O DESEJO
JOÃO RODRIGUES
- Qual o caminho que deseja seguir?
- Estou sem destino. O que quero mesmo é saber o que desejam as pessoas.
- O que desejam! Como? O que elas gostariam de ter?
- Na verdade não só o que elas gostariam de ter, mas também o que elas gostariam de desejar. Mesmo sabendo que o que elas desejam seja na verdade impossível.
- Não consegui compreender. Contudo, para mim, seria um desejo o por que das pessoas desejarem o que na verdade desejam. E ao mesmo tempo você, que também deseja saber o que desejam as pessoas e por que elas desejam.
- Eu entendo. Porém, eu também gostaria de saber o desejo dos animais.
O homem que eu falava não tinha lá essas culturas, ou de saber ou de compreender. É que todos na verdade tem a sua cultura, pois é uma coisa particular. Sei que a cultura não quer dizer a sabedoria. Sabe-se que há o tolo com sua tolice e o sábio com a sua sabedoria.
- Bem amigo, eu sei que sou um homem do campo, não tenho lá essas condições de poder discutir com o senhor esta questão de sabedoria. Eu vou indo.
De modo que o homem se foi e eu fiquei no desejo de saber como vivia aquele homem lá no sertão. Distante talvez da incompreensão ou da compreensão das pessoas. Pois muitos se convergem nas suas sabedoria e se sentem fartos do que sabem. De outro lado, porém, outros desejam saber o que outros já nem querem mais saber. Assim é o desejo e que muitos já não desejam. E lá na encruzilhada da estrada eu pude perceber que o homem se distanciava lentamente do meu olhar. Restando somente aquela mancha que foi diminuindo até que desapareceu. E o sol radiante parecia queimar o meu olhar. Ali eu via os pássaros voarem sem destino ou voavam rumo a um destino que eu nem mesmo podia imaginar. O meu desejo era poder saber aonde eles iam e o que iam fazer. Será que iam a busca de algum compromisso. Ou talvez cumprir uma missão... E assim fiquei perdido na beleza incomparável que formava o conjunto de coisas ali no sertão. Que seria talvez um desejo realizado do Senhor Deus. E eu segui rumo ao meu destino vendo o quanto eu era pequeno ali naquela estrada, deixando o meu minúsculo rastro de um simples humano que de certa forma limitado em andar pelo chão. Enquanto as aves se deliciavam nas frias brisas dos céus. E o meu desejo aumentava à medida que eu tinha o desejo de saber que língua era aquela que os pássaros falavam. Até cheguei a imaginar que eles me incluíam em suas canções. Eu gritei. Vocês falam comigo? Vocês falam de mim? Assim que eu gritei, eles voavam mais altos, querendo dizer que nada tinha a ver comigo. Senti-me como um coitado. Até mesmo me senti desprezado. Dentro do meu peito, no entanto, uma força maior me fazia compreender que não se tratava daquilo e sim de que cada coisa no seu devido lugar. Homem é homem, e pássaros são pássaros. Vi-me ali para poder entender que quantos humanos idiotas eu já tinha conhecido. Cheios de imponência, de grandezas, de falsidade, de ilusões. Mais uma vez, me questionei. Quero dizer, questionei o homem. Até murmurei no vácuo da solidão naquela estrada. Homem, homem, pra que ser homem. Pra que construir castelos, se mostrar grandes para os outros. Domesticar animais, matar animais, isso é ser homem!... Uns roubando dos outros, se dividindo em grupos, tribos. Lutando uns contra os outros. Divididos em sociedades de Padres, Ladrões, Pastores, Doutores, Miseráveis, Malditos, isso é que é ser homem? Onde uns matam os outros como se fossem verdadeiras onças. Outros matam apenas por diversão. Senti-me um nojento naquele lugar. O que eu queria mesmo era ser um pássaro para voar e seguir para um lugar muito distante, só pra que eu não ser chamado de homem. É, esse era o meu desejo. Ou então encontrar uma fronteira para que eu pudesse encontrar ali a total liberdade que eu desejava. Onde eu pudesse toda manhã, sair voando e flutuando pelo meu destino, nadando na inocência do tudo. Este era o meu desejo. Não ser essa coisa chamada homem, andando por aí prejudicando tudo. Matando, poluindo, destruindo, sujando. Criando as malditas leis e nem mesmo respeitando elas. Isso é que é homem! Enquanto eu questionava a minha existência ia seguindo pelo caminho, e a areia quente fazia crescer o sofrimento de um grande cordão de formigas que lutavam para levarem para algum lugar, grande quantidade de folhas murchas e amareladas. Condoí-me com aquilo, e as chamei de coitadinhas, antes mesmo de imaginar o que seriam elas. Assim saí do meu eu e me condoí das pequenas formigas que levavam para dentro do seu formigueiro o alimento, para que pudessem manter de certa forma as suas existências. Outra vez voltei a questionar. Pra que. Pra que formigas! Prá que viverem? Que importância teria na terra as formigas... E elas lutavam com tanto sacrifício para levarem para dentro do formigueiro, aquelas folhas murchas. Em busca de uma sobrevivência. Assentei-me ali perto daquele cordão de seres viventes bem pequeninos. E observando-os eu sentia o desejo de poder assim entender o motivo das suas existências. Formigas. Que coisa estranha. Formiga. Que nome horrível. Formiga... Depois que me interroguei por algum tempo foi que pude entender que elas existiam. E que existia um fundamento para que elas existissem. Assim como o meu fundamento de servir, amar alguém, Odiar alguém, amar a mim mesmo e ou ser amado por alguém, que na verdade nunca passou pela minha mente o tal do amor. Até que falei. Formigas! Vocês podem falar comigo? Nada pude ouvir daquelas pequenas criaturas. Notei que elas vinham perto de mim como se fossem encarregadas de informar a alguém que fosse superior a elas, da minha presença ali. De modo que eu gritei. Vão, vão lá. Diz lá pro seu maioral que estou aqui, vão lá. Relatam-me. Vão, falam de mim para ele ou eles. Acabei me levantando meio nervoso por perceber que elas não deram muita atenção pro que eu disse. Será que elas tinham o desejo de saberem quem era eu? Será? Fiquem aí suas curiosas. Fiquem aí. Vocês nasceram para ficarem aí carregando folhas. Rá rá rá rá... Carregando folhas. Parece-me que eu estava fora de mim. Fiquei nervoso. Não pude entender. Afinal, coisas mais estranhas do que essa já tinha acontecido a mim e, no entanto não me fez ficar nervoso daquele jeito. Não consegui entender. Pois falei comigo mesmo. Seu idiota será que não tem o que fazer! Tem que ficar aí se preocupando com o desejo de formigas? Que coisa feia... Que coisa nojenta. Foi isso que falei sobre mim. Para mim mesmo. E para tentar amenizar e minha tristeza continuei andando. Ao longe eu avistei uma casa. Era uma casa de fazenda. Ela era muito pequena. E fui, fui até à porteira que existia no quintal da casa. E já ali eu gritei:
- Ei morador?
Quando a minha voz ressoou, quebrando assim o silêncio daquele lugar. Senti-me como um intruso. Por que não fiquei em minha casa. Tinha que sair por aí incomodando o silêncio dos outros? Eu falava comigo mesmo. Falava em pensamento, surgiu lá de dentro da casa um homem já de idade avançada. Limpando a sua boca como se eu tivesse interrompido a sua refeição.
- Olá senhor! Eu estou passando por aqui...
O homem me interrompeu falando:
- Olá! Seja bem-vindo amigo. O homem me dava boas vindas. Porém o seu rosto ostentava uma coisa muito diferente, não pude entender, e inesperadamente ele falou:
- Fico lisonjeado senhor. Não sei para que lado estou olhando, agora parece que estou em sua frente.
- Não senhor. Eu estou aqui.
Entristecido eu interrompi o pobre homem. Pela forma descontente que ele falava:
- Eu sou um cego amigo. Vivo eternamente na escuridão.
Assim a tristeza aportou o meu coração depois que o homem falou.
- O senhor já nasceu cego amigo?
- Não. Foi um acidente, quando eu era ainda jovem. Todo aconteceu tão de repente. A vida é assim amigo. Cheia de coisas inexplicáveis.
Não tive coragem de perguntar qual seria o seu desejo. Não tive coragem. Sei que falei:
- Bem seu cego. Eu já estou indo.
- Meu nome é Manuel, amigo.
- Peço desculpas seu Manuel. Queira me desculpar por ter te chamado de cego.
- Sem problema amigo. Já me acostumei por me chamarem de cego. Os humanos são assim. Tolos. Nunca pensam para falar. Falam sempre o que querem. Sem se importar se fere os outros ou não...
Vi nos olhos cegos daquele velho cego a clareza da escuridão. Pois apenas onde existiam os seus olhos, só restava ali um vazio e a lembrança de que um dia pode ver quanto a mim. E meio constrangido eu falei:
- Fique com Deus senhor!
Ele, no entanto disse:
- Deus te acompanha meu filho...
Emocionado senti vontade de poder dividir com o seu Manuel a satisfação de viver. E se possível dividir com ele a minha visão. Pois até relatei:
- Eu sou Daniel seu Manuel. Meu nome é Daniel.
Vi que o homem logo me interrompeu e disse:
- Sei filho, e que está procurando o que as pessoas desejam.
- Não compreendo uma coisa seu Manuel!
- O que Daniel? De eu saber o que você está procurando?
- Sim. Parece-me que o senhor não é totalmente cego.
- Sim filho. A cegueira filho, não é uma coisa só dos olhos, e também da consciência. Pois os verdadeiros cegos são aqueles que não ouvem. Os cegos são apenas aqueles que não escutam, Os cegos são aqueles que pararam de ouvir.
- Obrigado seu Manuel.
- De nada filho.
Eu saí muito triste. Ao mesmo tempo alegre por poder sentir que o que eu queria era poder perguntar ao velho qual era o seu desejo. Meus olhos de esperança puderam ver ao longe um grande rio. E percebi que as suas límpidas águas estavam saciando a sede de muitos que vivam ali às suas margens. Nem pensei. E a minha voz saiu sem eu querer, quando gritei:
- Olá seu rio! Tudo bem?
Falei com o rio como se ele fosse uma pessoa. No entanto eu sabia que ele não era. Porém, alegre pude deixar que os meus pés se misturassem com a sua água fria. E fui até um pouco adentro e pude saciar a minha sede. Eu bebi aquela água pura e límpida que corria como se fosse o maior de todos os animais selvagens. Assim que saciei a minha sede e emocionado eu então falei:
- Obrigado rio, obrigado por ter matado a minha sede. Sei que você também tem o Seu desejo. Eu falava de uma maneira meio idiota. Essa era a forma mais engraçada que eu tinha para aquele momento. Eu via a água do rio com vida. Parecia que ela tinha vida própria. Correndo em um destino ou para um destino. Aquilo fazia com que a minha vida se embaralhasse a um baralho imaginário. Talvez pela minha dúvida ou pela minha inocência. Ou a simplicidade de ser eu apenas um humano. Eu me questionava. Pois como podia uma coisa tão grande que se juntava e formavam aquela imensidão e que ao mesmo tempo podia ser dividida na menor parte que pudesse imaginar sem a necessidade de nada para cortar. Eu não conseguia entender. Era muito prá mim. Eu o pobre mortal Daniel. Foi que olhei para um lado e avistei um canoeiro que vinha naquela canoa que se deslizava nas águas em minha direção. Senti-me ali como se eu fosse um invasor, e quando ele disse:
- O que está fazendo aí amigo?
No tom da pergunta eu exclamei:
- Bem seu pescador. Eu sei que não e certo o que estou procurando...
- E o que procura?
- Quero saber os desejos das pessoas.
- Então o senhor está querendo saber o que desejam as pessoas?
- Isso amigo. Qual é o seu desejo?
- Espere um momento que vou lhe dizer qual é o meu desejo...
E o homem conduzia a sua canoa que estava super lotada de peixes.
- E algum tempo depois...
- Lá está a minha humilde casa Daniel.
- Qual é o nome do senhor?
- Elísio, foi o nome que o velho Júlio me deu.
E assim que a canoa do seu Elísio aportou, uma voz suave disse:
- Como foi o dia papai?
- Fui bem filha, cumprimenta o moço.
Perdi-me na beleza dos lindos olhos que tinha aquela moça. E parecia que a minha vida começava de novo, pois falei:
- Encantado senhorita!
- Rosilene...
- Daniel, Rosilene, o seu criado!
- Convida o moço para almoçar com a gente filha.
Entrei naquela casa, convencido de que já não desejava mais nada na vida, além de Rosilene...
FIM
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