sábado, 29 de abril de 2023

O Filho Adotivo João Rodrigues

 O FILHO ADOTIVO

 

JOÃO RODRIGUES

 

            Nas estreitas ruas da cidade de Campos Altos, lá na esquina perto do poste, ainda podia ver o sol quando lentamente começava a se esconder deixando apenas que um grande manto de escuridão  encobrindo as lágrimas de Antônio.

            - Por que está chorando? - indagou Marquinho

            - Não sei por que, e também mesmo que eu soubesse não iria te contar.

            - Não sei por que, afinal somos iguais.

            - Não sei que tipo de igualdade você está se referindo menino.

            - Marquinho é o meu nome.

            - Sim, Marquinho não sabe nem quem é você para que eu possa falar o porquê das minhas lágrimas.

            - Lágrimas menino, de onde elas vêm?   - indagou Marquinho com grande atenção.

            - Meu nome é Antônio, sei que nem mesmo compensa falar Antônio, pra que Antônio, qualquer um pode se chamar Antônio.

            - Ótimo Antônio, está vendo quanto é interessante o nome agora, já me sinto mais a vontade, pois teve a satisfação de saber o nome do amigo.

- Amigo o que é isso?

            - Amigo significa que na verdade somos portadores de simpáticas afeições de um para com outro.

            - Engraçado, então esta coisa que você estava falando deve ser o que já ouvi muitos falarem, mas coitado de mim, nunca encontrei com ela.

            - Ou quem sabe você a encontrou e não soube dar valor.

            - É, pode ser, na verdade eu nem me encontrei a mim mesmo.

            - Por quê?

            - Sou um filho sem pai e sem mãe.

            - Engraçado, acha que isso faz falta?

            - Sim, claro, é lógico que faz.

            - Não sei por que preocupas com isso?

            - Marquinho, você está querendo confundir a minha cabeça?

            - Não Antônio, nada disso, você é que está confundindo.

            - Como assim?

            - Não disse que não tem pai e nem mãe?

            - Disse e daí?

            - Se não os tem é porque eles não lhe mereceram.

            - Mas não tem nada a ver esta questão de merecimento.

            - Sim, isso é aparente.

            - Aparente como?   

- Está notando que já estamos algum tempo aqui!

            - Sim, o que quer dizer com isso?

            - Sim, é que você não se preocupou em saber se eu também tenho pai e mãe, você só se preocupou com a falta dos seus.

            Antônio já podia ver mais os olhos de Marquinho que de maneira profunda penetrava dentro do seu ser.

            - Está escurecendo, onde você mora?

            - Com meus pais - respondeu Marquinho de maneira irônica.

            - Gostaria de ir com você.

            - Ah sim, como quiser.

            Antônio saiu andando pelas mágicas ruas, a cidade por sua vez já estava iluminada, e com muita grandeza no sonho, Marquinho seguia na verdade com o seu novo amigo.

            - Marquinho será que os seus pais vão gostar de mim?

            - Sim, claro que irão gostar de você, pois eles gostam de mim, mas, no entanto por que estamos falando de gostar, todos gostam.

            - Sei que todos gostam pelo seu pensamento, mas muitas vezes o coração fala mais alto.

            - Por mais que eu queira saber nunca vou conseguir saber o que quero, pois muitas vezes querer não é poder.

- Marquinho, mudando de assunto, você tem irmão?

            - Sim, só uma irmã.

            - Qual é o nome dela?

            - Lina, é a minha irmã.

            - E o seu pai?

            - Tim.

            - E a sua mãe?

            - Maria, é uma pessoa muito bonita, não por ser minha mãe, mas ela é verdadeiramente linda.

            - Que bom Marquinho, você falava mesmo muito coisa tão linda como é linda esta mãe que você tem.

            - Todas as mães são lindas Antônio, elas nunca serão feias, serão sempre bonitas.

            - Mas como você fica falando da sua mãe eu fico triste e ao mesmo tempo alegre, já estou me sentindo bem.

            De modo que no sonho logo Marquinho se viu em casa.

            - Mãe eu sou grato em poder contar com a sua compreensão.

            - Que compreensão Marquinho?

            Marquinho deu um momento de silêncio e disse:

            - Este é Antônio.

            - Oi Antônio, como vai?

            - Eu vou bem, e a senhora?

            - Bem, de onde você veio?

            - Eu sou filho da rua, sou um menino de rua.

            - Mas o importante é viver - argumentou Maria com o menino como se não tivesse na verdade nenhum assunto.

            Em momentos todos ficaram assustados quando...

            -  Quem é este menino feio?

            - Oi Lina, ele é meu amigo.

            - Seu amigo, como seu amigo, eu nunca te vi com ele, ele não pode ser o seu amigo.

            - Lina, amigo é uma coisa muito importante, é uma coisa que de certa forma é  um privilégio.

            Lina deixou que todos ficassem falando, e entrou pro seu quarto e de repente voltou:

            - Mas se é o seu amigo Marquinho, eu vou ser amiga dele também.

            Parecia nascer uma chama de felicidade no coração de Antônio, e esta chama na verdade era a verdadeira esperança, pois o que tanto rodava na mente daquele menino pobre era poder um dia ter um lar onde pudesse pelo menos sorrir, não queria no entanto um lar de muita riqueza, mas com muita alegria.

            - Papai esta chegando - argumentou Marquinho.

            Antônio olhou ternamente o amigo e quis sentir com ele o que seria um filho ir receber o pai

em casa, coisas que para ele seria impossível, pois não tinha pai.

            Marquinho por sua vez no embalo do amor se sentiu um instante por esquecer.

            - Papai, que bom papai, o senhor chegou.

            - Sim filho, cheguei, estou aqui.

            - Está tudo bem papai?

            - Sim. E  com você?

            - Estou bem sim, muito bem.

            Tim entrou pela porta e ao ver os olhos tristes de Antônio falou:

            - Quem é este garoto?

            - Ah papai, é Antônio - relatou Marquinho.

            - E o que faz Antônio aqui?

            - O encontrei na rua, ele não tem pai e nem mãe.

            - Tem Marquinho - interrompeu Lina dizendo:

            - Ele pode ter perdido o pai e a mãe, mas ele não nasceu do vento.

            - Sim papai, é isso, ele não tem mais os pais.

            - Mas o que temos a ver com isso?

            - Meu Deus, eu esperava por isso!  - exclamou Lina

            Maria olhou para o marido e disse:

            - Ele é uma criança.

            - Sim, ele é uma criança, mas o que temos a ver com isso?

            - Ele não tem onde morar -  interrompeu Marquinho dizendo:

            - Acho que seria bom ele morar com a gente.

            - Não acho - respondeu Tim meio furioso dizendo:

            - Ele é menino de rua.

            - Sim papai, ele é este menino.

            - E daí? - indagou Lina.

            - Daí Lina, que ele significa um lixo, ele é um lixo da sociedade. Ele é coisa ruim, é a última coisa que eu posso aceitar dentro da minha casa, eu lutei e trabalhei para conseguir meu lar, meus filhos. Agora ter que aceitar um filho do mundo convivendo com suas maldições debaixo do meu teto, não posso aceitar, ponha esta coisa para ir embora.

            Lina parou um instante e disse:

            - Estou com o meu pai, ele não pode ficar aqui, ele é sim uma coisa ruim, ele não pode ser bom, ele veio como o meu pai se prontificou a dizer ele é coisa ruim.

            - Mas ele é uma criança, vocês não acham?

            - Sim Marquinho, achamos, mas por ele ser uma criança, não quer dizer que temos que nos misturar com ele, estamos de certa forma nos sujando.

            - Não é bem assim Tim, podemos educá-lo e fazê-lo uma pessoa do bem.

            - Não Maria, isso não tem conserto, o pau que nasce torto morrerá torto por quanto tempo viver.

            - Mas ele não nasceu torto papai, ele é filho do pau torto, mas não é pau.

            Tim parou um instante e Marquinho continuou:

            - Ele é um fruto deste pau, mas pode ser pau certo e reto e não torto como... Ah sei lá que pau que a gente esta falando, o certo é que o senhor é o chefe da casa e quem tem autoridade de resolver é o senhor, afinal de contas é verdadeiramente o meu papai, não posso ficar contra o senhor.

            Tim observou que Marquinho queria de certa forma ajudar o menino. Mas não queria com isso ferir os seus sentimentos.

            - Está bem Marquinho, hoje ele pode dormir aqui, mas amanhã resolveremos o que fazer.

            - Obrigado papai - argumentou Marquinho beijando a face do pai.

            - De nada filho, leve Antônio para o banho.

            - Posso dar uma roupa minha para ele?

            - Pode - interrompeu Maria

            Maria ficou olhando pros olhos de Lina que parecia ter inveja de Marquinho, por agora ter um amiguinho e ela ficar só, não teria na verdade uma amiga, até parecia que ia perder a amizade do irmão.

            - Não estou gostando nada disso, mas ele vai vestir a roupa do Marquinho?

            - Sim filha, o que tem?

            Lina nem respondeu a mãe, entrou pro seu quarto meio triste.

            - Mãe, o que foi que Lina ficou triste?

            - Não sei Marquinho, deve ser por causa do Antônio.

            Marquinho deixou Antônio tomando banho e foi até o quarto de Lina este, porém estava com a porta fechada.

            - Lina, abre a porta, sou eu, Marquinho.

            - Não vou abrir, não quero conversar com você.

            - Por que Llina, o que eu fiz?

            - Nada, não quero saber de nada.

            - Lina, Antônio é nosso amigo, ele é um menino igual a gente, abra a porta querida.

            Marquinho tentava justificar, mas nada adiantava, a porta estava fechada.

            Na verdade dava pra se perceber que Lina chorava, se ela estava mesmo com inveja por Marquinho ter um amigo e por ela não ter ninguém.

            Naquilo que Marquinho tentava justificar para sua irmã:

            - Se você quiser eu o mando ir embora Lina, não quero brigar com você. Eu te amo e gosto de você, ninguém vai nos separar, você é minha irmãzinha.

            Marquinho falava quando de repente virou-se e deu de cara com Antônio que já tinha tomado banho e se vestido com a roupa que lhe dera.

            - Já Antônio?

            - Já. Gostou da roupa?

            - Sim, ficou bonito, não é mais aquele menino de rua. Agora está parecendo gente.

            Quando Marquinho começou a falar com o menino Lina abriu a porta do quarto falando:

            - Já até deu roupa para ele?

            - Sim Lina, é nosso amiguinho, ele é igual a gente.

            Quando as três crianças falavam, Maria chegou dizendo:

            - É hora do jantar.

            - Antônio pode se assentar na mesa com a gente? - indagou Marquinho.

            - Pode filho, vamos - respondeu Maria se sentindo feliz como se fosse na verdade mãe de mais um filho.

            - Não perto de mim! - exclamou Lina meio contrita.

            - Está bem Lina, ele se assenta perto de mim.

            E já todos na mesa, Antônio se assentou entre Marquinho e Tim e logo Tim falou:

            - Pode se servir Antônio.

            - Obrigado senhor, posso lhe chamar de pai?

            - Não, eu não sou seu pai, pode me chamar de Tim.

            - Sim Tim, vou lhe chamar de Tim, mas sempre será na minha mente o meu pai, pois foi o primeiro homem que me permitiu assentar na sua mesa, nunca vou me esquecer.

            Tim ficou um pouco emocionado ao ouvir o relato do menino e disse:

            - Está bem Antônio, mas pode deixar que irei providenciar um pai para você.

            - Vai mesmo papai! - exclamou Marquinho.

            - Que bom Antônio, assim a gente vai poder sempre nos encontrar.

            - Não sei Lina, nem sei quem será meu próximo pai.

            - Pode ser nosso caseiro no sítio - sugeriu Maria

            - Aí, uma boa coisa - confirmou Marquinho dizendo:

            - E quando a gente for ao sítio Antônio, vamos poder sempre andar a cavalo.

            - E quando Antônio crescer, o seu José não puder mais trabalhar, ele mesmo pode tomar conta do sítio - relatou Lina.

            - Isso, então vamos todos brindar o novo pai de Antônio.

            Quando todos brindavam Marquinho se despertou de mais uma noite de sonhos como muitos, muitos dos seus sonhos...

 

Fim

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