sábado, 29 de abril de 2023

O Desejo

 O DESEJO

 

JOÃO RODRIGUES

 

            - Qual o caminho que deseja seguir?

            - Estou sem destino. O que quero mesmo é saber o que desejam as pessoas.

            - O que desejam! Como? O que elas gostariam de ter?

            - Na verdade não só o que elas gostariam de ter, mas também o que elas gostariam de desejar. Mesmo sabendo que o que elas desejam seja na verdade impossível.

            - Não consegui compreender.  Contudo, para mim, seria um desejo o por que das pessoas desejarem o que na verdade desejam. E ao mesmo tempo você, que também deseja saber o que desejam as pessoas e por que elas desejam.

            - Eu entendo. Porém, eu também gostaria de saber o desejo dos animais.

            O homem que eu falava não tinha lá essas culturas, ou de saber ou de compreender. É que todos na verdade tem a sua cultura, pois é uma coisa particular. Sei que a cultura não quer dizer a sabedoria. Sabe-se que há o tolo com sua tolice e o sábio com a sua sabedoria.

            - Bem amigo, eu sei que sou um homem do campo, não tenho lá essas condições de poder discutir com o senhor esta questão de sabedoria. Eu vou indo.

            De modo que o homem se foi e eu fiquei no desejo de saber como vivia aquele homem lá no sertão. Distante talvez da incompreensão ou da compreensão das pessoas. Pois muitos se convergem nas suas sabedoria  e se sentem fartos do que sabem. De outro lado, porém, outros desejam saber o que outros já nem querem mais saber. Assim é o desejo e que muitos já não desejam. E lá na encruzilhada da estrada eu pude perceber que o homem se distanciava lentamente do meu olhar. Restando somente aquela mancha que foi diminuindo até que desapareceu. E o sol radiante parecia queimar o meu olhar. Ali eu via os pássaros voarem sem destino ou voavam rumo a um destino que eu nem mesmo podia imaginar. O meu desejo era poder saber aonde eles iam e o que iam fazer. Será que iam a busca de algum compromisso. Ou talvez cumprir uma missão... E assim fiquei perdido na beleza incomparável que formava o conjunto de coisas ali no sertão. Que seria talvez um desejo realizado do Senhor Deus. E eu segui rumo ao meu destino vendo o quanto eu era pequeno ali naquela estrada, deixando o meu minúsculo rastro de um simples humano que de certa forma limitado em andar pelo chão. Enquanto as aves se deliciavam nas frias brisas dos céus. E o meu desejo aumentava à medida que eu tinha o desejo de saber que língua era aquela que os pássaros falavam. Até cheguei a  imaginar que eles me incluíam em suas canções. Eu gritei. Vocês falam comigo? Vocês falam de mim? Assim que eu gritei, eles voavam mais altos, querendo dizer que nada tinha a ver comigo. Senti-me como um coitado. Até mesmo me senti desprezado. Dentro do meu peito, no entanto, uma força maior me fazia compreender que não se tratava daquilo e sim de que cada coisa no seu devido lugar. Homem é homem, e pássaros são pássaros. Vi-me ali para poder entender que quantos humanos idiotas eu já tinha conhecido. Cheios de imponência, de grandezas, de falsidade, de ilusões. Mais uma vez, me questionei. Quero dizer, questionei o homem. Até murmurei no vácuo da solidão naquela estrada. Homem, homem, pra que ser homem. Pra que construir castelos, se mostrar grandes para os outros. Domesticar animais, matar animais, isso é ser homem!... Uns roubando dos  outros,  se dividindo em grupos, tribos. Lutando uns contra os outros. Divididos em sociedades de Padres, Ladrões, Pastores, Doutores, Miseráveis, Malditos, isso é que é ser homem? Onde uns matam os outros como se fossem verdadeiras onças. Outros matam apenas por diversão. Senti-me um nojento naquele lugar. O que eu queria mesmo era ser um pássaro para voar e seguir para um lugar muito distante, só pra que eu não ser chamado de homem. É, esse era o meu desejo. Ou então encontrar uma fronteira para que eu pudesse encontrar ali a total liberdade que eu desejava. Onde eu pudesse toda manhã, sair voando e flutuando pelo meu destino, nadando na inocência do tudo. Este era o meu desejo.  Não ser essa coisa chamada homem, andando por aí prejudicando tudo. Matando, poluindo, destruindo, sujando. Criando as malditas leis e nem mesmo respeitando elas. Isso é que é homem! Enquanto eu questionava a minha existência ia seguindo pelo caminho, e a areia quente fazia crescer o sofrimento de um grande cordão de formigas que lutavam para levarem para algum lugar, grande quantidade de folhas murchas e amareladas. Condoí-me com aquilo, e as chamei de coitadinhas, antes mesmo de imaginar o que seriam elas. Assim saí do meu eu e me condoí das pequenas formigas que levavam para dentro do seu formigueiro o alimento, para que pudessem manter de certa forma as suas existências. Outra vez voltei a questionar.  Pra que. Pra que formigas! Prá que viverem? Que importância teria na terra as formigas... E elas lutavam com tanto sacrifício para levarem para dentro do formigueiro, aquelas folhas murchas. Em busca de uma sobrevivência. Assentei-me ali perto daquele cordão de seres viventes bem pequeninos. E observando-os  eu sentia o desejo de poder assim entender o motivo das suas existências. Formigas. Que coisa estranha.  Formiga. Que nome horrível. Formiga... Depois que me interroguei por algum tempo foi que pude entender que elas existiam. E que existia um fundamento para que elas existissem. Assim como o meu fundamento de servir, amar alguém, Odiar alguém, amar a mim mesmo e ou ser amado por alguém, que na verdade nunca passou pela minha mente o tal do amor. Até que falei. Formigas! Vocês podem falar comigo? Nada pude ouvir daquelas pequenas criaturas. Notei que elas vinham perto de mim como se fossem encarregadas de informar a alguém que fosse superior a elas, da minha presença ali. De modo que eu gritei.  Vão, vão lá. Diz lá pro seu maioral que estou aqui, vão lá. Relatam-me. Vão, falam de mim para ele ou eles. Acabei me levantando meio nervoso por perceber que elas não deram muita atenção pro que eu disse. Será que elas tinham o desejo de saberem quem era eu? Será? Fiquem aí suas curiosas. Fiquem aí. Vocês nasceram para ficarem aí carregando folhas. Rá rá rá rá... Carregando folhas. Parece-me que eu estava fora de mim. Fiquei nervoso. Não pude entender. Afinal, coisas mais estranhas do que essa já tinha acontecido a mim e, no entanto não me fez ficar nervoso daquele jeito. Não consegui entender. Pois falei comigo mesmo. Seu idiota será que não tem o que fazer! Tem que ficar aí se preocupando com o desejo de formigas? Que coisa feia... Que coisa nojenta. Foi isso que falei sobre mim. Para mim mesmo. E para tentar amenizar e minha tristeza continuei andando. Ao longe eu avistei uma casa. Era uma casa de fazenda. Ela era muito pequena. E fui, fui até à porteira que existia no quintal da casa. E já ali eu gritei:

            - Ei morador?

            Quando a minha voz ressoou, quebrando assim o silêncio daquele lugar.  Senti-me como um intruso. Por que não fiquei em minha casa. Tinha que sair por aí incomodando o silêncio dos outros? Eu falava comigo mesmo. Falava em pensamento, surgiu lá de dentro da casa um homem já de idade avançada. Limpando a sua boca como se eu tivesse interrompido a sua refeição.

            - Olá senhor! Eu estou passando por aqui...

            O homem me interrompeu falando:

            - Olá! Seja bem-vindo amigo. O homem me dava boas vindas. Porém o seu rosto ostentava uma coisa muito diferente, não pude entender, e inesperadamente ele falou:

            - Fico lisonjeado senhor. Não sei para que lado estou olhando,  agora parece que estou em sua frente.

             - Não senhor. Eu estou aqui.

            Entristecido eu interrompi o pobre homem. Pela forma descontente que ele falava:

            - Eu sou um cego amigo. Vivo eternamente na escuridão.

            Assim a tristeza aportou o meu coração depois que o homem falou.

             - O senhor já nasceu cego amigo?

            - Não. Foi um acidente, quando eu era ainda jovem. Todo aconteceu tão de repente. A vida é assim amigo. Cheia de coisas inexplicáveis.

            Não tive coragem de perguntar qual seria o seu desejo. Não tive coragem. Sei que falei:

             - Bem seu cego. Eu já estou indo.

            - Meu nome é Manuel, amigo.

            - Peço desculpas seu Manuel. Queira me desculpar por ter te chamado de cego.        

            - Sem problema amigo. Já me acostumei por me chamarem de cego. Os humanos são assim. Tolos. Nunca pensam para falar. Falam sempre o que querem. Sem se importar se fere os outros ou não...

            Vi nos olhos cegos daquele velho cego a clareza da escuridão. Pois apenas onde existiam os seus olhos, só restava ali um vazio e a lembrança de que um dia pode ver quanto a mim. E meio constrangido eu  falei:

            - Fique com Deus senhor!

            Ele, no entanto disse:

            - Deus te acompanha meu filho...

            Emocionado senti vontade de poder dividir com o seu Manuel a satisfação de viver. E se possível dividir com ele a minha visão. Pois até relatei:

            - Eu sou Daniel seu Manuel. Meu nome é Daniel.

            Vi que o homem logo me interrompeu e disse:

            - Sei filho, e que está procurando o que as pessoas desejam.

            - Não compreendo uma coisa seu Manuel!

            - O que Daniel? De eu saber o que você está procurando?

            - Sim. Parece-me que o senhor não é totalmente cego.

            - Sim filho. A cegueira filho, não é uma coisa só dos olhos, e  também da consciência. Pois os verdadeiros cegos são aqueles que não ouvem. Os cegos são apenas aqueles que não escutam, Os cegos são aqueles que pararam de ouvir.

            - Obrigado seu Manuel.

             - De nada filho.

            Eu saí muito triste. Ao mesmo tempo alegre por poder sentir que o que eu queria era poder perguntar ao velho qual era o seu desejo. Meus olhos de esperança puderam ver ao longe um grande rio. E percebi que as suas límpidas águas estavam saciando a sede de muitos que vivam ali às suas margens. Nem pensei. E a minha voz saiu sem eu querer, quando gritei:

            - Olá seu rio! Tudo bem?

            Falei com o rio como se ele fosse uma pessoa. No entanto eu sabia que ele não era. Porém, alegre pude deixar que os meus pés se misturassem com a sua água fria. E fui até um pouco adentro e pude saciar a minha sede.  Eu bebi aquela água pura e límpida que corria como se fosse o maior de todos os animais selvagens. Assim que saciei a minha sede e emocionado eu então falei:

            - Obrigado rio, obrigado por ter matado a minha sede. Sei que você também tem o Seu desejo. Eu falava de uma maneira meio idiota. Essa era a forma mais engraçada que eu tinha para aquele momento. Eu via a água do rio com vida.  Parecia  que  ela  tinha  vida  própria.  Correndo  em  um  destino  ou  para  um  destino.  Aquilo  fazia  com  que  a  minha  vida  se  embaralhasse  a  um baralho imaginário. Talvez pela minha dúvida ou pela minha inocência. Ou a simplicidade de ser eu apenas um humano. Eu me questionava. Pois como podia uma coisa tão grande que se juntava e formavam aquela imensidão e que ao mesmo tempo podia ser dividida na menor parte que pudesse imaginar sem a necessidade de nada para cortar. Eu não conseguia entender. Era muito prá mim. Eu o pobre mortal Daniel. Foi que olhei para um lado e avistei um canoeiro que vinha naquela canoa que se deslizava nas águas em minha direção. Senti-me ali como se eu fosse um invasor, e quando ele disse:         

             - O que está fazendo aí amigo?

              No tom da pergunta eu exclamei:

            - Bem seu pescador. Eu sei que não e certo o que estou procurando...

            - E o que procura?

            - Quero saber os desejos das pessoas.

            - Então o senhor está querendo saber o que desejam as pessoas?

            - Isso amigo. Qual é o seu desejo?

            - Espere um momento que vou lhe dizer qual é o meu desejo...

            E o homem conduzia a sua canoa que estava super lotada de peixes.

            - E algum tempo depois...

             - Lá está a minha humilde casa Daniel.

            - Qual é o nome do senhor?

            - Elísio, foi o nome que o velho Júlio me deu.

            E assim que a canoa do seu Elísio aportou, uma voz suave disse:

            - Como foi o dia papai?

             - Fui bem filha, cumprimenta o moço.

            Perdi-me na beleza dos lindos olhos que tinha aquela moça. E parecia que a minha vida começava de novo, pois falei:

            - Encantado senhorita!

            - Rosilene...

            - Daniel, Rosilene, o seu criado!

            - Convida o moço para almoçar com a gente filha.

            Entrei naquela casa, convencido de que já não desejava mais nada na vida, além de Rosilene... 

 

FIM

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