

             - Quanto às horas de amor!

            - Não tenha medo, é que nunca chegou a esse ponto. Pois na verdade ele era amigo mesmo do meu padrasto.

             - Acha que o nosso casamento vai ser bonito?

            - Vai querida, lá vem vindo Damião.

            - Vamos gente. Não gosto de chegar atrasado na igreja - Gritou o Damião buzinando o seu velho caminhão com o nome de seladão.

            - Entre pra cá velho pilantra.

            - Coruja meu menino. Você é o cara mais sortudo da terra. Vai se casar com uma princesa. Bem que poderia ser eu em seu lugar.

            - Pra passar raiva seu velho idiota. A sua coisa já era...

            Quando Coruja brincou com o velho ficou entristecido, pois na verdade ele era velho mas não era um inválido como ele.

            - Não fique triste Coruja. Ele não sabe o que você está dizendo.

            - Obrigado Nega. Vou esperar por você no altar...

            Coruja se foi levando consigo a sua mãe naquela maldita cadeira de rodas. E deixou assim o seu amigo levando a sua noiva para o seu grande dia. Porém lá na estrada ele fitava os seus olhos tristes para o nada, imaginando se Nega estaria se casando consigo por amor ou por uma outra razão... E já lá na igreja era grande a multidão de caminhoneiros que vieram para o grande dia do companheiro de estrada.

            - Depois desta celebração vocês serão marido e mulher.

            Logo que terminou a cerimônia Coruja saiu com a sua esposa indo para casa, acompanhado por seus amigos caminhoneiros.

            - Onde está a bebida especial que eu guardei para esse dia filho?

            - Deve estar aonde a senhora guardou mãe!

            De modo que Coruja foi procurar a tal bebida para poder comemorar com a sua mãe o momento tão especial que ela esperou por toda a sua vida. Em ver o seu único filho se casar com uma virgem.

            - Vamos gente. Vamos beber e comemorar o grande dia de Rafael o meu filho Coruja.

            De sorte que os caminhoneiros bebiam e cantavam as suas alegrias no festejo do casamento do amigo Coruja com a linda Julieta. A dona Elza já tentava se levantar de tão bêbada que estava.

            - Não beba mais dona Elza - pediu Nega com carinho.

            - Deixe que sua sogra beba filha, ela é uma pobre viúva por duas vezes, sabe filha, você é uma mulher brilhante, você terá um futuro brilhante, serão muitos os seus dias de alegria...

            Nega parecia agradecida com a satisfação da pobre velha ao lhe relatar com tanta profundidade, contudo residia um grande mistério em suas palavras.

            - Compreendo senhora, é certo de que vejo em seu semblante tamanha satisfação, no entanto não posso precisar o quê.

            - Não pode minha filha, imagina como você poderia. Isso é coisa de uma pobre velha inutilizada que espera o seu último dia para te aliviar da dor que te consome sobre uma cadeira de rodas.

            Nega colocou a mão sobre o ombro da velha e relatou:

            - Difícil é a senhora imaginar quanto estou feliz. Pois mesmo sabendo do problema de Coruja ao invés do meu amor pecar ai foi que ele aumentou. Estou amando mais do que nunca. Não pela questão da carne. Da satisfação da carne, mas pelo fato de fazer alguém feliz.

            A velha parecia ter vontade de se levantar e poder abraçar a sua nora de igual para igual. Contudo como uma cera   estava ali presa ao seu destino. E como tudo tem fim, a noite estava findando e os caminhoneiros procuravam os seus destinos nos seus velhos caminhões cobertos de barulhos. Com isso o silêncio tomava aquele casebre, a Nega, no entanto não deixava que a tristeza imperasse ali. Pois com sua radiante beleza onde ela estava não tinha lugar para a tal da tristeza.

            - Estou cansada amor, vamos nos deitar?

            Nega entrou no quarto com o seu marido,  observando a maneira estranha que a sua sogra te olhou.

            - A sua mãe me olhou de um jeito estranho Coruja!

            - Não se importa com ela meu amor. Velhas são assim mesmo. São cheias de mistérios...

            Nega entrou naquele quarto acompanhando o seu marido, mas não conseguia apagar da sua mente o estranho olhar da sua sogra...

            - Você está tensa querida. Procure se sentir à vontade.

            Coruja falava com a sua mulher e tirando lentamente a roupa dela como se fosse um predador desnudando a sua presa só para depois consumi-la.

            - Calma Coruja. Eu não vou fugir. Estou aqui.

            Coruja se perdia diante de tanta perfeição que era o corpo da sua mulher. Uma vez que o destino só te reservou a contemplação, ele acariciava e beijava o corpo de Nega por todos os lados. Parecia que ele desejava devorá-la como uma indomável fera.

            - Com é gostoso tocar em você Nega. Sou o homem mais feliz do mundo.

            Naga vivia uma grande aflição ao sentir aquele homem se enroscando por todo o seu corpo e sem condições de consumar o fato que provocava. Contudo aquela voz estranha de Coruja se misturava ao desejo de Nega quando ele falava:

            - Delícia de um paraíso que nunca fui...

            De modo que a linda Julieta estava começando provar de algo que toda virgem deseja saber. Contudo de nada adiantava, pois aquele coitado não tinha como passar daquele rela, rela, e nos ouvidos de Nega ele murmurava:

            - O que posso fazer para lhe fazer feliz?

            - Não faça nada meu amor. Deixe que lhe faça o que você não consegue me fazer. No entanto pressinto que tudo isso que está acontecendo, trata-se de algo que nem um de nós é capaz de imaginar. Pensa quantas famílias de caminhoneiros são obrigadas a se prostituirem nas longas e intermináveis viagens dos seus maridos. Até mesmo com os seus patrões e porque não dizer com alguns aproveitadores, colegas de profissão que se dizem serem amigos.  Isso Coruja, é uma vingança de alguém que foi injustiçado num tempo bem antes de nós. Estamos pagando meu amor. Pagando por algo que não cometemos.

            Nega falava aquilo como se fosse a voz de alguém que tinha tomado o sua boca.

            - Acho que o que você acaba de falar tem algo a ver comigo Nega. Percebo que foram muitas as proezas que fiz. Sei que o que está acontecendo deve ser um pagamento por muitas crueldades. Muitas traições. O monstro que fui por onde andei. Eu mereço sofrer Nega. Eu mereço! Nunca respeitei ninguém. Eu já devia estar morto.

            - Não fala em morte. Eu te amo. Não quero te ver morto!

            Nega abraçava e beijava o seu amor assassino e inutilizado. Parecia ser mesmo uma coisa do outro mundo. Pois com aquela beleza que possuía nem era preciso ir muito longe para encontrar um bom partido. Mas aquele som do motor desde a sua infância era o único culpado de tudo aquilo estar acontecendo.

            - Não sei, não compreendo - relatou Coruja deitado do lado de Nega naquela coma de amor sem ter acontecido o tal amor.

            - Até agora o que tenho a dizer é que te amo Coruja.

            - Bom seria se eu fosse um homem de verdade!

            - Vamos procurar esquecer isso meu amor!

            - Não posso Nega. Tenho medo de te perder. Um dia,  mais cedo ou mais tarde você irá com outro. Isso já tenho como certo.

            - Se eu nunca lhe trair como irei conhecer outro amor. Viverei com você até o seu fim ou o meu.

            - Que seja primeiro o meu. Assim você teria a oportunidade de conhecer o verdadeiro amor. A não ser que me engane. E ainda vivo saberei que conheceu o amor que não encontrou em mim.

            - Está querendo dizer que vou me prostituir. Está muito enganado meu amor.

            - Não fale assim comigo querida.

            - Falo sim Coruja. Eu sou a sua esposa e mereço ser respeitada.

            Coruja então aproveitou da discussão e começou bater em Nega. Essa por sua vez gritou:

            - Socorro, socorro!

            A dona Elza impossibilitada naquela cadeira de rodas, ouvia com lágrimas o grito de pedido de socorro da sua querida nora.

            - Antes mesmo de você me trair eu vou dar cabo em você sua vagabundinha de beira de estrada. 

            Coruja coberto de ódio e já decidido dar fim na sua linda esposa virgem, ficou aborrecido quando alguém bateu à porta.

            - Você mamãe, como se levantou sua besta. Uma paralítica não se levanta. Eu devo estar sonhando.

            O olhar da dona Elza não parecia ser de gente da terra. Nega por sua vez foi saindo de mansinho, no entanto Elza disse:

            - Não minha filha. Não saia. E tome muito cuidado com Coruja. Foi ele que me deixou numa cadeira de rodas.

            Nega parou e vendo no olhar da velha que já se escurecia quando as mãos do filho assassino apertavam a sua garganta.

            - Não faça isso seu idiota, você não pode fazer isso!

            Nega com aquele lindo corpo nu se atirou no meio dos dois e quando as mãos do Coruja se soltaram do pescoço da velha, ela acabou caindo e batendo com a cabeça nos pés da cama e já na ânsia da morte ela esbarrou numa arma que estava debaixo do colchão e o tiro disparado foi certeiro no peito do seu filho Coruja e caminhoneiro Rafael Medeiros.

             - Você, você...

            De modo que Coruja tentava falar alguma coisa...

             - O que tem a dizer meu amor. Fale. Pois a sua hora já está na sua porta.

            - Quero lhe agradecer por tanto amor que me confiou. Desejo do fundo da minha alma que seja muito feliz. Obrigado por tudo...

            E a linda viúva virgem estava ali assistindo o fim trágico da família Medeiros. Pois era o fim da estrada à beira da estrada de uma família que lhe fez abandonar a sua família, talvez para carregar na sua assinatura uma herança de algo que nem mesmo ela sabia.

            - E agora Nega. Está só novamente. Sem dona Raimunda, sem seu Rodrigues, sem dona Elza e finalmente sem o seu Coruja. Restando-lhe apenas o som do motor de tubarão -  Murmurava consigo mesma a viúva virgem tentando sintonizar os seus pensamentos uma vez que estava sozinha lá nos confins do lado de duas pessoas mortas que nada podia fazer para lhes dar a vida de volta.

            - Vamos Nega. Vamos acabar com isso...

            Nega parecia estar confusa com aquele incidente. Mas dias depois ela já tinha enterrado ali no lindo quintal da casa, mãe e filho, um do lado do outro. Em seguida ela colocou um buquê flores na sepultura de Rafael e se foi. Foi talvez à procura da felicidade que Não encontrou com o caminhoneiro à beira da estrada.

            - Vamos meu amigo tubarão. Já que só restou você e eu, vamos andar por esse mundo do meu Deus, vamos procurar novas aventuras pelas estradas e ver em cada lugar o que Deus reservou de bonito e feio. De bom e ruim. Para que cada um tenha aquilo que merece ou que fez merecer.

            Nas palavras de Nega com o seu tubarão. Demonstrava que ela seria um ser que Deus preparou para testemunhar as coisas que existiam à beira de cada estrada.

            - Ronca motor, foi assim que escutei desde criança o seu ronco.

            Nega acelerava o seu caminhão que carregava uma faixa no pára-choque traze iro dizendo:

            - Nunca deve procurar o amor à beira da estrada.

            Esta faixa, no entanto deixava transparecer que Nega não estava feliz com o desfecho de tudo aquilo. Talvez preferisse estar ainda na casa da sua

pobre mãe e sendo uma eterna menina correndo com aqueles pés descalços para beira da estrada indo ao encontro do ronco do motor. Contudo a vida nos traz algo que jamais seremos capazes de entender. De modo que Nega, a linda Julieta Campos, agora a Senhora Julieta Campos Medeiros seguia pelas estradas intermináveis do destino cantando uma canção:

A Beira da Estrada. O som do vento O desejo do poder

Ao ver... Ouvindo na distância, Na sombra da imaginação, A ilusão... Quero ser, quero ter, Ter só pra ter, Pra quê...  Sinto frio, arrepio, Tenho o que não quero, Tenho medo... Agora canto, Vejo no canto, O meu desejo. Morro de pena. Não tenho tempo, De penar... Pois quero, Quanto quero. Andar, andar... Quem sou. O vento que sopra, A minha luz... Sega e franca, Na escuridão, A beira da estrada.

 FIM

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